Essa é uma das perguntas mais comuns que recebo. “O que você vai fazer durante meu parto, Taty?” E a minha resposta é sempre a mesma:
– Não sei.
Se eu soubesse, aí teríamos um problema, porque significaria que eu estou te colocando no mesmo pacotinho de todas as gestantes que atendi antes. Estaria tirando sua individualidade e indo contra todos os preceitos da humanização1.
Existe uma gama de coisas que eu sei fazer e que poderia fazer, mas se vai caber no seu parto já é outra história. Gosto de uma metáfora que uma amiga minha terapeuta usa. (Mais uma Taty? Sim!!! – Se você não sabe do que eu estou falando, vem checar meu texto anterior que também tem uma bem legal!).
Tenho uma mala cheia de ferramentas que eu levo pra todos os meus acompanhamentos de parto. Segundo uma gestante que acompanhei recentemente, minha mala do gato Félix!
Qual ferramenta eu irei usar ou tirar da minha malinha mágica, só vou saber depois de ver o que você precisa naquele momento. Do que adianta eu te dar a certeza que vou usar um serrote em você quando tudo que você tem é um parafuso solto?
Nesse post você vai encontrar
Mai nunca.
Antes de te dizer o que eu posso fazer durante seu trabalho de parto, vou começar com o que eu com certeza NÃO vou fazer.
Muita gente confunde a atuação da doula com a da parteira no parto. Quantas vezes não li “estou em dúvida se contrato doula ou parteira”, ou me perguntaram se eu “faço parto”.
Doulas e parteiras tem papeis totalmente diferentes. Mesmo que a parteira tenha uma formação como doula, o olhar e responsabilidades mudam a partir do momento que ela se apresenta como parteira. Enquanto parteira, o papel dela é verificar o estado de saúde seu e de seu bebê. E ela responde por isso.2
Enquanto isso, meu papel é ajudar você, emocionalmente e fisicamente, a passar pelas etapas do trabalho de parto, sem precisar me preocupar com seu estado de saúde, ou o do bebê. Meu foco é 100% em seu bem estar.3
Sendo assim, eu nunca vou monitorar seus sinais vitais. Isso faz parte da responsabilidade da parteira (ou obstetra) acompanhando o trabalho de parto.
Eu nunca vou fazer exame de toque em você pra descobrir como está seu colo do útero. Porque pra mim, essa informação independe. Meu trabalho continua sendo te apoiar, não importando em que estágio você esteja.
Nunca vou ouvir (auscultar) o coraçãozinho do seu bebê. Não quero dizer que vou tampar os ouvidos quando a equipe estiver auscultando, tá? Adoro ouvir aquele cavalgar! Mas eu não vou levar um sonar pra sua casa pra ver como ele está.
Nunca vou fazer exercícios para mudar a posição do seu bebê sem indicação médica. Sabe a máxima, em time que está ganhando não se mexe? É isso, eu posso acabar atrapalhando mais que ajudando.
E eu nunca, nunquinha mesmo, vou tomar o espaço de outro profissional, seja ele fotógrafa ou parteira ou obstetra. Somos um time, cada um tem seu papel e todos trabalhamos juntos para um ótimo resultado.
E é por isso que não existe parteira/obstetra-doula. Então se o seu obstetra alega que você não precisa de doula porque ele/ela ou a parteira da sua equipe vai ser sua doula, desconfie!
Se uma parteira ou fotógrafa diz que você pode contratar só ela pras duas coisas, porque assim você economiza, desconfie também!
Além dessas práticas serem antiéticas, podendo gerar problemas para as duas classes, é certeza que você vai receber os dois serviços pela metade. Ou nem isso.
Puxa vida Taty, então você não faz nada? O que você faz afinal???
Já te conto. Mas fica aqui um spoiler: enquanto todos os olhares da equipe estão no bebê, eu estarei olhando pra você.
Minhas ferramentas
Meu curso de doula foi bem completo e aprendi muitas coisas que posso usar pra te ajudar durante não só no parto, mas também na gestação e puerpério.
Na humanização nós confiamos muito na fisiologia do parto. O parir não é visto como uma patologia que precisa ser corrigida e sim como um evento natural, que pode levar tempo e que precisa de paciência.
Eu pessoalmente acredito que qualquer intervenção é uma interferência, mesmo bem indicada. A própria presença da equipe é uma intervenção. A presença da doula é uma intervenção. Então o que fazemos é moderar, saber quando interferir, pra que o resultado seja positivo.
Então te apresento a minha primeira ferramenta. Euzinha.
As vezes eu nem preciso abrir a bolsa. A minha presença já é uma intervenção, não é? E ainda bem que sempre positiva. As vezes só de você me ver, já fica mais tranquila. Você relaxa, seu corpo relaxa e já ajuda todo o processo.
As vezes tudo que você precisa é um olhar. Uma palavra te encorajando. Um sorriso te mostrando que está tudo bem. Um abraço te acolhendo. Um toque te acalmando. As vezes eu fico ali, só tirando o cabelo do seu rosto. Fazendo um carinho, segurando a sua mão. Te emprestando a minha força e acreditando em você.
Quando, e se precisar, vou te sugerir posições, guiar sua respiração, apagar as luzes, manter você alimentada e hidratada, cuidar para que a única coisa que você tenha que fazer seja deixar o processo fluir e se permitir sentir.4
Minha segunda ferramenta são minhas mãos.
Sou uma pessoa que gosta muito de toques, de dar e receber. Como esperado, a massagem é uma técnica que uso muito para aliviar a sua sensação de dor e desconforto durante as contrações, ou para ajudar a relaxar e descansar fora delas – igualmente importante!
Pode ser também que eu pressione alguns lugares da sua pelve ou pontos do seu corpo para ajudar o trabalho de parto a fluir. Dependendo do momento que você esteja, a tática, a intensidade muda, pra que o melhor resultado seja alcançado: você bem!
Eu também gosto muito de usar o rebozo.5
O rebozo é uma peça de vestuário mexicana que tem diversos usos. Lembra uma canga, com um tecido mais firme e mais comprida.
No parto, podemos usá-lo para ajudar a posicionar o bebê, para relaxar sua musculatura, para te dar apoio, oferecer um ponto e foco para você segurar e até para te aquecer.
Uma outra ferramenta não é bem algo que eu possa carregar, mas é muito utilizada, o calor.6
Existem inúmeros benefícios em usar o calor durante o trabalho de parto e na maioria das vezes ele é muito bem aceito pelas gestantes. O calor alivia o incômodo das contrações, ajuda a regular a duração e frequência delas ao mesmo tempo que relaxa o corpo, deixando o trabalho de parto mais agradável.
Pode estar presente na forma de uma bolsinha de sementes ou de gel, na água do chuveiro ou na imersão da banheira. Até na sauna que criamos dentro do banheiro com tudo fechadinho. Tudo depende do momento que você esteja e faz parte do meu trabalho saber o que usar, onde e quando.
Um xodó são os meus óleos essenciais.7
Extraídos de várias maneiras e de diversas partes das plantas, eles são uma ferramenta incrível durante o trabalho de parto, para muitas finalidades.
Alguns óleos podem ajudar na indução de parto, sendo uma alternativa antes da equipe entrar com os métodos farmacológicos. Outros podem ajudar o relaxamento durante as fases mais prolongadas do parto. Alguns são incríveis contra a sensação de dor, diminuindo e até a tornando suportável, principalmente na fase ativa do parto.
Podem ser usados em sintomas físicos contra enjoos e cãibras, e em distócias emocionais, ajudando a acessar o que você precisa pra parir. Posso usar em algum chackra seu, posso fazer uma massagem com eles ou colocar em um difusor.
É uma delicia quando alguém entra no quarto, respira fundo, sente os óleos e sorri.
Por fim, mas não menos importante, sempre carrego comigo um leque.
Parece bobo, mas durante o trabalho de parto já notei que esse é um dos melhores amigos da gestante. Parir é um grande exercício e pode ser cansativo, extenuante. Nos momentos entre as contrações, poder relaxar com um frescor no rosto é muito bem vindo e dá um novo respirar ao processo.
Sem contar que caso o acompanhante passe mal, é uma ótima ferramenta pra ajudar ele a ficar bem!
E na cesárea?
Por mais que a gente se prepare para um parto normal, ela é uma possibilidade, não é? As vezes, pode ser a única alternativa, como você pode ver aqui.
Nesses casos, a doula não só pode acompanhar como também ajudar. A doula é da mulher, e não do procedimento. Não existe nenhuma contra indicação ter alguém te apoiando, acalmando, cuidando de você nesse momento.
Nesses casos, tanto em uma cesárea já indicada desde a gestação quanto em uma cesárea intra-parto, gosto de deixar o ambiente mais receptivo. Cuido das luzes, do ar condicionado, da música. Coloco um difusor com aromas acolhedores, lembro de colocar a playlist do casal, escolhida com tanto carinho na gestação.
Vou informando o que está acontecendo. Guio a sua respiração. A respiração do acompanhante. Seguro na sua mão, encontro seu olhar. Lembro a equipe do plano de parto. Olho que horas o bebê nasceu (alow astrologia), auxilio você a por ele pra mamar.
Porque o apoio não termina quando as contrações param. As vezes existe uma frustração ali, que precisa ser acolhida. O emocional é tão importante quanto o físico, e saber que existe alguém ali olhando pra você, faz toda a diferença.
Meu marido vai ser meu doulo
O papel do pai no parto é de ser pai. Ele também precisa se permitir sentir, ele também está se tornando pai, ele também merece ser doulado.
Tenha uma doula
Que todas as gestantes tenham uma doula pra chamar de sua. Se você já teve seu bebê, me conta, o que a sua doula fez no parto? (se flopar nunca perguntei)
Quer conhecer mais sobre meu trabalho ou falar comigo? Clique aqui!
Mais sobre o assunto
1 Sobre Humanização do Parto
Tornquist C.S. (2004), Parto e poder: o movimento pela humanização do parto no Brasil. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, UFSC, Florianópolis.
2 Sobre o Papel da Parteira
Acker, J. I. B. V. et al. (2006). As parteiras e o cuidado com o nascimento. Rev. bras. enferm., v. 59, n. 5, 647-651.
3 Sobre o Papel da Doula
Santos, D. da S., Nunes, I. M. (2009). Doulas na assistência ao parto: concepção de profissionais de enfermagem. Esc. Anna Nery, v. 13, n. 3, 582-588.
Leão, V.M., Oliveira, S.M.J.V. (2006). O papel da doula na assistência à parturiente. Revista Mineira de Enfermagem, v. 10, n. 1, 24-29.
4 Sobre técnicas para o parto
Simkin, P., Boldin, A. (2004). Update on Nonpharmacologic Approaches to Relieve Labor Pain and Prevent Suffering. Journal of Midwifery and Women’s Health, v. 49, n. 6, p. 489-504, 2004.
5 Sobre o Rebozo
Vinaver, N., Keijzer, M. de, Van Tuyl, T. (2018), A técnica do rebozo revelada. Ema Livros.
6 Sobre Terapia de Calor
Simin Taavoni, BSc, MSc, PhD Student, Somayeh Abdolahian, MSc, Hamid Haghani, PhD, Effect of Sacrum-Perineum Heat Therapy on Active Phase Labor Pain and Client Satisfaction: A Randomized, Controlled Trial Study, Pain Medicine, Volume 14, Issue 9, September 2013, Pages 1301–1306,
7 Sobre Aromaterapia
Lopes G. de C. (2016), O uso da aromaterapia no trabalho de parto e parto: uma revisão integrativa. Tese de conclusão de curso. Programa de Especialização em Enfermagem Obstétrica, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo.