Como renasci doula

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A doulagem surge na minha vida já depois dos 35 anos, então tenho que começar contando uma história que vem antes disso, antes de me tornar mãe…

Vida antes da maternidade

Apresentação em Congresso de Psicologia 2008

Psicóloga de formação, fui sempre muito focada na minha carreira profissional. Muitas mulheres na atualidade pensam assim como eu pensava: estudo, formação, carreira… Maternidade era um tema que me dava alergia…

Me casei muito cedo. Me formei em 2002, fiz especialização, mestrado e me tornei funcionária pública. Até então os temas parto, gestação e amamentação eram totalmente desconhecidos na minha vida e não faziam parte do meu vocabulário.

A Maternidade

Gravidez de minha primeira filha Bruna, 2011

Chegaram os 30 anos, realmente um divisor de águas pra mim, e de repente, algo mudou! Sentimento de solidão, pensamentos de um futuro sem graça, um vazio… e o desejo por um filho começou a brotar! Foram horas e horas de divagações e conversas com meu marido: é seguro colocar uma criança nesse mundo? Seremos felizes? Daremos conta?

E o desejo falou mais alto, um mês após parar o uso do anticoncepcional veio o positivo: estava grávida! E aí tudo mudou…

Nunca pensei que ser mãe mudaria tanto, não só minha vida, como a mim mesma. Mudei internamente, passei a ver a vida com outros olhos: olhos de mãe!

O parto

Na minha primeira gestação eu, assim como dezenas de outras mulheres, achava que para parir era só querer (afinal é natural!). Infelizmente descobri que nosso sistema obstétrico cesarista não deixa isso ser tão natural assim. Descobri isso da pior maneira possível: passando por uma cesárea!

Bruna nasceu em julho de 2011. Tive um péssimo puerpério, dificuldade para dormir, dificuldade para amamentar e nenhum apoio especializado. Não conseguia entender tudo aquilo que estava vivendo, todos aqueles sentimentos, todas as mudanças, não sabia que isso poderia acontecer.

Esse meu estado emocional perdurou por muitos anos após o nascimento da Bruna. Mas com muito apoio do marido e muita reflexão consegui aos poucos digerir tudo que tinha vivido. Então uma nova decisão foi tomada: ter outro filho!

A segunda filha

Nascimento da Laura, 2015

Acreditava que viver uma nova gestação e um novo parto poderia mudar minha visão do primeiro. Bruna pedia um irmão. Era a hora certa.

Novamente engravidei rápido.  Tudo planejado. Escolhi a médica que iria me acompanhar, sonhei com um parto domiciliar…

Mas todos os planos desmoronaram. Com 3 meses de gestação, descobrimos que minha mãe estava muito doente. Era um câncer maligno que tinha sua origem no ovário, mas naquela altura já tinha atingido colo de utero, intestino e bexiga.

Toda minha energia e dedicação naquele momento passou a ser na luta contra aquele câncer que cada dia devastava mais a base da minha vida, minha mãe!

Eu estava com 9 meses de gestação quando minha mãe fez sua primeira cirurgia. 8 horas de procedimento. Risco de morte…  Tudo transcorreu bem! Dona Juju foi uma guerreira!

E no dia seguinte eu estava ao lado dela na UTI do hospital em São Paulo (140 km de distância, atravessando a Serra do Mar). Fui todos os dias a São Paulo, mesmo um pouco a contragosto da minha médica, por todos os riscos de trombose envolvidos. Mas eu estava lá,  ao seu lado.

Com certeza esse foi um dos momentos mais difíceis de minha vida.

Minha mãe, minhas filhas e eu. 2015

Minha mãe voltou pra casa e 10 dias depois nasce a Laura, em 06 de junho de 2015.

Como disse antes: Não me preparei, não estudei, não tive doula, minha médica e amiga estava viajando quando a Laura resolveu nascer. Então, fui ao hospital e passei pelo que mais temia: falta de respeito e violência obstétrica. Que me fizeram optar pela cesárea que, hoje, sei ter sido desnecessária! Mas naquele momento vi a cirurgia como a melhor opção, pois não conseguiria passar por todo trabalho de parto sozinha e sem apoio.

O nascimento da doula em mim

Grupo de Mães em Peruíbe-SP. 2015

Apesar de não ter tido meu parto natural humanizado, a Laura me trouxe de volta a felicidade. Ela era a luz que iluminava nossos dias e ajudou muito a minha recuperação e da minha mãe.

Conheci então, em minha cidade (na época Peruibe-SP), um grupo de apoio a mães liderado por uma doula que tanto admiro (Natália Salvo). Nesse espaço encontrei apoio e acolhimento que tanto precisava no puerpério. Ouvia outras mães, ajudava outras,  a troca era incrível e a Natalia mediava o grupo lindamente. Ouso dizer que ela é minha musa inpiradora.

Meu desejo de doular, ajudar outras mulheres, estar ao lado delas nesse momento tão importante (gestação, parto e puerpério) brotou de maneira avassaladora dentro de mim.

Estudava tudo que estava ao meu alcance, mas só em 2018 consegui realizar o sonho de me tornar doula.

O curso foi fantástico, transformador. Conheci mulheres incríveis com histórias incríveis. Senti o poder do feminino. Ali começava uma nova história na minha vida, realmente outro divisor de águas.

Turma do Curso de Doula GAMA, Santos-SP. 2018

Hoje consigo me ver melhor como mulher, percebo e aprendo todos os dias com o feminino em mim. Me sinto mais livre e feliz. Tenho total conhecimento de onde estou e onde quero chegar.

Muitos projetos vieram junto com a doulagem. O mais importante é o “Bem Vindo Meu Novo Ser”, no qual sete mulheres estão juntas lutando pelo bem maior de todas as outras. Criamos esse grupo como apoio à gestação, parto e puerpério, com o intuito de propagar informações de qualidade a mulheres de toda a Praia Grande, para que elas se sintam empoderadas e sejam protagonistas de seus partos e suas vidas. Juntas estamos também lutando para um atendimento humanizado na maternidade municipal, inclusive realizando conversas junto a Câmara de Vereadores para que consigamos aprovar a Lei das Doulas em Praia Grande,  a exemplo do que já acontece em vários municípios, inclusive cidades vizinhas como Santos e Itanhaém.

Integrantes do Projeto “Bem Vindo Meu Novo Ser”. Praia Grande-SP

No dia 30 de setembro de 2018 vivenciei meu primeiro parto como doula. Um Parto Domiciliar Planejado lindo. Nele vi nascer a Deusa que existe dentro de nós, na mulher que paria. E, nesse dia, eu renasci!

Grupo de Apoio a gestantes e mães

Atualmente trabalho como doula realizando atendimentos e orientações pré-parto, acompanhamento de parto e puerpério. Dentro do Projeto Novo Ser, venho desenvolvendo encontros mensais com gestantes da minha cidade com os mais variados temas que envolvem essa fase da vida, bem como administro um grupo virtual de apoio a maternidade; sempre com o objetivo de empoderar as mulheres em relação as suas escolhas, a suas vidas e seus partos.

 

Minha mãe faleceu no dia 01 de julho de 2017. No último parto que acompanhei meu pai me manda uma mensagem dizendo: “Parabéns! Dona Juju estaria orgulhosa de você!”. Eu sei que está! E eu também estou! Muito orgulhosa do meu percurso até aqui e esperançosa pelo que há de vir!

Foto do jardim de minha mãe. Com essas rosas ela explicava para minha filha sobre a morte e a vida, que é linda como a rosa!

 

Referências Bibliográficas

A difícil escolha entre ter uma carreira profissional e ser mãe https://www.minhavida.com.br/familia/materias/2034-a-dificil-escolha-entre-ter-uma-carreira-profissional-e-ser-mae

Parto humanizado, empoderamento feminino e combate à violência: uma análise do documentário O renascimento do parto http://ojs.labcom-ifp.ubi.pt/index.php/doc/article/view/369/202

Cancer de Ovário https://www.inca.gov.br/tipos-de-cancer/cancer-de-ovario

Eventos tromboembólicos na gestação e puerpério: revisão sistemática e recomendação atual http://files.bvs.br/upload/S/0100-7254/2013/v41n1/a3700.pdf

Violência obstétrica: ofensa a dignidade humana http://www.mastereditora.com.br/periodico/20160604_094136.pdf

 Apoio Social e experiência da Maternidade http://www.journals.usp.br/jhgd/article/view/19783/21851
O Cuidado Humano Diante da Transição ao Papel Materno: Vivências no Puerpério https://www.revistas.ufg.br/fen/article/view/784/881
Doulas: Movimento Social e Luta por Políticas Públicas sobre Direitos Sexuais e Reprodutivos http://www.revistagenero.uff.br/index.php/revistagenero/article/view/1145/499

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14 respostas para “Como renasci doula”

  1. Parabéns Camila vc e demais !!!!!! Vc é uma pessoa iluminada é especial. Queria participar do grupo .

    1. Obrigada Simone! Vc com certeza é uma inspiração pra mim! Vamos conversar sobre o grupo, Acho que vc faz a diferença!

  2. Parabéns Maninha, não dava pra imaginar que aquela menininha cresceria tão lindamente e plena. Você agora é a guerreira da família como a mamãe foi. Muita luz no seu caminho.

    1. Brigada Mano! Muito bom ouvir isso de vc que me viu crescer e me acompanha até hoje! Te amo!

  3. Sensacional !!!! Camila acredite sempre que tudo é possível e jamais desista por menores que sejam seus sonhos !!! Muita saúde e sucesso na sua jornada !!!

  4. Parabéns Camila! Sempre que olho para você vejo a sua mãe…ela foi um grande exemplo para mim! E o mais bonito da vida é saber que ela deixou essa linda semente que está brotando, Você como Doula, como mãe e como mulher! Gratidão por fazer parte do seu caminho! E sinceramente que texto maravilhoso, só podia ter saído dessa mente brilhante!

    1. Ai Andrea! Muito linda vc! Acompanhou grande parte da minha jornada quando ser mãe ainda nem fazia parte dos meus planos! Ah, como evoluímos…

  5. Nossa Mila, q projeto lindo e importante, todos nós estamos mto orgulhosos de vc. Tudo fica melhor qdo é feito com amor. Parabéns minha prima.

  6. Parabéns por sua garra e dedicação. Seu trabalho é louvável. É uma lástima que os obstetras se revoltem tanto com está ajuda preciosa para as parturientes. Ter o filho de forma natural faz bem para a mãe e para o bebê. Na Europa o parto normal é regra. Aqui no Brasil é excecão. Continue sua luta e mude este cenário!

    1. Obrigada Elza! continuo na luta para que minhas filhas tenham direito a terem o parto que elas escolherem, com amor e respeito!

  7. Parabéns Camila!!!!!!
    O importante é encontrar o caminho certo e vc encontrou!
    Lindo trabalho, tofo sucesso nesse renascimento! ❤️

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