Não se nasce mãe, torna-se.

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Entre os muitos grupos em que faço parte em redes sociais, quase invariavelmente relacionados à maternidade, um relato hoje me chamou a atenção. Talvez não ele inteiro, é verdade, já que a experiência descrita é comum à maioria das mães: cansaço. Exaustão. Mas vou tomar a frase específica, perdida no meio do desabafo, como norteadora do assunto: “Eu sempre achei que a maternidade era pra ser algo feliz, que nos torna completa.”

Adaptado da Revista Exame

 A nossa socialização

Desde que nascemos e o mundo nos reconhece como meninas – futuras mulheres- somos apresentadas ao universo da maternidade: bonecas, mamadeirinha, carrinhos (apenas para passeio da boneca, claro), cozinha pra fazer o papá do neném. Nos apresentam a lógica da vida: nascer, crescer, REPRODUZIR e morrer. E é em cima da socialização recebida que vamos construindo e pautando nossas escolhas.

Como não pensarmos, então, na maternidade como “algo feliz, que nos torna completA”, se isso que nos foi ensinado? Essa vogal tem destaque proposital, porque é da mulher que se espera esse sentimento. Óbvio que seremos instantaneamente felizes com aqueles pés de bisnaguinhas e aquelas mini-mãozinhas-cut-cut-que-dá-pra-colocar-inteira-na-nossa-boca! Será mesmo?

O nascimento da mãe

Quando nasce um bebê, nasce também uma mãe, igualmente desprotegida. Ela precisa de tantos cuidados quanto aquele bebê. Precisa cumprir com as suas necessidades básicas para poder atender as demandas daquele filhote dependente. Nem vou elencar aqui que momentos de risada e passeio com os amigos, por exemplo, sejam parte das necessidades da vida de alguém – ainda que sim, sejam. Vou me ater ao básico como dormir, comer, ir ao banheiro, tomar banho, escovar os dentes.

Quem se sente completa usando o mesmo moletom há 5 dias, enquanto os bodys de florzinha se amontoam no cesto de roupa? Como ficamos felizes sem ter colocado nada além de uma banana no estômago durante um dia inteiro, enquanto somos provedoras do alimento de outra pessoa? Como nos sentirmos realizadas com um choro que ecoa por todas as paredes e volta através dos nossos ouvidos mesmo que o bebê até já esteja dormindo? Privação de sono é, inclusive, usado como método de tortura.

Giphy
Rede de apoio pra enlouquecer junto é importante

Como fazemos, então, para nos mantermos felizes, sorridentes, com bebês calmos, ambos de roupa branca posando pra foto de marca de fralda? O que estamos fazendo de errado, que não sentimos aquela felicidade toda que sempre achamos que sentiríamos?

A resposta é: NADA. Estamos atravessando um momento que, em meio às bonecas, ninguém nos avisou que existia. É a romantização a que somos submetidas desde a infância que está errada. Ninguém nos contou que nosso corpo ainda ia passar por mais transformações: seios inchados, doloridos, útero contraindo, algumas vezes existem pontos ou lacerações e, dependendo da via de nascimento, com mais intervenções, podem tornar atividades corriqueiras ainda mais difíceis. Nossos hormônios passam por muitas modificações também e as nossas emoções estão transbordando.

Aquele bebê que ela carregou na barriga por tantos meses deixou um espaço vazio ali dentro, ainda que agora preencha os braços e os seios. As mães, que recebiam mensagens, carinho e apoio até algumas semanas atrás, se sentem sozinhas e esquecidas, muitas vezes sendo tomadas por sentimentos melancólicos e dúvidas. Somado a tudo isso podem vir muitos conselhos indesejados (mas não se engane, eles te seguirão por toda maternidade: mesmo quando as mãozinhas-cut-cut virarem mãos de um senhor de 40 anos, há de surgir alguém aconselhando que você coloque luvinhas nelas!) e tudo isso com aquele moletom lá, fedido de leite azedo, lembram?

Esses sentimentos são normais. O mantra do “vai passar” é real.

Então, não, você não é uma péssima mãe, você está passando pelo período que chamamos de PUERPÉRIO (leia com aquele som de ‘TCHANAN’) e costuma melhorar próximo ao terceiro mês de vida do bebê.

Não tem nada de errado com o que você está sentindo, até esse momento você e o seu bebê ainda estão se conhecendo, criando vínculo e logo essa fase assustadora vai melhorar. Em breve você vai poder fazer uma refeição inteira (ou quase), reconhecer as necessidades do seu bebê e, aos poucos, estruturar uma nova vida junto com o pé de bisnaga!

Para algumas mulheres o puerpério pode ser mais leve, enquanto pra outras, mesmo que já tenham passado por isso outras vezes, seja um momento muito delicado e difícil.

Uma boa rede de apoio e participação ativa do (a) parceiro (a) permitem passar por essa fase da forma mais tranquila possível. O preparo para o puerpério é tão importante quando à preparação para o parto, ainda que a gente acabe deixando de lado.
E como a gente se prepara?  Organizando umas comidas no freezer e planejando a rede de apoio? Sim, isso tudo ajuda muito! Mas, principalmente, estando munida de informações de qualidade sobre a amamentação, cuidados com o bebê e sobre as transformações próprias desse período. O apoio de uma doula nesse preparo – inclusive durante a gestação – pode auxiliar em uma experiência saudável durante esse processo, sendo suporte para busca dessas informações e também para o acolhimento emocional que a nova mãe precisa ter. Num é só o bebê que precisa de colo.

Pra entrar em contato comigo pra essas e outras demandas da gestação, parto e maternidade, só clicar aqui.

Há braços!

Vale a pena ler

Carvalho, Rafaela, 60 dias de neblina. Editora: Máquina de escrever, 2017.

Lemay, Gloria. Sobre o poder subestimado do repouso. http://wisewomanwayofbirth.com/the-undervalued-therapeutic-power-of-rest/

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