Olá. Eu sou a Ana Clara, tenho 27 anos. Sou mãe da Lisbela de um ano e nove meses. Sou também jornalista, doula, e instrutora de yoga para gestantes. Apaixonada pela escrita, feminista, e vivo batendo na tecla de que maternar é um ato político! Deixo abaixo um pouquinho de quem sou e do caminho que percorri para chegar até aqui.
Nesse post você vai encontrar
Quando ainda era apenas jornalista
Minha trajetória se inicia lá na adolescência, que após passar por uma infinitude de “o que eu quero ser quando crescer”, ouvi a palavra Jornalismo e ali me firmei. Não somente pela palavra, mas por entender que a minha paixão por escrita poderia estar vinculada a algo que eu pudesse seguir profissionalmente.
Sou natural de Franca interior de São Paulo. Em 2012 ingressei na Universidade Federal de Ouro Preto,e iniciando o meu caminho enquanto Jornalista, fui morar em Mariana – MG. Viver a faculdade, morar com outras pessoas, ter contato com a diversidade fez de mim alguém muito mais compreensível e empática. Foi ali que comecei a vivenciar e fazer parte das rodas e palestras sobre questões de gênero. Me identifiquei como feminista, mergulhei a fundo nas discussões sobre luta de classes. Conheci mulheres incríveis, e dentro das amizades existiam duas doulas, que eu mal sabia o que era mas ouvi-as comentar sobre partos e ocitocinas. Me passava despercebido.
Em 2016, enquanto me formava como jornalista, engravidei de meu companheiro que estava comigo há dois anos nessa história universitária. Foi avassalador.
Era momento das ocupações estudantis, inspiradas pelas lutas secundaristas em São Paulo, a universidade era o canal de voz dos estudantes. Estávamos extasiados por tantos acontecimentos. Saímos para contar a novidade, todos sabiam. Foi em uma conversa coletiva com a ocupação que anunciamos a gravidez. Me lembro de passar em um corredor do amor, com pelo menos umas vinte pessoas, a última do corredor, de quem recebi um grande abraço de doula, era a querida amiga Laura.
Chorávamos de alegria. E nesse mesmo dia, durante a noite, tive um sangramento. Era um aborto, confirmado no final da semana. Ouvi um tanto de “mas você é nova, pode ter outro logo”, “foi rápido, nem deu tempo de sentir”, “logo você engravida de novo”, de profissionais da saúde. Não sabia ao certo o que eram todas essas palavras, mas as absorvia querendo que me confortasse de fato. Não aconteceu.
Entendi um tempo depois que passei por uma assistência desumanizada no abortamento. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) cabe ao profissional adotar uma “atitude terapêutica” sem pré-julgamentos ou imposição de valores, buscando desenvolver escuta ativa e relação de empatia.
Poucos meses depois me formei. E em janeiro de 2017 eu e meu companheiro saímos para mochilar pelo Brasil. Hoje vejo essa passagem em minha vida como o processo de lidar com a dor da perda. Nada foi planejado, ele largou o emprego, eu deixei o jornalismo para depois. Visitamos o nordeste e norte do Brasil, ainda não queríamos voltar e passamos pela Venezuela, Colômbia, Equador, Peru.
Foi uma experiência grandiosa de autoconhecimento e percepção de outras culturas, jeitos e trejeitos. E quando nos percebemos cansados e já com saudades de casa, voltamos.
De repente Doula
Quando retornei a Franca, para visitar a família, descobri uma nova gravidez. Um ano exato após a última gestação. Eu só conseguia sentir medo.
Dessa vez contamos a pouquíssimas pessoas. Somente os familiares próximos, e a Laura, doula e educadora perinatal que oferece curso de formação de Doulas em Mariana – MG. Foi então que ela me presenteou com uma vaga no curso.
Eu nunca tive interesse em saber ou mesmo tornar-me doula. Realizei o curso para entender um pouco sobre todo aquele turbilhão de sentimentos que me passavam naquele momento. Eu iniciei a gestação com um leve sangramento, e o tempo todo me vinha como se eu estivesse vivendo o processo de aborto novamente.
O curso de doulas começou em uma quinta feira de setembro. Éramos em dez mulheres. Eu estava grávida junto com Laura, ela com a gestação mais avançada. Ali vivi uma imersão em cinco dias, sobre tudo o que o gestar e o parir carregam. Sobre o poder das mulheres e seus corpos. Eu, sendo a quarta filha em uma família de seis mulheres, me vi de encontro com a essência do feminino, com a união de nossa força e cura. Foi no sábado, na aula sobre luto, que consegui assumir a perda, encarar o vazio, e reconstruir o meu luto. Entendi que o luto era processo de minha trajetória. Que tudo o que havia passado após aquela perda eram a minha busca e modos que encontrei de lidar com as dores.
” Um filho é um sonho, um projeto de futuro, uma nova identidade. Não importa quando esta morte aconteça; todos os lutos maternos são fonte de sofrimento. Há muitas mulheres à nossa volta que estão vivendo lutos silenciosos e solitários, porque não encontram gente que consiga legitimar sua perda. Quando este bebê morre ainda na barriga, o mundo minimiza a dor da mãe, “porque ele ainda não nasceu”. Sim, ele nasceu. Um filho nasce muito antes do parto. Ele nasce no momento em que uma mulher consegue se imaginar uma mãe. Todo filho nasce antes de nascer. Toda mãe chora a perda de qualquer filho, em qualquer fase da história.” (Alexandre Coimbra Amaral, 2018.)
E foi entendendo o meu luto que me vi mais preparada para a vida, a minha e àquela que gestava. Nasci doula.
A mulher que sou e a doula que existe em mim
Passei por uma gravidez tranquila fisicamente e muito agitada emocionalmente. Decidimos nos mudar para minha cidade natal logo no início da gestação por me sentir mais segura perto da família. Mas, ao mesmo tempo, todo o planejamento que tinha para o meu parto estava indo água abaixo com a mudança.
A ideia era ter um parto em Belo Horizonte, pelo SUS, e já tinha uma doula para chamar de minha. Aqui, em Franca, tudo relacionado ao parto ainda estava obscuro. Os meses passavam e eu continuava firme na busca por uma equipe humanizada. Encontrei uma doula que me identifiquei. Um obstetra que me respeitava. Mas era um hospital conveniado, e eu sabia sobre as minhas poucas possibilidades naquele ambiente. Mantive a esperança do obstetra estar na cidade no dia do parto, tinha informação e conhecimento.
Na noite de 28 de abril minhas contrações vieram, eu mergulhava em cada uma delas, sorria. Foi assim por 10h, em casa, com meu companheiro e doula. Quando chegou o momento de ir ao hospital eu me contive, me veio medo, dúvida, de repente eu já não estava mais no controle da situação. Toque, dilatação total. Me colocaram em uma cadeira de rodas, quarto cirúrgico, frio, camisola, televisão ligada, conversas demais, puxo dirigido, obstetra impaciente insistindo na cirurgia. E tudo isso por 12h.
Até que entendi que meu corpo não queria mais trabalhar naquele local. Cedi a cesárea. Depois compreendi o quanto o ambiente hospitalar interferiu no meu processo. Fui ao hospital porque senão ela nasceria em casa. E lá, todas as intervenções, mesmo que sutis, tiraram toda a minha crença de que eu conseguiria sozinha, queriam dizer que eu precisava deles para que minha filha viesse ao mundo.
Assim como os partos hospitalares norte-americanos, estudados pela antropóloga Robbie Davis Floyd (1992), “as crenças mais profundas de nossa sociedade estão centradas na ciência, na tecnologia, no patriarcado, e nas instituições que as controlam e as disseminam, e que não haveria melhor maneira de transmitir os seus valores e crenças nucleares do que através dos procedimentos hospitalares dos referidos partos.”
Levei a vivência do parto para o meu puerpério. O início do meu pós parto foi carregado de fatores externos muito pesados, desde o tratamento no hospital até as relações familiares.
Foi dentro de toda essa experiência e nesse longo caminho puerperal que fui construindo a minha nova identidade. Agora como mãe, doula, e instrutora de yoga para gestantes. Alexandre Coimbra Amaral, psicólogo e terapeuta perinatal diz que o puerpério é uma fase de transição em nossa vida, de transformação da identidade feminina, é a primeira tecelagem da cultura familiar, redesenhando a identidade.
E dentro dessa reconstrução, após oito meses do (re)nascimento meu e de minha filha acompanhei o primeiro parto como doula. Foi onde comecei a pincelar o meu caminho nessa luta por partos mais respeitosos, para que a voz das mulheres fossem ouvidas, para que houvesse liberdade e autonomia, e principalmente, informações de qualidade. Para que todas as mulheres saibam sobre seus corpos e sobre quaisquer intervenções que possam vir a ser feitas.
Em fevereiro de 2019, junto com Laura, trouxe o curso de formação de Doulas que havia feito em Minas Gerais para Franca. Tomei a frente da organização e o privilégio de conduzir um dia de curso. Em abril de 2019 me formei como instrutora de yoga para gestantes pelo Nascer Feliz, em São Paulo. Esse interesse veio por ter a yoga há oito anos como prática rotineira e de construção do meu autoconhecimento, e também por ter feito parte de toda a minha gravidez.
Conduzo as práticas trazendo o parto ativo, termo definido e liderado por Janet Balaskas (1993), sustentando o ideal de que a mulher possa se movimentar, conhecer e escolher as posições durante o trabalho de parto e parto. Tendo consciência sobre seus corpos, como capazes de gestar e parir, e colocando-os para trabalhar no ritmo e tempo do nascimento.
Sigo na ânsia de que cada vez mais mulheres percebam e se conectem com seus corpos.
Hoje, além de servir outras mulheres em seus partos e períodos perinatais, além de instruir o yoga na gestação, ainda uso do jornalismo nas palavras escritas oferecendo informações e relatando minhas vivências sobre esse universo do gestar, parir e maternar. Realizo esse trabalho em minhas redes sociais. Sigo atendendo na cidade de Franca – SP, e sou muito grata a cada mulher que tive aqui como cliente. Vocês seguem me ajudando a tecer toda essa história.
Lisbela, minha filha que agora tem um ano e nove meses, desde pequenina deixou que seus olhos fossem as janelas para a minha descoberta. Foi nesse maternar que vi a minha potência, foi nele que entendi a verdadeira relação das mulheres com a natureza, foi aqui que encontrei força para continuar lutando na contracorrente de todo um sistema institucionalizado e medicalizado. E eu só tenho a agradecer por ela e para ela. Ainda vivo o meu puerpério, agora de forma mais leve. Voando em cada tempo dessa composição.
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Referências
Conseguimos ver o luto das mães humanas?
Atenção humanizada ao abortamento
DAVIS-FLOYD, Robbie. Birth as an American Rite of Passage. Berkeley, University of California Press, 1992
BALASKAS, J. Parto Ativo – Guia prático para o parto natural. GROUND, 1993
Gostaria muito de fazer um curso de Doula mas na minha cidade não tem . Acho lindo e necessário quando eu tive meu último filho que hj tá com 5anos não tive ninguém da família pra me acompanhar todos tinham medo então uma vizinha e minha agente se saúde quem foi comigo.
Olá Juliana,
que lindo! Só de você sentir essa vontade já é um caminho. Procure nas cidades próximas, busque pelos cursos de formação e entre em contato. Avalie sobre a possibilidade de levar um curso para sua cidade ou nas proximidades. Mas não desista!
Fico feliz por você ter encontrado o seu apoio no momento do nascimento de seu filho.
abraços!