Já faz algum tempo que queria conversar com você mas o puerpério anda difícil né? Percebi que andas fugindo do assunto nas vezes que nos falamos e tudo bem. Dá pra ver que ainda dói demais para você falar sobre o dia do seu parto. Você acabou de se tornar puérpera e quero te dizer que tá tudo bem se sentir assim. Tô aqui para dizer que tudo que eu queria era te dar um abraço e dizer que vai ficar tudo bem um dia. Que essa dor pela frustração desse parto que não veio, pelo sonho que ficou pelo caminho e a esperança de finalmente sentir as dores e os amores de ter sua filha chegando ao mundo, como você sempre quis, uma hora vai acalmar.
Nesse post você vai encontrar
Aquele bate papo com café
Lembro do dia que nos conhecemos. Do brilho no olhar, da força que você tinha para lutar por esse parto. Era sua segunda gestação e você queria fazer do seu jeito, da melhor forma para vocês duas e tentar aquele VBAC (vaginal birth after C-section). Como doula, me senti orgulhosa e tranquila. Estava na minha frente uma mulher que sabia o que queria. Você estava disposta a vencer céus e terra por esse parto. E seguimos juntas por esse caminho.
E ela sentou e ficou
Os meses foram passando e a mocinha na sua barriga bateu o pé e sentou. E isso te deixou triste e desanimada. Eu esperei, observei suas reações e ouvi suas dúvidas e medos. Enfrentar um parto pélvico não é mesmo para qualquer um e encontrar equipe que aceite acompanhar também não é lá tarefa muito fácil.
Os seus medos eram os meus também e eu entendia suas limitações em relação à eles. Vi o brilho do seus olhos murchando, vi o apoio que você tinha da família se esvaindo em cada tentativa de explicar que ainda dava tempo, para não perder as esperanças de que ela podia virar no último instante.
E nesse momento, temi também pelo seu puerpério.
A pressão
Até que a pressão tomou conta e você não teve como resistir. Você me ligou triste, chorando, avisando que a cesariana estava marcada. Faltavam apenas alguns dias.
Eu estava com o coração na mão por você. Sabia como você estava se sentindo, pois havia passado por isso na primeira gestação. O sentimento de derrota, de frustração, de nadar muito e morrer na praia.
Ah minha querida, eu só queria que tudo que você tinha sonhado virasse realidade. Rezei para ela virar, rezei para que o parto começasse do nada e fosse “à jato”, pedi por um milagre, mas o que estava escrito para esse momento era outra coisa. E assim foi…
Quando cheguei para te visitar, te abracei e ouvi tudo que você queria dizer. E sabia que tinha mais, muito mais ali, pronto para sair. Enquanto seu companheiro estava no banho, ouvi seu relato, senti sua dor e vi você se calar quando ele retornou. Assim como você, eu também fui uma puérpera que não encontrava apoio a minha volta. Não da forma que eu precisava. E me vi mais uma vez ali, partilhando da sua dor.
Lembro de ter tentado ser otimista, de ter tentado levantar seu espírito para a batalha do puerpério e da amamentação que viria logo a seguir.
Nesse momento, entrou a pediatra – muito apressada – e já jogou um balde de água fria na sua cabeça. A vontade que eu tive era de gritar com ela. Não podia. Não deveria. Ou deveria? A gente se envolve muito nessas horas em que se ouve orientações erradas. Esperei ela sair, conversei com você e notei os olhares que vinham do seu companheiro. E meu coração se entristeceu mais um pouco. Você é uma guerreira mas batalhas não se vencem sozinhas. Há de se precisar de uma aldeia para ajudar uma mãe a criar seus filhos. E muito acolhimento.
Não nos vimos mais depois desse dia. Eu ouvia suas queixas e mágoas como puérpera pelo telefone, tentava te consolar e ajudar mesmo que à distância. Queria te ver, te abraçar. A vida ainda não permitiu ou a dor ainda tá grande demais ainda para fazer isso, eu não sei dizer. Só queria te contar que você não fracassou, que sua filha é linda e você é um baita mulherão. Que não foi dessa vez que o parto dos sonhos veio, mas que isso não te faz menos mãe ou mulher. Você lutou com as armas que tinha no momento e fez o melhor combate que podia. E isso por si só já é coisa pra caramba.
Você me inspirou a ser uma doula melhor. E por isso eu te agradeço imensamente. Te admiro muito, moça. De verdade. E estarei aqui por você sempre que precisar.
Referências:
Variables Associated with Successful Vaginal Birth after One Cesarean Section: A Proposed Vaginal Birth after Cesarean Section Score https://www.thieme-connect.com/products/ejournals/abstract/10.1055/s-2004-835961
Conduta Obstétrica na Apresentação Pélvica http://www.scielo.br/pdf/%0D/rbgo/v22n8/12068.pdf
Imagem em destaque: https://www.flickr.com/photos/vanmachado76/8122158418/