Com certa frequência, ao dizer que sou enfermeira obstetra, mulheres me questionam sobre traumas no períneo em consequência ao parto normal. “A vagina fica larga?”; “Depois do parto, volta tudo ao normal?”; “Tem que fazer corte pra poder passar um bebê?”: são dúvidas baseadas nos medos e nos mitos que permeiam o estigma pelo parto normal, que vão além de uma preocupação com sua saúde física.
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A cultura
A cultura machista em que vivemos controla o corpo da mulher, impede com que as meninas façam descobertas sobre seu próprio corpo na infância, faz também com que mulheres sintam-se inseguras na sua vida sexual enquanto adultas e desacreditem na sua própria natureza quando estão gestando uma vida. O próprio sistema de saúde expõe as mulheres a intervenções desnecessárias desconsiderando que a gravidez, o parto e o nascimento são expressões de saúde.
A prática frequente de condutas obstétricas desnecessárias associadas à abreviação do processo fisiológico do parto, não só vem comprometendo a integridade perineal como também revela uma violação do direito da integridade corporal da mulher e um desrespeito aos seus direitos sexuais e reprodutivos.
Anatomia e fisiologia do períneo
O períneo é um espaço com a forma de um losango localizado abaixo do assoalho pélvico, composto por tecidos e fibras musculares. O assoalho pélvico por sua vez é um diafragma muscular que separa a cavidade pélvica do espaço do períneo, e tem a função de sustentar as vísceras pélvicas e auxiliar na rotação e descida do bebê. Durante o parto, ocorre o relaxamento desses músculos e a parte central do períneo torna-se mais fina, auxiliados pelos hormônios envolvidos no trabalho de parto, como as protaglandinas, a ocitocina e as endorfinas.
Como prevenir lacerações perineais
Neste sentido, entende-se que o corpo da mulher que foi fisiologicamente transformado para gerar uma vida, também foi preparado pela natureza para parir. Assim, preparar o períneo para o parto é fundamentalmente empoderar a mulher para entender mais sobre o próprio corpo. Explorar, observar, tocar, sentir, compreender texturas e sensações são prerrogativas para o desenvolvimento da consciência corporal. Ou seja, não requer grandes tecnologias. Ainda não há recomendação forte para realização de massagem perineal antes do parto, e a utilização do “alargador vaginal” (Epi-no) para prevenção de lacerações perineais, mas se a mulher assim o desejar para desenvolver a sua consciência corporal, não há contra-indicações.
Basicamente, o que as evidências científicas recomendam enquanto medidas de prevenção de lacerações perineais são: que o profissional considere adotar a técnica de “mãos prontas” (com as mãos sem tocar o períneo e a cabeça fetal, mas preparadas para tal) para controlar a saída suave do bebê, sendo assim orientar que a mulher não faça força neste momento. Além disso, a aplicação de compressas mornas no períneo no momento do parto também parece ser útil, pois oferece conforto e consequentemente a mulher sentirá mais segurança. Sendo assim, utilizar posições em que a mulher possa assumir uma verticalidade favorecendo a descida do bebê e diminuindo a pressão sobre o períneo (quatro apoios ou lateral), enquanto que respeitar o tempo de rotação e descida que irá proporcionar alongamento da estrutura do assoalho pélvico internamente podem ser medidas que irão prevenir traumas perineais graves. Concluiu-se que provocar um trauma perineal (episiotomia de rotina) não previne um trauma perineal grave e não mudou outros desfechos obstétricos, como a nota de Apgar, tempo de período expulsivo, entre outros.
E se lacerar?
Alguma laceração perineal é aceitável e inerente ao parto, sendo possível a reparação por meio de sutura ou não, a depender da sua profundidade e extensão e a cicatrização é muito melhor do que se tivesse sido realizado episiotomia. O profissional que está realizando a assistência ao parto poderá aconselhar não suturar se uma laceração for anatômica que envolve apenas pele e mucosa ou considerar suturar quando envolve músculo a fim de melhorar a cicatrização.
Trauma perineal grave geralmente está associado à intervenções obstétricas como parto instrumental e uso de episiotomia, associados à posição ginecológica e manobras como kristeller e puxos dirigidos (mandar fazer força).
Portanto, ter uma assistência obstétrica de qualidade, que respeite a fisiologia da mulher e o tempo do bebê pode favorecer à integridade do períneo e uma experiência de parto positiva.
Referências
- Assoalho pélvico e períneo:
Trabalho de parto e parto de Oxorn e Foote/ Glenn D. Posner… [et al.]; [tradução Maria da Graça Figueiró da Silva Toledo; revisão técnica: Déa Suzana Miranda Gaio]. -6. Ed. –Porto Alegre: AMGH, 2014.
- Traumas perineais associados às intervenções obstétricas:
Organização Mundial da Saúde (OMS). Assistência ao parto normal: um guia prático. Brasília: OPAS/USAID; 1996. [OMS/SRF/MSM/96.24].
Santos Jaqueline de Oliveira, Bolanho Izabel Cristina, Mota Jaqueline Queiroz Carlos da, Coleoni Lidiane, Oliveira Márcia Alessandra de. Frequência de lesões perineais ocorridas nos partos vaginais em uma instituição hospitalar. Esc. Anna Nery [serial on the Internet]. 2008 Dec [cited 2014 Dec 02]; 12(4): 658-663. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-81452008000400008&lng=en. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-81452008000400008.
- Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal (cuidados perineais):
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde. Diretrizes nacionais de assistência ao parto normal: versão resumida [recurso eletrônico] / Ministério da Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde. – Brasília : Ministério da Saúde, 2017. 51 p. : il.
- Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal (cuidados perineais):
- Episiotomia seletiva x episiotomia de rotina:
Jiang H, Qian X, Carroli G, Garner P. Selective versus routine use of episiotomy for vaginal birth. Cochrane Database of Systematic Reviews 2017, Issue 2. Art. No.: CD000081. DOI: 10.1002/14651858.CD000081.pub3.