Quando a cesárea é bem-vinda, indicações reais

Compartilhe:
Gestantes
Fotografia de Fran Hoffmann – @franhoffmann

O Brasil atualmente é considerado o país campeão em cirurgias cesarianas eletivas, ou seja, nascimentos que ocorrem fora do trabalho de parto. Como disse Fernanda Macedo, médica obstetra em entrevista ao filme O Renascimento do parto 1:

 “A cesariana é uma cirurgia maravilhosa que salva vidas todos os dias, mas ela não é para ser feita em todas as pacientes de uma maneira desnecessária fora do trabalho de parto”.

Recém-nascido
Fotografia de Fran Hoffmann – @franhoffmann

O trabalho de parto é o principal indicativo de que o bebê está pronto ou maduro para viver fora do útero, se a gestante é submetida a uma cesárea antes desse momento sem uma real indicação, o bebê corre muito mais riscos de nascer prematuro, ter complicações respiratórias, há um aumento nas chances de internação em UTI neonatal, aumento de morte neonatal, para a mãe existe mais chances de hemorragias e infecções, sem levar em conta problemas a longo prazo como amamentação e relação mãe-bebê dificultada.

Mas existem alguns casos em que a cesárea se faz necessária, neste texto iremos falar um pouco mais sobre esses casos e também alguns mitos de cesárea que são difundidos Brasilzão a fora.

 

Indicações absolutas

Placenta prévia parcial ou total (total ou centro-parcial): Quando a placenta está fixada na parte de baixo do útero, totalmente ou parcialmente em cima do colo do útero. Um dos principais fatores para a placenta estar prévia no final da gestação é em razão das cesáreas anteriores aquela gestação.

Placenta prévia
Ilustração da posição comum da placenta no útero X Placenta prévia

Descolamento prematuro da placenta com feto vivo – fora do período expulsivo: Descolamento prematuro da placenta pode ocorrer a partir de 20 semanas de gestação, é quando a placenta de desprende do útero fora do período expulsivo ou do trabalho de parto, é uma emergência e uma justificativa real de cesárea, uma vez que o bebê ficará sem receber oxigênio e nutrientes após o descolamento.

Bebê transverso – durante o trabalho de parto (antes pode ser tentada a versão): Com o bebê atravessado dentro do útero o parto espontâneo se faz impossível, durante a gestação no nono mês o(a) obstetra pode realizar a versão externa do bebê para a posição cefálica, se houver insucesso na virada do bebê a cesárea deve ser realizada após o início trabalho de parto.

Ruptura de vasa prévia: Quando os vasos do cordão umbilical ficam desprotegidos e rompem-se causando um forte sangramento antes ou durante o trabalho de parto.

Prolapso de cordão – com dilatação não completa: Quando o cordão umbilical “nasce” primeiro, podendo ser comprimido pela cabeça do bebê, interrompendo assim o fluxo de oxigênio e nutrientes.

Herpes genital com lesão ATIVA no momento em que se inicia o trabalho de parto: (Quando a mulher já tem histórico de herpes genital pode-se a partir de 36 semanas sob orientação médica ministrar medicamento para reduzir o risco de haver lesão no momento do parto).

 

Indicações reais (cada caso deve ser analisado individualmente)

Desproporção cefalopélvica (DCP): Quando a cabeça do bebê é desproporcional a pelve da mãe. Só pode ser diagnosticada intraparto no final da dilatação, baseado nos dados de evolução do trabalho de parto registrados no partograma.

Frequência cardíaca fetal não-tranquilizadora: Quando os batimentos cardíacos do bebê estão muito acima ou muito abaixo do esperado em trabalho de parto. A parturiente pode experimentar mudar de posição e a equipe médica deve analisar criteriosamente se a cesárea realmente se faz necessária.

Falha na progressão do trabalho de parto: Pode ser diagnosticada em trabalho de parto ativo quando a dilatação não progride como esperado depois de horas, baseado nos dados de evolução do trabalho de parto registrados no partograma. A verdadeira causa da falha de progressão geralmente é desconhecida, mas se dá por contrações uterinas não eficientes e desproporção cefalopélvica, se o parto não ocorrer normalmente com administração de ocitocina sintética ou rompimento artificial da bolsa, pode-se tentar corrigir a posição da cabeça do bebê com alguns exercícios com ajuda da Doula ou de um(uma) fisioterapeuta, se mesmo assim o trabalho de parto não progredir a cesárea se faz opção.

 

Situações especiais

Bebê pélvico: Quando o bebê está sentado dentro do útero. Se a gestante assim desejar, a partir de 36 semanas pode ser realizada a versão cefálica externa, caso a versão não seja bem-sucedida, equipe e gestante devem discutir os riscos e benefícios de um parto pélvico levando em consideração a experiência da equipe médica em atender essa variabilidade de parto e o desejo da gestante.

Duas ou mais cesáreas anteriores: A gestante deve ser informada na gestação sobre os riscos e benefícios de um parto natural após cesárea ou de uma nova cirurgia. Os riscos de ser ter um parto natural após cesárea geralmente são menores do que uma nova cirurgia.

HIV/Aids: A cesariana eletiva é indicada se a gestante tiver HIV + a contagem de CD4 baixa ou desconhecida e/ou carga viral acima de 1.000 cópias ou desconhecida); em franco trabalho de parto e se a bolsa romper, deve ser discutido caso a caso.

 

Mitos

Cesárea
Fotografia de Fran Hoffmann – @franhoffmann

Se existem apenas 5 indicações absolutas de cesárea e 6 indicações especiais que devem ser analisadas individualmente, por que mais da metade dos brasileirinhos está nascendo através de cirurgia cesariana? Algo não se encaixa nessa história…. Tirando a minoria de mulheres brasileiras que realmente desejam uma cesárea (e devem ter seu direito assegurado) quais são as razões que levam tantas mulheres a uma cesárea? A resposta é falta de informação, conveniência médica e ranços culturais de acharem a cesárea mais segura por ser mais controlada.

Mitos
Quando se trata de via de parto todo mundo quer opinar

Criam-se muitos mitos em relação ao parto normal, ao longo da gestação a mulher vai tendo a coragem minada no consultório, na família e aonde ela for, todo mundo sempre tem uma história trágica de parto para contar. As gestantes nem sempre são apoiadas em suas decisões e muitas vezes são criticadas pela escolha de parir. Já os planos de saúde pagam aos médicos um valor geralmente muito baixo pelo atendimento a um parto, a maioria prefere agendar cesáreas do que ter que desmarcar todas as consultas do dia para atender um parto normal que costuma levar horas e acabar não tendo muito lucro. Tristes combinações e interesses que se entrelaçam, colocam o Brasil no ranking vergonhoso e perigoso onde se encontra atualmente.

Indicações falsas:

No blog Estuda Melania! Há uma lista de indicações falsas de cesárea que já foram ouvidas por gestantes dentro dos consultórios (link nas referências no final do post), segue abaixo algumas delas:

  • Cordão umbilical enrolado no pescoço;
  • Bacia estreita;
  • Grau de placenta avançado;
  • Gestante muito pequena ou muito grande;
  • Bebê grande demais ou pequeno demais;
  • Gestante que engordou muito ou que engordou pouco;
  • Gestante muito nova ou muito velha para parir (aqui entende-se por mulher velha acima de 30 anos)
  • Muito líquido ou pouco líquido;
  • Falta de dilatação (sendo que a mulher nem está em trabalho de parto ainda);
  • Gravidez prolongada;
  • Pressão alta ou baixa;
  • Diabetes;
  • Bebê não estar encaixado (fora do trabalho de parto);
  • Feriados ou trânsito para chegar a maternidade.

Mitos

As desculpas são dos mais variados tipos, algumas inacreditáveis você deve estar pensando, mas infelizmente muitas já usadas em algum momento pelos cesaristas de plantão. Se você está gestando e está sentindo dúvidas em relação a assistência prestada a você no pré-natal, pesquise sobre o assunto, tire suas dúvidas, converse com outras mulheres que já tiveram seus filhos sob assistência desse mesmo médico, converse com Doulas, participe de rodas de gestante, conheça mais sobre o processo fisiológico de gestar e parir, solicite ao plano de saúde as taxas de cesáreas do seu médico obstetra, e não tenha medo de trocar de obstetra aos 45 do segundo tempo. Humanização é emponderamento, é fazer escolhas conscientes, assim como as pessoas pesquisam e se planejam antes de fazer uma viagem ou comprar uma casa por exemplo, porque não fazer o mesmo na chegada do bem mais precioso da sua vida?

Pé de bebê
Fotografia de Fran Hoffmann – @franhoffmann

Um conselho que posso lhe dar é: não faça suas escolhas baseadas no medo, ele jamais será um bom conselheiro. Lembre-se que você será o maior exemplo de pessoa e de vida para seu filho(a). Não entregue seu parto nas mãos de outras pessoas, questione e decida, algumas portas só se abrirão por dentro.

Mãe e bebê
Fotografia de Juliana Ribeiro – @julianaribeirofotografia

 

Referências:

Estuda, Melania, estuda!

http://estudamelania.blogspot.com/2012/08/indicacoes-reais-e-ficticias-de.html

Cesárea baseada em evidências parte I: https://www.dropbox.com/s/p9xv0m8kbg7tsvn/cesariana_baseada_evidencias_parte_I.pdf

Cesárea baseada em evidências parte II:

https://www.dropbox.com/s/3arvh5klobo63jz/cesariana_baseada_em_evidencias_parte_II.pdf

Cesárea sem respaldo científico:

https://www.dropbox.com/s/fs36di1bc29f18j/condicoes%20associadas%20a%20cesariana%20sem%20respaldo%20cientifico.pdf

Filme O Renascimento do parto I

Trechos: https://www.youtube.com/watch?v=9-dHeTrWuQ0

Diretrizes de atenção a gestante: a operação cesariana:

https://www.dropbox.com/s/fs36di1bc29f18j/condicoes%20associadas%20a%20cesariana%20sem%20respaldo%20cientifico.pdf

Compartilhe:

4 respostas para “Quando a cesárea é bem-vinda, indicações reais”

  1. oie!
    já me falaram que mecônio é indicativo de cesariana e outras já me disseram que não.

    Nessa situação, cada caso é um caso ou tem um parecer geral?

    1. Olá Victoria, tudo bem?

      Mecônio não é uma indicação absoluta de cesárea. Se a bolsa romper e você notar o líquido amarelado ou esverdeado é necessário ir até a maternidade para ser avaliada.
      Se na avaliação o mecônio estiver fluído e o BCF (batimentos cardíacos fetais) e o cardiotoco (aquele exame feito em 20 minutos, onde colocam uma faixa em volta da barriga e avaliam se há contrações e como o bebê se comporta antes, durante e após as contrações) estiverem dentro dos parâmetros, seguir aguardando o parto natural é o mais indicado de acordo com estudos.
      Agora se na avaliação os batimentos do bebê estiverem alterados, daí sim, a cesárea se torna uma possibilidade.
      Então sim, cada caso deve ser avaliado individualmente, uma equipe atualizada dentro das evidências científicas saberá conduzir corretamente esses casos.

Deixe um comentário para Doula Julia Agnes (Grande Florianópolis e Itajaí - SC) Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.