Dentre as principais queixas das mulheres grávidas durante o primeiro trimestre, estão enjoos e indisposição. Enjoos se manifestam com mais frequência nesse período, mas também podem ocorrer durante toda a gravidez. O enjoo matinal é o tipo mais comum, mas uma parcela considerável das mulheres pode sentir náuseas o dia todo e chegar até a vomitar. Um estudo demonstrou que no primeiro trimestre 75-89% das mulheres apresentam náuseas, enquanto que 55% apresentam vômitos. Algumas mulheres também relatam aversão ou desejos por determinados alimentos. Durante a gestação ocorrem mudanças expressivas no olfato e paladar que podem fazer com que a mulher sinta repulsa mesmo por alimentos que antes da gravidez eram considerados saborosos.
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A culpa é dos hormônios
Os enjoos costumam começar aproximadamente duas semanas após a concepção, quando o embrião se implanta na cavidade uterina, ao mesmo tempo que o beta-HCG (hormônio detectado apenas durante a gravidez) começa a ser produzido pelo tecido que dará origem à placenta. Nesse mesmo tempo, os níveis de estrógeno e progesterona passam a subir. Acredita-se que esses hormônios tenham papel fundamental na geração de náuseas e vômitos.
Existe uma correlação direta entre enjoos e níveis hormonais. Níveis mais altos de estrógeno e progesterona estão associados ao desenvolvimento de náusea e vômitos. Mulheres grávidas de gêmeos ou trigêmeos por exemplo estão mais propensas a sofrer com enjoos na gravidez. A hipótese é de que o maior volume placentário em gestações múltiplas seja responsável por produzir mais beta-HCG e elevação dos níveis de estrógeno e progesterona, aumentando os sintomas.
Enjoos podem ser um mecanismo de proteção ao embrião
São propostas algumas teorias para explicar os enjoos na gravidez. Na teoria endócrina, é suposto que os altos níveis hormonais promovem os enjoos por efeito direto, ou por efeito indireto sobre alguma via neural indeterminada que possivelmente envolve o sistema gastrointestinal. Uma evidência que fortalece essa teoria endócrina é que os enjoos geralmente se iniciam até as 9 semanas, acompanhando os níveis de beta-HCG que sobem ao longo do primeiro trimestre, com um pico nas 10-12 semanas. Já no fim do primeiro trimestre (13-14 semanas), o beta-HCG começa a cair abruptamente, o que na maioria das mulheres coincide com a melhora ou o fim dos enjoos.
O beta-HCG parece baixar o limiar de reação da zona de gatilho quimiorreceptora, uma região do cérebro responsável pelo reflexo de náusea e vômito. O estrógeno também parece sensibilizar essa área às toxinas circulantes no organismo, assim como a progesterona tem propriedades vasodilatadoras que também aumentam a sensibilidade dessa região. Outro ponto interessante é que altos níveis de estrógeno e progesterona também parecem aumentar a sensibilidade dos sistemas olfatório e gustativo. Por exemplo, o estrógeno pode estimular a produção de novos neurônios no nosso bulbo olfatório, região no cérebro responsável pelo processamento de informações olfativas. A progesterona causa aumento da vascularização dessa região, assim como também aumenta a sensibilidade das nossas papilas gustativas da língua a gostos amargos. Ou seja, em conjuntos todos os hormônios envolvidos na gravidez parecem sensibilizar o nosso organismo aos enjoos.
Além disso, a progesterona causa uma menor motilidade gastrointestinal, aumentando o tempo de esvaziamento gástrico. Dessa maneira, toxinas eventualmente ingeridas através da alimentação podem ser rapidamente apresentadas à zona de gatilho quimiorreceptora, podendo promover o vômito e então o esvaziamento gástrico, evitando assim que sejam absorvidas pelo organismo e cheguem até o embrião. De maneira interessante, os hormônios da gravidez também modulam outros sistemas como um mecanismo de proteção ao embrião, como por exemplo o sistema excretor. Durante a gravidez, ocorre aumento do fluxo sanguíneo nos rins, aumentando a taxa de filtração, que por sua vez aumenta a frequência urinária. Além do aumento do útero que acaba pressionando a bexiga, é por culpa dos hormônios que grávidas fazem tanto xixi, mesmo no início da gravidez, e é esse aumento na quantidade de urina que auxilia a eliminação de possíveis toxinas. Por ação hormonal também pode ocorrer maior indução de enzimas hepáticas que são responsáveis pela degradação de toxinas e consequente eliminação pelo organismo.
Existe também a teoria orgânica, na qual a gravidez é associada a mudanças particulares no sistema imunológico, incluindo hiperativação de alguns componentes em detrimento da inativação de outros. Supõe-se que essa hiperativação possa tornar a mulher mais susceptível aos efeitos eméticos (que provocam enjoo e vômito) do beta-HCG, acompanhada de mudanças em outros sistemas. Por exemplo, mudanças no sistema vestibular (conjunto de órgãos do ouvido interno responsáveis pelo equilíbrio) podem tornar a mulher mais susceptível a enjoos causado por movimento, da mesma forma que disfunções gastrointestinais também colaboram para náuseas e vômitos. A responsável pela alteração gastrointestinal parece ser a progesterona e sua ação relaxante sobre a musculatura lisa. Drogas comumente utilizadas para tratar náuseas e vômitos atuam por meio do aumento da motilidade gástrica, que por sua vez acelera o trânsito gastrointestinal, aliviando o desconforto.
No entanto, nem todas as mulheres respondem ao tratamento com antieméticos, o que abre espaço para a teoria biológica. Partindo-se do princípio evolutivo, se os enjoos são tão comuns, devem servir para algum propósito. Sugere-se então que os enjoos na gravidez possam atuar como um mecanismo de proteção ao embrião, contra a absorção de toxinas por parte da mãe. Para entender a origem desta teoria, devemos pensar na época em que os humanos eram basicamente caçadores-coletores e, devido a alta escassez de comida, tinham que buscar fontes variadas de alimentos, especialmente em plantas e carnes. No entanto, plantas podem conter toxinas e carnes correm o risco de contaminação por microorganismos, fatores que são prejudiciais em especial a mulheres grávidas, pois podem causar aborto ou má-formação no embrião.
Curiosamente, muitas mulheres relatam aversão principalmente a carnes e sabores amargos no primeiro trimestre. Plantas que produzem fitotoxinas geralmente tem gosto amargo, para evitar que sejam consumidas por seus predadores. Acredita-se então que do ponto de vista biológico, já que a gravidez é um período no qual o sistema imunológico se encontra mais suprimido e a mulher fica mais susceptível a agentes nocivos, a aversão a determinados alimentos e os enjoos e vômitos acabam atuando como um mecanismo de proteção ao embrião contra a ingestão de alimentos potencialmente perigosos. De fato, o pico dos enjoos ocorre no primeiro trimestre, período crítico de formação dos órgãos em que o embrião está mais susceptível a abortos ou mecanismos teratogênicos.
Cabe aqui ressaltar que mulheres grávidas devem ingerir apenas carne bem cozida e vegetais bem lavados, diminuindo assim o risco de contaminação.
Enjoos e vômitos podem prejudicar a formação do bebê?
Enjoos devem considerados pois podem impedir que se obtenha níveis nutricionais adequados através da alimentação. O tratamento precoce de casos mais severos é recomendável, para que não evolua para um quadro intenso de náuseas e vômitos, conhecido por hiperemese gravídica. Esta condição pode acometer de 0,3 a 3% das gestações e é a segunda maior causa de hospitalização durante a gravidez, atrás apenas de trabalho de parto precoce. Vômitos persistentes podem causar perda de peso, cetose (quadro de acidez no sangue e na urina), alterações em exames laboratoriais e até desidratação, o que requer maior atenção por parte da equipe médica. Os efeitos de vômitos sobre o feto parecem ser mínimos quando o quadro é leve a moderado. Já mulheres com hiperemese gravídica, quando não tratadas adequadamente, podem apresentar uma maior incidência de bebês abaixo do peso ou pequenos para a idade gestacional.
Algumas especulações
Sentir enjoos é um sinal de que está tudo bem com a gestação? Alguns estudos já demonstraram que a taxa de aborto espontâneo foi significativamente menor em mulheres que apresentavam enjoos, porém não existe nenhuma relação direta entre enjoos e sucesso na gestação. Isto não significa que mulheres que não sentem enjoos correm mais risco de a gestação não evoluir, especialmente porque nem todas as mulheres relatam estes sintomas. Não se sabe ao certo porque algumas mulheres sofrem com enjoos e outras não, inclusive uma mesma mulher pode enjoar em uma gestação e em outra não, mas especula-se que tenha relação com os níveis hormonais e com a fisiologia individual de cada mulher mesmo antes da concepção, já que algumas mulheres já são mais sensíveis a náuseas e vômitos mesmo sem estarem grávidas.
Muito se especula também sobre a relação de enjoos com o sexo do bebê. Também não existe nenhuma comprovação direta, apenas estudos isolados que demonstraram um maior número de internações por hiperemese gravídica em mulheres que gestavam uma menina. Por exemplo, em um hospital na Suécia constatou-se que 55,7% destas mulheres tiveram uma menina, e em outro estudo foi demonstrado que mulheres com essa condição apresentaram uma taxa 50% maior no nascimento de meninas. Mesmo não sendo algo comprovado cientificamente, essa relação é associada a maiores níveis de estrógeno em mulheres que apresentam enjoos.
Como aliviar os sintomas?
– fazer repouso durante os episódios de enjoo
– evitar estímulos sensoriais que geram náusea, como odores fortes, umidade, calor, barulho e luzes piscantes
– fazer pequenas refeições a cada 1 ou 2 horas, para evitar que o estômago fique muito cheio ou muito vazio
– evitar ingerir cafeína e alimentos muito gordurosos ou condimentados, para não irritar o estômago
– não ingerir muito líquido durante as refeições, para não dilatar o estômago
– não tomar polivitamínicos que contenham ferro, pois aumentam os enjoos
– ingerir comidas leves e proteicas
– comer algumas bolachas de água e sal pela manhã, antes de sair da cama, já que os enjoos costumam ser piores pela manhã devido ao estômago vazio
– evitar períodos prolongados de jejum, que pioram os enjoos
– tomar líquidos gelados
– evitar alimentos ou bebidas quentes, especialmente por liberarem mais cheiro
– ingerir frutas ácidas
– chupar gelo ou limão
– cheirar uma fruta cítrica, especialmente limão
– incluir o gengibre na dieta
– evitar escovar os dentes logo cedo.
Além destas recomendações, acupuntura, técnicas de relaxamento, uso de vitamina B6 ou de cápsulas de gengibre e técnicas de aromaterapia com aromas cítricos, em especial gotas de óleo essencial de hortelã pimenta na gola da roupa ou no travesseiro parecem exercer efeitos benéficos. Caso os enjoos persistam e incomodem a rotina, é recomendável consultar o obstetra sobre opções medicamentosas que podem ajudar com as náuseas e vômitos.
E você, tem mais alguma dica para ajudar a combater o enjoo?
Referências Bibliográficas
- Pregnancy sickness: a biopsychological perspective. Obstet Gynecol Surv. Cardwell MS (2012).
- Morning sickness: a mechanism for protecting the embryo. Q Rev Biol. Flaxman SM & Sherman PW (2000).
- ACOG Practice Bulletin No. 189 Summary: Nausea and Vomiting Of Pregnancy. Obstet Gynecol. (2018).
- Interventions for nausea and vomiting in early pregnancy. Cochrane Database Syst Rev. Matthews A, Haas DM, O’Mathúna DP, Dowswell T (2015).
- The sex ratio of pregnancies complicated by hospitalisation for hyperemesis gravidarum. BJOG. Schiff MA, Reed SD, Daling JR (2004).
- Sickness in pregnancy and sex of a child. Lancet. Askling J, Erlandsson G, Kaijser M, Akre O, Ekbom A. (1999).
- Orientações nutricionais: da gestação à primeira infância. Senado Federal (2015).