O que o parto tem a ver com a sexualidade?

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Foi num sábado de manhã quando minha primeira menstruação chegou. “Mãe, olha só!”, com meu coração disparado em êxtase. O olhar e o semblante dela pareciam fluir no sentido oposto. “Ai, minha filha. Se prepara”, disse ela quase chorando. “O que há de errado?”, pensei.

Recebemos mensagens de controle do nosso corpo desde pequenas: “tira a mão daí”, “fecha as pernas”, “não chora”, “não grita”.

Fonte: Google Imagens.

Recebemos também mensagens que nos desconectam dele: “é sujo”, “é feio”, “é errado”. Quem nunca ouviu que atire a primeira pedra!

SEXUALIDADE VAI ALÉM DO SEXO

Ao longo de séculos fomos impostas a limitações e, como consequência, perdemos as conexões com nossos cheiros, nossas secreções, nossos sons, nossos movimentos, nossos desejos e com o sentimento de prazer. Prazer em ser aquilo que somos, em carne, osso e alma. E falar sobre sexualidade é tabu. Não deveria.

A Organização Mundial da Saúde traz definições que enchem meu coração de esperança: “sexualidade é a energia que motiva a encontrar o amor, contato e intimidade e se expressa na forma de sentir, nos movimentos das pessoas, e como estas tocam e são tocadas. A sexualidade influencia pensamentos, sentimentos, ações e interações e, portanto a saúde física e mental.” E falar sobre sexualidade envolve também o parto.

Seríssimo!

PARTO É EVENTO SEXUAL

Esse aspecto do parto é ainda bem nebuloso para nós, mulheres ocidentais modernas. A desconexão do parto com a sexualidade veio através do processo de hospitalização do nascimento, ao longo do século 20. A autonomia e protagonismo da mulher no parto foram sufocados para dar espaço ao saber médico e ao modelo de assistência obstétrica, recheado de intervenções rotineiras. E foi através destas transformações, ao longo de gerações, que o parto é visto hoje como um processo dolorido, envolvendo sofrimento e medo. Faça um teste: pergunta pra sua tia, sua avó, a vizinha, suas amigas de infância sobre como elas enxergam o parto e depois me fala! Ah! E você, como enxerga o parto?

UM SALVE PRAS EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS

Foi exatamente a ciência que acendeu a luz para a necessidade de re-olharmos para o parto como um evento sexual, por meio das pesquisas do obstetra francês Michel Odente. Seus estudos mostraram que o ato sexual e o parto compartilham o mesmo coquetel hormônios, regados por uma dose final de êxtase hormonal. E pasmem: no parto esses hormônios atingem pico máximo, sendo o mais intenso na vida da mulher! Ina May Gaskin, parteira norte-americana, vai mais fundo e amplia nossos horizontes ao dizer que: “A energia que coloca o bebê para dentro pode ajudá-lo a sair.”

Fonte: O Renascimento do Parto 3. Já assistiu?

Parir seu(s) bebê(s), assim como fazer sexo, é um processo instintivo, onde a parte primitiva do nosso cérebro deve entrar em ação e a parte racional (neocórtex) deve adormecer. Em ambos os eventos é necessário estarmos entregues e ativas ao mesmo tempo. Desta forma a sensação de dor durante o parto se torne tolerável e passa a ser aceita como parte do processo.

Como deixar isso fluir em um parto? Para deixar fluir começamos pelo cuidado com o ambiente: privacidade, luz baixa e silêncio para trazer sensações de segurança e intimidade. E seguimos pela livre expressão do corpo, deixando a mulher livre para se movimentar, para encontrar posições que sejam confortáveis e para emitir seus sons. Sem nojo ou repressão diante dos fluidos corporais que envolvem o parto: sangue, muco, coco, vomito.

Imagina você fazendo sexo com várias pessoas te olhando, entrando no ambiente e batendo a porta, conversando alto e falando o que você deve fazer. Será que rola? Então, a mesma lógica vale para o parto.

Portanto, vamos lá e repita comigo (vale também escrever e deixar em um lugar bem visível para você): o parto é um processo fisiológico, que faz parte do ciclo sexual feminino e está relacionado com a saúde e prazer (por que não?).

MULHER, APROVEITE A OPORTUNIDADE!

A gestação é uma excelente oportunidade para se conhecer. É uma fase em que os sentidos estão aflorados e podemos desenvolvê-los a nosso favor. Explore seu corpo através do espelho. Veja como ele esta se transformando. Conheça sua vulva. Se toque, sinta sua vagina, seu colo do útero (ou seria uma rosquinha). Se alongue, rebole muito e sinta sua pelve. Se questione: como é sua relação com o seu corpo? O que te da prazer? Como é o sexo para você?

Ilustração: The_White_Deer/Wildlife

Expressar sua sexualidade sem medo de repressões é um caminho de sucesso para uma experiência positiva de parto. Vamos juntas? Você pode fazer parte de um grupo de atendimento exclusivo e conhecer mais sobre o meu trabalho se inscrevendo aqui. Beijocas e até!

 

 

 

Referências

Organização Mundial da Saúde (1975). https://apps.who.int/iris/handle/10665/38247

A cientificação do amor (2002). Michel Odent, Florianópolis: Saint Germain.

O renascimento do parto (2005). Michel Odent, Florianópolis: Momento Atual.

Spiritual midwifery (2002) GASKIN, Ina May.. Summertown, TN: Book Publishing Company.

Autonomia, risco e sexualidade. A humanização do parto como possibilidade de redefinições descoloniais acerca da noção de sujeito (2014). https://periodicos.ufpe.br/revistas/realis/article/view/8813

Sexualidade e parto: em busca do elo perdido (2017). https://estudogeral.uc.pt/handle/10316/79776

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