Sobre a arte de se tornar doula

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Era uma vez uma moça que sonhava muito

Não disse que eu tatuava? Olha aí!

Quem me olha hoje, trabalhando como doula, fotógrafa de partos, dando aula de pintura gestacional, mãe da Valkíria e da Flora e saindo enlouquecida pelas madrugadas do Rio de Janeiro atrás das gestantes não faz a menor ideia de como eu entrei nesse mundo.
Em uma vida anterior eu era uma artista plástica que trabalhava como tatuadora, com restauração de obras de arte em papel e que era apaixonada por fotografia.
Porém, na época, não passava de um divertido hobbie.

A primeira vez
Eram meados de junho de 2014 e eu estava na sala do antigo quarto e sala em que morava com meu companheiro. Pequeno e confortável para dois recém casados, eu aproveitava uns minutos de tv enquanto o marido cozinhava o jantar. Um cheiro familiar vinha da cozinha, mas algo estava errado. Levantei e me aproximei do fogão. Como um raio, corri para o banheiro super enjoada. Ele estava preparando o refogado do feijão com azeite e cebola. Um dos meus cheiros favoritos no mundo e estar enjoando com ele acendeu o alerta na minha cabeça. “Será?”

Eu quando descobri que estava grávida.

Fui convencida pelo meu próprio obstetra de que estava com problema de vesícula pois, na época, ele não acreditava que eu, gorda, e consumindo pílula por 7 anos, não podia estar grávida. Então fui eu lá fazer uma ultra abdominal. De fato, havia uma pedra na vesícula e algo a mais. A médica riu e disse “olha, faz tempo que não faço ultra para achar bebês, mas aqui tem um! E sua vesícula vai ter que esperar.”
Foi um choque. O som do coração batendo inundou a sala. E fiquei sem palavras.  O meu medo de nunca poder engravidar tinha sido trocado por um frio na barriga. Eu ia ser mãe! 

Doula?

Eu doulando na perinatal.

Comecei a ler sobre tudo que podia e uma amiga me falou sobre a existência da doula.  Na época, não conhecia sobre o trabalho e ela se ofereceu de fazer o curso para me atender.
A gente procurou mas infelizmente não tinha nenhum disponível no Rio.  Quando comentei sobre isso com meu marido e minha família, ambos não achavam pertinente o “gasto” e fui sendo vencida aos poucos a não levar essa ideia a diante.

“Se for pra fazer massagem e ficar junto com vc, eu fico” era o que eu ouvia.  E como a grana era curta, não tinha apoio, minha confiança nesse parto foi indo por água a baixo. Porém eu não havia desistido do meu parto ainda. E continuei buscando assistência humanizada.

O conto do G.O. fofinho

Fuçando sites como o do baby center,  como toda gestante de primeira viagem, descobri algumas mulheres falando de um médico que “fazia normal” pelo plano. Marquei a consulta e passei boas horas esperando ser atendida no consultório. Tinha tanta gestante, mas tanta, que muitas vezes eu ficava sentada no chão esperando a consulta.  Conheci o velhinho com cara de gente boa, gentil mas que toda consulta media minha barriga e falava como meu bebê era “grande”. Durante as consultas, eu conversava sobre o parto normal e a resposta automática era “se estiver tudo bem eu faço”.
Quando falei sobre as possíveis intervenções, ele mencionou que só fazia  normal com episiotomia, de rotina mesmo e eu achava que era normal. Afinal, quem ia querer se rasgar inteira, não é mesmo? Amigas minhas já tinham feito e me recomendavam! Quem era eu para ir contra o médico?

Passadas algumas consultas, minha gestação vinha evoluindo super bem até que, no último mês, minha pressão deu aquela subidinha básica e ficou em 14×09. Fui medicada e avisada que, sendo assim, não poderia ter normal.
Não tive apoio de ninguém próximo, mesmo achando estudos falando sobre as indicações reais e fictícias de cesariana com essas condições.
Nada adiantou.  Pensei em trocar de médico com 37 semanas e mais uma vez não tive apoio. Tive medo. Estava sozinha nas minhas escolhas e não tinha força para bancar sozinha essa situação. A minha vontade era ficar em casa e correr pro SUS quando a hora chegasse. Antes tivesse feito.

Sistema cesarista

Val e eu no meu primeiro puerpério.

Porém, o sistema venceu. No dia da internação, eu estava em pródomos. Só queria sair daquele hospital. Fugir mesmo. Todos falavam para eu me acalmar e ficar lá mesmo. Que era melhor e aquele bla bla bla todo que, se você passou por isso alguma vez, sabe bem do que eu estou falando.  Depois de algumas horas aguardando, fui pra cirurgia. E em 20 minutos, aqui estava Val. Minha pequena. O sentimentos em relação a isso eu descrevi aqui.  E fui em rumo ao puerpério com depressão pós parto mal diagnosticada e que não desejo ao meu pior inimigo.
Esse problema quase levou meu casamento ao fim e quem me salvou foi uma homeopata. Depois de passar por isso, um sentimento de “e se eu tivesse tido uma doula?” não parou de me perturbar a mente.  E a vida seguiu.

Tudo que é bom, repete

Inclusive as lições que precisamos aprender. Era julho de 2017 e eu estava comemorando a ida de um amigo para o exterior. Depois de muito chopp, o papo sobre gravidez surgiu na mesa. Entre gargalhadas e goles de cerveja, comecei a fazer contas. Percebi que estava atrasada uns 3 dias. Gelei. Empurrei o chopp para longe de mim e comecei a olhar com cara de nervosismo para meu amigo e meu marido. Eles, bêbados, riam da minha cara. Eu fiquei sóbria no mesmo instante. Dois dias depois, fiz o exame de sangue e tava lá, grávida de novo. E meu mundo parou mais uma vez.

E lá vamos nós

Minha selfie pós parto da Flora.

Após o susto e ter passado quase que seis meses em negação (o trauma da primeira foi GRANDE) eu decidi lutar pelo meu parto.  Briguei com todo mundo, mas dessa vez estava disposta a ter uma doula . Foi a primeira profissional que contratei para o meu parto e não me arrependo disso. Valeu cada centavo.

Felizmente, tivemos a possibilidade de ter uma boa equipe com a gente dessa vez. E lavei a alma com o nascimento da Flora. Veio como todos deveriam ter a chance de vir. Com respeito e amor, mais nada.

40 semanas e seis dias

Eram umas 23 horas da noite de uma terça-feira e mal havia começado o desfile das escolas de samba do grupo especial. Senti uma cólica e fui ao banheiro. Os primeiros sinais começaram com o tampão e pródromos que duraram a madrugada inteira. Todos dormiam e uma felicidade tomou conta de mim.  Na semana anterior eu havia estado no constultório da Berna (Dra Bernadete Bousada para os não íntimos rs) e tínhamos tentado indução mecânica. O meu limite, devidas as condições, eram até as 41 semanas. Porém, como eu estava bem e sendo acompanhada de perto, pedi mais um tempo para que o trabalho de parto começasse de forma espontânea. E ganhei mais seis dias. No sétimo, era internar pra induzir.

O bloco das parideiras 

Finalmente a minha hora havia chegado e eu estava começando meu caminho rumo ao encontro com a minha filha. Lembrei dos conselhos da Karla (minha doula) e resolvi descansar para poupar energias. Porém não adiantou muito deitar pois os pródomos estavam intensos e só conseguia ficar  revezando o sofá com o chuveiro quente. Entre um refrão de samba enredo e outro as horas foram passando e quando estava quase amanhecendo, decidi que era hora de avisar a Karla e a médica. Fui avaliar na maternidade logo pela manhã e ainda estava com 1cm. Deu aquela desanimada! E voltamos para casa.
Finalmente consegui dormir e só acordei (acho) lá pelas 14hs. E agora não era mais ensaio, a escola de samba (vulgo, Flora) entrou na avenida e o barulho da bateria era intenso. Voltei para o chuveiro e não sai mais.

Entre gritos e gemidos a vida se fez perfeita

Meu pacotinho e eu, assim que chegamos no quarto


Me perdoem, mas aqui a coisa fica confusa. Entrei na água e fui levada pelos instintos. Não sabia mais de tempo, não ouvia mais nada nem ninguém. De alguma forma eu sai do chuveiro na hora certa – ‘se eu ficar, vai nascer aqui” eu disse em algum momento quando meu marido me perguntou o que eu queria fazer.
Em algum momento cheguei na maternidade e só me perguntava porque eu ainda estava andando. Eu só queria ser carregada nos braços até a sala de parto. Lembro de falarem que eu estava com 6cm de dilatação, lembro das massagens e apertos no quadril que a Karla dava e fazia tudo ficar mais suportável. Lembro de sentir minha bebê escorregando pela minha pelve, devagarzinho e achar maravilhoso isso não doer nadinha.
Lembro de caminhar para o centro cirúrgico, lembro de querer sentar na banqueta mas doer demaaais e desistir e lembro de ir ao chão achando que não ia dar certo aquela posição, mas fiquei. De quatro. Feito bicho que sou.
Senti a cabeça dela saindo com uma das mãos e foi LOUCO. Como era maravilhoso viver aquilo. Em uma hora, lá estava  eu sentada com minha filha nos braços. E ela era perfeita.

Eu queria mais

Trabalhando como doula na Maternidade Maria Amélia.

O tempo passou e o bichinho da humanização continuou lá, me chamando para trabalhar. Assim que a vida permitiu e com o incentivo da Karla, fui atrás do curso e me tornei doula. E que ano foi 2018! Atendi mulheres que viraram verdadeiras lobas trazendo seus filhos ao mundo. Vi de pertinho essas mulheres se entregando ao seu lado mais primal e se tornando as deusas que eu acredito que todas são.
Claro, vi também casos iguais aos meus, onde a humanização chegou mas a família e o desconhecimento venceu. E isso dói, como se fosse em mim mesma. Nossas feridas são compartilhadas em cada caso que o sistema vence e renascemos em cada família que conquista o parto respeitoso, independente da via de parto escolhida.
 E você? Pronta para sua jornada?

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Referências

Humanização da assistência ao parto no Brasil: os muitos sentidos de um movimento https://www.scielosp.org/scielo.php?pid=S1413-81232005000300019&script=sci_arttext&tlng=es

Depressão puerperal – uma revisão de  literatura http://deploy.extras.ufg.br/projetos/fen_revista/revista7_2/pdf/REVISAO_01.pdf

Indicações reais e fictícias de cesariana http://estudamelania.blogspot.com/2012/08/indicacoes-reais-e-ficticias-de.html

Episiotomia: revendo conceitos  http://pesquisa.bvs.br/brasil/resource/pt/lil-537577

O papel da Doula na assistência à parturiente http://www.reme.org.br/artigo/detalhes/380

Métodos para indução do parto http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-72032005000800010&script=sci_arttext&tlng=es

 

Imagens: Acervo pessoal.

Imagem em destaque: @nayaralucide

 

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