Amamentar é muito mais do que nutrir

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O bebê é completamente dependente, ele precisa de outro indivíduo para manter suas funções básicas e assim sobreviver. É fácil imaginar que durante nosso processo evolutivo, aquele que gere* tenha sido o principal responsável pela sobrevivência do bebê. Isso porque conseguimos ver nas mulheres e homens que geram e amamentam, diversos mecanismo fisiológicos e comportamentais que se re-alimentam mantendo um vínculo estreito entre aquele que gera e amamenta e o bebê. 

Amamentar é um processo tão importante que é o nome da Classe de animais que, como nós, mamam: os mamíferos. Em termos gerais, nosso sangue “quente”, diferente de aves e répteis, permitindo que tenhamos atividades durante todo o dia, aumentando nossas chances de encontrar alimento; também permite que possamos viver em lugares muito frio ou muito quente e como os animais de sangue “frio” vão ter dificuldade de viver nesses ambientes…mais comida pra gente! 

Contudo, manter esse metabolismo de sangue “quente” não é barato. Precisamos comer muito para termos energia, e corremos dessa forma, como mamíferos, mais risco de morrermos de fome. Esse risco de inanição é ainda maior para os bebês, que precisam de muita energia para crescer! Como correr o risco de não achar um alimento e perdemos nosso bebê? Bem, esse risco não existe se…isso mesmo….se a mãe produzir esse alimento! 

Relação da abertura cervical da mulher e o tamanho da cabeça do bebê, em diferentes espécies de primatas. Da esquerda para direita Orangotango, Chimpanzé, Gorila e humanos. Figura adaptada: The evolutionary origins of obstructed labor: bipedalism, encephalization, and the human obstetric dilemma. Anna Blackburn Wittman, L Lewis Wall

Como se não bastasse todo esse consumo de energia que um mamífero precisa para sobreviver, como primatas temos temos um cérebro grande em relação ao nosso tamanho corporal e como humanos mais ainda! Além disso, durante nossa evolução, foi adaptativo a bipedalidade – andar apenas com o apoio das duas pernas, e isso fez com que a abertura vaginal possível para a passagem do bebê tenha um limite. E agora? Bem, e se o bebê nascer ainda mais cedo e terminar o desenvolvimento fora do corpo da mãe? Essa parece uma boa solução se considerarmos que a sociedade que espera por este bebê tenha condições de dar toda atenção a ele. E é um pouco sobre isso que vamos falar hoje: 

Sobre o comportamento de amamentar e a relação com a saúde física e mental da mãe e do bebê que resultam, ou não, desta relação. E também dos demais indivíduos afinal,

será que apenas aquele que produz leite é responsável pela amamentação?

* no texto de hoje quero me ater ao indivíduo que gera e amamenta, e chamerei algumas vezes, por motivos de simplificação da escrita, de mãe. Acredito que há homens que possuam sistema reprodutivo feminino, e que há mães que não geram, e mães que geram e não amamentem. Respeito a fluidez da biologia e do comportamento humano e se tiverem interessados podemos, pela perspectiva evolutiva, falar sobre este e outro assuntos: me chama que adoro e tô facinha facinha.

O Leite e nutrição

A função mais óbvia da amamentação é a nutrição. Ora o bebê precisa comer! Todo bebê nasce com o reflexo de sugar, e eles conseguem encontrar o caminho em direção ao mamilo. Lindas evidências do quanto mamar é fundamental.

O leite possui tudo que seu bebê precisa, não somente nutricionalmente, mas também para proteção. A composição do leite materno também varia respondendo as necessidades do bebê. Como se isso já não fosse incrível, o leite ainda pode ter muito mais funções do que as comprovadas cientificamente até o momento; por exemplo, sabe-se que as concentrações de hormônios no leite variam conforme a concentração desses hormônios na mãe, mas o quanto isto influencia o bebê? E qual a consequência a longo prazo? Mais e mais estudos estão sendo realizados com estes bioativos e enquanto algumas relações estão sendo desvendadas outras remem em mistério. Será que hormônios que regula o sono tem relação com o ciclo do sono no bebê?  E nunca é demais repetir: seu leite é sempre bom, é sempre o que o seu bebê precisa! *exceções relacionadas a condições específicas de saúde pode ocorrer.

Amamentar é muito mais do que nutrir

Apesar de ainda ter muito a ser descoberto sobre a fisiologia do leite e da amamentação, a amamentação não é somente sobre fisiologia. É sobre afeto. Isso significa que mesmo que alguém invente uma fórmula que seja tão boa quanto o leite materno – incluindo a resposta a variações do bebê – não poderíamos descartar a amamentação. 

A complexa e bela arte de criar. Foto por @artsy-solomon nappy.co

A amamentação permite que se forme uma interação biológica e psicológica entre mãe e bebê; formando um vínculo de longo prazo. Inclusive há uma janela ótima para a primeira aproximação sendo muito importante o contato pele a pele logo após o nascimento e no próximo 3 dias, o tempo e qualidade dos contatos durante esse período tem relação com o vínculo a longo prazo. E claro, amamentar permite e estimula esse contato. 

Esse vínculo emocional, se torna a base do desenvolvimento social, emocional e cognitivo. A relação mãe-bebê é imediatamente associada a mãe e ao bebê (vínculo materno e apego infantil) e o vínculo aumentar quanto maior o número de interações satisfatórias e prazerosas entre os dois no decurso do primeiro ano de vida da criança. Esse vínculo é uma importante adaptação aumentando as chances de sobrevivência e início do estabelecimento do papel social do bebê.

Contudo, essa relação não é realmente apenas entre os dois, a amamentação e o vínculo podem ser afetada por uma pela influência das pessoas em suas relações sociais. É importante que a mãe possua uma rede de apoio já que o conjunto social é importante tanto para ajuda prática no cuidado do bebê e da mãe; mas também tem papel na percepção sobre atitudes de amamentação, apoio e normas subjetivas do vínculo que está sendo formado.

Mães que escolhem dar mamadeira declaram que a atitude do pai; a incerteza quanto à quantidade de leite materno e o retorno ao trabalho foram as principais razões para a decisão de parar de amamentar. Contar com o apoio moral, das mães, sogras, parteiras e enfermeiras é muito importantes em termos de suas decisões de iniciação e continuação de práticas alimentares, mostrando a importância da aprovação social. 

O apego e a mamadeira

É difícil separar a amamentação do contato, mães que amamentam principalmente usando o método livre demanda são mais prováveis de passar mais tempo em contato com seus bebês. Mas é difícil concluir que a amamentação por mamadeira impeça que uma boa relação de apego se desenvolva. Sandra Artar, por exemplo, no seu belíssimo estudo, mostra que até mesmo o histórico das relações da mãe influencia no vínculo a se estabelecer com o seu bebê. No estudo dela ela achou que uma mãe que possui apego seguro, amamenta – e por mais tempo – e que estabelece um bom vínculo com o bebê. Mas ela não consegue estabelecer se a mulher com apego seguro poderia estabelecer esse mesmo vínculo ao amamentar com mamadeira, ou seja, será que a mulher que tem apego seguro amamenta, e quem amamenta tem mais vínculo, ou que a mulher com apego seguro tem mais vínculo independente do método de alimentação? Da mesma forma, outros estudo tem dificuldade em separar variáveis que podem ter efeito. Muitas das coisas que levam uma mãe a não amamentar são também pode ter efeito no tipo de apego, como depressão pós parto e falta de apoio social.  Portanto, não devemos sair por aí julgando a mãe que não amamenta seu bebê. 

A amamentação traz diversos benefícios, tanto para a mãe quanto para o bebê, isso é inquestionável. Mas não se atormente caso não possa amamentar. Uma mãe feliz é uma mãe melhor, afinal o bebê é influenciado fisiologicamente por você. Não há comprovações que seu bebê não possa ser feliz e saudável caso não amamente. Vejam bem, longe de mim fazer apologia ao uso da fórmula, mas definitivamente não quero que ninguém se martirize por não poder amamentar. E lembre se apenas você sabe o seu limite.

PARA SABER MAIS:

Sandra Artar 2018. HOW DO ATTACHMENT, BREASTFEEDING AND BONDING RELATE? Tese de doutorado pela ISTANBUL BILGI UNIVERSITY

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