A ideia de que gestação de alto risco, ou gravidez de risco, precisa terminar em cesárea é muito difundida: “Se tudo estiver bem, eu faço o seu parto normal,” é uma frase comum que as gestantes escutam. O que implica que se não estiver tudo “muito bem”, o parto normal deixa de ser viável. Será?
Além disso, muita gente acha que parto humanizado é sinônimo de parto em casa ou na banheira, à luz de velas, com playlist tocando Reconhecimento da Isadora Canto enquanto a equipe (parteira, enfermeira, doula) fica só observando e segurando a mão da parturiente. Isso pode ser (ou não) um parto humanizado.
Mas uma coisa é certa: quando essa é a única ideia de humanização, fica parecendo uma opção restrita a poucas. Além de ser uma visão um tanto superficial e elitista, essa imagem “romantizada” da humanização pode alienar mulheres que, por motivos de saúde ou por opção, não podem ter um parto domiciliar, por exemplo, como no caso das gestantes de alto risco. Mas se parto humanizado não é em casa/ na banheira/ sem medicamentos, é o que?
Nesse post você vai encontrar
Parto humanizado: uma breve definição
Não quero chover no molhado, mas para responder a pergunta que está no título do post, é importante esclarecer o que é um parto humanizado. Gosto da definição do obstetra Ricardo Herbert-Jones, que fala em três pilares da humanização:
- O protagonismo da mulher – em outras palavras, a mulher deve compreender, escolher e concordar com os procedimentos sugeridos pela equipe técnica.
- Equipe multidisciplinar – visto que o parto não é um evento puramente médico, e sim fisiológico, emocional e cultural, há que se reconhecer o valor de profissionais com várias competências.
- Medicina baseada em evidências – ou seja, a conduta proposta pela equipe deve se alinhar às melhores evidências disponíveis no momento, e não em convenções (Pensa naquele médico que fala: “aprendi assim, faço assim há 20 anos, então é o certo e não se fala mais nisso”).
Volta três casinhas, amigo, porque além de não ter dados científicos pra embasar sua prática, você acabou de desrespeitar os outros dois pilares, tratando a mulher como idiota e se colocando como um deus detentor do saber.
Então, só para voltar para o parto na banheira lá em cima, se aquela equipe não estava respeitando as evidências (por exemplo, monitorando o bebê nos intervalos corretos), então não é humanizado! Mas, voltando aqui pro tema que nos interessa, vamos à próxima definição…
O que é uma gestação de risco?
Por incrível que pareça, não é simples definir a gestação de alto risco. Não se trata de um diagnóstico e sim de um conjunto de condições que aumentam o risco de um desfecho adverso para a mãe ou para o bebê. A questão pode ser anterior à gravidez ou pode surgir ao longo dela. Segue uma lista de algumas condições que o Ministério da Saúde classifica no guarda-chuva “gestação de risco”:
- Diabetes gestacional (bem como diabetes prévia)
- Síndromes hipertensivas
- Trombofilia
- Cesárea prévia
- Gestação múltipla (gêmeos, trigêmeos etc.)
- Cardiopatias (na mãe & no bebê)
É importantíssimo frisar duas coisas aqui:
- Para cada condição, o risco é diferente. Exemplos: quem tem uma cesárea prévia (ou mais de uma) tem risco aumentado de placenta prévia ou ruptura uterina em comparação a quem não teve (e mesmo assim o risco é baixíssimo). Já quem tem hipertensão tem risco maior de descolamento de placenta e de morrer no parto (trata-se da maior causa de morte materna no Brasil). Portanto, caso você receba um diagnóstico de uma condição dessas, pergunte para o médico e pesquise sobre as particularidades da sua condição.
- O pré-natal é essencial no diagnóstico e acompanhamento responsável da gestação. A hipertensão e o diabetes, por exemplo, que acometem 10% e 7,6% das gestantes brasileiras (respectivamente), podem surgir em qualquer momento da gestação. Por isso, é fundamental fazer os exames de sangue e de urina necessários, aferir a pressão em todas as consultas do pré-natal e ter tempo de qualidade para conversar com o profissional de saúde sobre quaisquer sintomas que estejam te incomodando. Um bom pré-natal salva vidas.
Como lidar com um diagnóstico “alto risco”?
Primeiro, respira. Descobrir que você não é (mais) uma gestante “baixo risco” ou “de risco habitual” pode ser um choque, especialmente se nunca teve questões de saúde antes. Converse com a profissional que está lhe acompanhando para entender o que isso significa em termos de acompanhamento, exames, mudanças de dieta ou estilo de vida, medicamentos. Se for uma enfermeira obstétrica ou médica de família, você será encaminhada para uma obstetra, que é por definição especialista em alto risco (ou seja, “obstetra especialista em alto risco” é uma redundância).
Caso já esteja fazendo o pré-natal com um/a obstetra, assegure-se de que ele ou ela transmite a competência e confiança que você precisa. Seja honesta e mude de médico se necessário. [Dica: sempre sempre sempre fique com o seu Cartão da Gestante. Muitos obstetras particulares e de plano de saúde não costumam preencher esse cartão; eles simplesmente ficam com seus dados para si, o que dificulta sua vida caso mude de médico ou faça uma viagem ou tenha qualquer emergência. Esses dados são seus: não os terceirize!]
A questão emocional não pode ser menosprezada. É muito fácil se sentir refém da medicina e da tecnologia depois que esse rótulo “alto risco” foi colocado em você e na sua gestação. Ou, pior: se culpar pelo quadro! Por isso, é talvez ainda mais importante ter uma pessoa para lhe dar suporte emocional, transmitir segurança e positividade nessa hora. Alguém capaz de exercer uma escuta empática e lhe ajudar a navegar essa nova realidade junto com a equipe médica que cuidará dos aspectos físicos. [Dica: uma doula cumpre maravilhosamente esse papel!]
E se você estava sonhando com aquele parto natural lindo como nos vídeos do youtube, saiba que é normal bater uma tristeza e/ou um medo. Mas não se desespere, porque…
Alto risco não é sinônimo de cesárea!
Quer dizer que posso ter um parto humanizado mesmo quando a minha gestação é de risco?
Muitas vezes, se os exames estiverem bons e a condição tratada, o parto espontâneo é uma possibilidade. Mas talvez você precise passar por uma indução de parto, dependendo do caso e de seus exames. Uma indução bem feita, com apoio de uma equipe multidisciplinar, ainda traz todos os benefícios do parto vaginal para você e para o bebê, e muito menos riscos do que a cirurgia.
O importante é saber que um diagnóstico que coloca você na categoria “alto risco” não é sentença para a cesárea. E mesmo se você, no fim das contas, acabar precisando de uma cesariana, a presença de uma equipe multidisciplinar alinhada com os princípios da humanização, focada nos aspectos físicos e emocionais, fará desse momento uma experiência muito melhor para você e para o seu bebê.
P.S. Enquanto eu terminava de escrever este texto, a irmã de uma amiga estava passando por uma indução em outro continente. Ela é cardiopata, fez um transplante há dez anos, achando que nunca poderia engravidar. Hoje, 11/2/2019, ela PARIU uma linda e saudável bebezinha.
Referências
Gestação de alto risco: manual técnico do Ministério da Saúde
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_tecnico_gestacao_alto_risco.pdf
Diabetes mellitus gestacional: enfoque nos novos critérios diagnósticos
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/artigos/diabetes_mellitus_gestacional.pdf
Estudando hipertensão na gravidez, Melania Amorim, PhD.
http://estudamelania.blogspot.com/2012/10/estudando-hipertensao-na-gravidez-parte.html?q=hipertens%C3%A3o
Entre as orelhas, Ricardo Jones (Editora Ideia a Granel)