Como foi apresentado o parto para você? Provavelmente como um evento que se iguala a 20 ossos quebrados. Uma situação tão incômoda que é impossível sentir prazer ou um momento santificado onde o sexo fica fora de questão?
Tranquilo, é assim que muitas mulheres o veem e, okay, o sentir é individual, único e intransferível. O problema está quando generalizamos as sensações. A forma como eu senti com certeza não será a mesma que você vai sentir. Falo isso porque algumas mulheres vão dizer que foi a pior dor da vida delas, outras irão dizer que sentiram apenas uma pequena cólicazinha e outras irão dizer que o que sentiram foi prazer. Isso mesmo que você leu! Ou dizendo mais claramente, ORGASMO!
Impressionante, não? Como gozar com dor? Como se permitir ter prazer se nas escrituras sagradas dizem: “Com dor darás à luz filhos” Genesis 3:16
É muito atrevimento!
O fato é que muitas mulheres relatam que tiveram um orgasmo durante o parto, outras não se permitem nem ao menos pensar que tiveram, pois se sentem impuras como se estivessem cometendo um incesto. São sentimentos e precisam ser validados, tem a ver com a nossa história, da evolução das mulheres, com a forma como nos relacionamos com nossos corpos ou com a forma como NÃO nos relacionamos com ele.
Breve história da mulher e a sua sexualidade
As mulheres viviam em uma sociedade onde nem ao menos podiam escolher se queriam ou não transar e há pouco tempo ainda nos questionávamos se era possível gozarmos.
As revistas e meios de comunicações para mulheres falam há muito tempo em como tratar um homem e não em como sentir prazer. O foco era sempre o homem, ( e ai se uma de nós demonstrássemos qualquer sensação de prazer). Estávamos sempre rodeadas de utensílios domésticos ou trabalhos manuais buscando sempre sermos como os homens queriam.
“A mulher deve adorar o homem como a um Deus. Toda manhã, por nove vezes consecutivas, deve ajoelhar-se aos pés do marido e, de braços cruzados, perguntar-lhe: ‘Senhor, que desejais que eu faça?” (Zaratustra filósofo persa, século IIV a.C)
Partimos do ponto onde ser mulher significava uma falha da criação, seres inferiores tirados da costela de Adão, castradas, e por tanto com um funcionamento parecido com o dos homens, porém piores.
“A natureza só faz mulheres quando não pode fazer homens.A mulher é, portanto, um homem inferior.” (Aristóteles, séc IV a.C)
As novelas e filmes ilustravam o prazer com fogos de artifício durante uma penetração e normalmente os dois gozavam juntos, mas nunca se falava em estimulação clitoriana.
O fato é que crescemos duvidando da existência do orgasmo feminino e quando o buscávamos era sempre pela via da penetração, além de delegarmos essa responsabilidade única e exclusivamente para o homem, pois não conhecíamos o funcionamento do próprio corpo, pois, se tocar será um problema de caráter.
A masturbação feminina era um tratamento médico para mulheres histéricas, imaginem só o sucesso, muitas mulheres iam toda semana para receber o tal tratamento e só a partir do século XX com os movimentos feministas é que a mulher passou a ser agente de prazer.
Disfunção sexual feminina
Disfunção Sexual Feminina (DSF) vulgo frigidez = mulher que tem problemas para chegar ao clímax. Já tem nome de doença e a indústria tem um papel fundamental quando o assunto é incutir na cabeça das mulheres que seus corpos não funcionam bem e que por isso precisam de uma solução médica, algo que venha de fora e milagrosamente lhe ofereça prazeres incríveis e inesquecíveis.
Tratamentos das diversas formas já foram testados e fracassados, desde pomadas, pilulas, cirurgias, elétron introduzido na medula controlado remotamente estimulando o orgasmo onde quer que a mulher esteja, adesivos com testosterona. Todos esses métodos foram fracassados e nos dão um forte indício de que o orgasmo feminino não pode ser tratado de forma tão simplista.
É importante considerar muitos fatores quando se fala em orgasmo feminino, não somos seres unicamente fisiológicos, tem que haver carícias, intimidade, desejo, contexto sexual.
O uso de medicamentos ou histerectomias diminuem a libido além do contexto psicológico, cansaço, estresse, desanimo, baixa estima.
Em 70% dos casos as mulheres precisam ser estimuladas na região do clitóris, por isso é tão importante conhecer a própria anatomia. Xoxota não vem com manual então mãos a obra, se toca, se olhe, se sinta.
Xoxota, vulva, florzinha, pepeca, buceta
Muitos adjetivos são dados para a parte externa do órgão genital feminino, independente do nome é muito importante saber que essa região é altamente vascularizada e inervada, o que faz com que ela responda muito bem a estímulos. Massagem com óleos, beijos, carícias devem estar inclusos no pacote, não se limite somente ao orgão, coxas, ânus e bumbum também agradecem o carinho.
Anatomicamente falando temos dois buraquinhos, sendo um da uretra e outro da vagina e um não se relaciona com o outro no ato sexual, por tanto fazer xixi depois da relação não vai expelir esperma, mas pode ajudar e evitar a infecção urinária. Não funciona como método anticoncepcional e proteção contra doenças infecciosas.
Vagina
Ao contrário do que se pensa, a vagina é o canal onde o pênis deveria se acoplar, o local para “receber” o esperma pensando na procriação. Na parte interna temos os orifícios interno e externo além de útero, ovários e trompas.
Clitóris
Apresento-lhes o órgão máximo do prazer feminino, ele é grande, toma muito espaço, (cerca de 10 cm), porém, grande parte dele está na parte interna. Possui cerca de 8.000 terminações nervosas altamente sensíveis e todas as partes de um pênis, contendo: uma glande, o prepúcio, tecido erétil e uma abertura muito pequena, e mais hein, ele até incha quando excitado, não é o máximo?
Um lance interessante é que cada mulher tem o clitóris de um tamanho, leve em consideração sua individualidade e cada um gosta de ser estimulado de uma forma diferente, alguns gostam de mais pressão, outros de mais suavidade. É preciso tentar e não desistir. Tenho certeza que você vai encontra a sua fórmula. É muito comum se basear no outro, tudo bem tentar como sua amiga fez, mas não se limite a isso. A cada tentativa sem sucesso, mais próxima do orgasmo você vai estar.
Exercícios também favorecem a irrigação da região e facilitam a possibilidade de orgasmo. Uma simples caminhada diária de 20 minutos pode favorecer e muito esse processo, além de técnicas de exercícios e fisioterapias mais localizadas.
Clitóris. Fonte: http://www.ladoocultodalua.com/2015/04/17/la-embaixo-parte-2-mulher-tambem-tem-erecao/
Pompoarismo
– Técnica indiana que usa a contração consciente dos músculos púbicos com a finalidade de fortalecer e aumentar o prazer sexual. Na índia é passado de mãe para filha e é muito comum que as mulheres exercitem essa região tendo benefícios desde muito cedo. A técnica se tornou tão famosa que formou pompoaristas.
Os benefícios vão além:
- Fortalecimento dos músculos que sustentam os órgãos internos
- Prolonga e intensifica o prazer
- Prevenção da incontinência urinaria
- Autoconhecimento
- Aumento da excitação sexual
- Aumento da lubrificação vaginal
- Regulação do intestino
- Restabelecimento do tônus vaginal
Você pode fazer os exercícios de maneira autodidata como também pode contratar um especialista para te conduzir nos exercícios.
Exercícios de Kegel
– É uma técnica criada por um ginecologista de nome Arnold Kegel na década de 40, ele criou essa técnica baseado no pompoarismo com o objetivo de melhorar a incontinência urinária em mulheres e no decorrer de sua aplicação conseguiu reduzir significativamente os casos de cirurgia. Além das mulheres relatarem melhoras no desempenho sexual com orgasmos mais eficazes, quem nunca teve um orgasmo passou a ter.
Ao longo da vida, a musculatura vaginal enfraquece como qualquer outra parte do corpo. O que normalmente ocorre é que exercitamos com mais facilidade os músculos mais visíveis e esquecemos dessa parte que nos acompanhará por muito tempo, e mais, tendo funções importantes.
Benefícios
- Melhor controle urinário, evitando que a bexiga “caia” ( conhecido como cistocele ou prolapso da bexiga);
- Auxiliam na preparação do parto durante a gravidez;
- Fortalecem a musculatura pélvica para que retorne à sua condição anterior no pós parto, evitando a flacidez vaginal;
- Previnem o prolapso pélvico, situação em que, durante o parto, os órgãos femininos podem mudar de lugar, inclusive com o útero podendo se tornar externo;
- Reduzem os sintomas da menopausa;
- Diminuem as dores das cólicas;
- Previnem infecções vaginais como a candidíase;
- Melhoram o funcionamento do intestino.
Sabe o que é mais gostoso desses exercícios? É que você não precisa sair de casa para fazer, ou melhor, não precisa parar o que está fazendo para se exercitar. Procurar um bom profissional e de confiança ainda é a melhor dica, busque referências de quem já foi atendido.
Traumas
Muitas mulheres são violentadas e a relação com corpo e o toque podem ficar prejudicadas. No Brasil um levantamento do IPEA mostra que 70% das vítimas de estupro no país são crianças e adolescentes. Uma mulher é estuprada a cada 11 minutos. Diante desse número, faz muito sentido pensar que muitas mulheres possuam extrema dificuldade em se relacionarem com seus corpos e com a sexualidade de maneira tranquila. É muito importante denunciar no 180 e buscar ajuda médica e psicológica para superar o trauma e dar segmento à vida.
O parto
Tudo que falamos até agora se relaciona diretamente com o parto partindo do ponto que ele é um evento sexual. Toda nossa história é carregada de peso, preconceitos e mitos. Nossa sexualidade ainda é um tabu para muitas mulheres, por tanto, falar em orgasmo durante o parto pode parecer algo absurdo. É muito importante saber que esse processo que descrevi até aqui tem ligação e interfere no momento do parto. São gatilhos liberados nesse momento que podem muitas vezes travar o processo e trabalhar essas questões durante a vida e na gestação é muito importante.
Parto orgásmico não é uma receita, algo que se compra na farmácia ou é vendido por um profissional que presta assistência ao parto, ele é o resultado de todas essas questões bem resolvidas, além de uma assistência respeitosa e acolhedora por parte dos profissionais.
O obstetra Ricardo Herbert Jones afirma e eu concordo que esse não é um tipo de parto que se venda, não é uma técnica que pode ser exposta em nenhum workshop. Ele é um “mergulho profundo no ser feminino”, vai além do próprio orgasmo.
Não há uma receita para atingir o orgasmo durante o parto e repito, esse não deve ser o objetivo, mas posso dizer que o caminho é o autoconhecimento, a entrega, o desnude da alma, nos preconceitos e medos e o respeito ao processo sexual da mulher pela equipe, uma equipe que tenha presença sutil e ofereça um ambiente mais acolhedor possível.
Prepare-se, faça tudo que estiver ao seu alcance para que no dia do seu parto você tenha tranquilidade para navegar nas ondas que trazem seu bebê.Busque um equipe de confiança, tenha pessoas que você ama e confia ao lado e por fim não crie expectativas somente vivencie.
Indicação de filme: Orgasmic Birth
O filme acompanha 11 mulheres dando a luz e experimentando o prazer em parir, foi um escândalo quando lançado, mas abriu e abre portas para muitas mulheres descobrirem o segredo mais bem guardado e entender que é uma possibilidade sim. Um filme que abre espaço para estarmos aqui falando sobre isso.
Bibliografia
1. “Mas elas são de outro planeta?” Sentidos do parto em questão (http://www.fazendogenero.ufsc.br/9/resources/anais/1278285893_ARQUIVO_TextocompletoFBR-ST27.pdf)
2.Armadilhas da nova era: Natureza e maternidade no ideário da humanização do parto. (http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2002000200016&script=sci_abstract&tlng=es)
3. VIsões do feminino a medicina da mulher nos séculos XIX e XX ( http://books.scielo.org/id/jnzhd/pdf/martins-9788575414514.pdf)
4. Parto orgasmico. Direção: Debra Pascali-Bonaro, Documentário. Ano 2008, 1 DVD.
5. 12 fatos incríveis sobe o clitóris. (http://www.naomekahlo.com/single-post/2015/10/19/12-fatos-incríveis-sobre-o-clitóris)