Muito se tem falado sobre o termo violência obstétrica, inclusive em maio de 2019 o Ministério da Saúde solicitou, via despacho/orientação, que o termo fosse evitado em documentos de políticas públicas. Segundo o documento a expressão era considerada “imprópria”, pois nos momentos de atendimento à mulher, “tanto o profissional de saúde quanto os de outras áreas, não têm a intencionalidade de prejudicar ou causar dano”.
Tal fato gerou uma série de movimentos contrários à abolição do termo, sendo que após uma recomendação do Ministério Público Federal (MPF) o Ministério da Saúde (MS) reconheceu, através de ofício, o direito legítimo de as mulheres usarem o termo “violência obstétrica” para retratar maus tratos, desrespeito e abusos no momento do parto.
Mas afinal, o que significa violência obstétrica?
Nesse post você vai encontrar
Violência obstétrica: esta conhecida desconhecida:
O termo violência obstétrica não é um conceito fechado, pois ainda está em construção, mas, em aspectos gerais, pode-se dizer que violência obstétrica é um tipo de violência que ocorre no momento da gestação, parto, nascimento e/ou pós-parto, inclusive no atendimento ao abortamento.
Pode ser física, psicológica, verbal, simbólica e/ou sexual, além de negligência, discriminação e/ou condutas excessivas ou desnecessárias ou desaconselhadas, muitas vezes prejudiciais e sem embasamento em evidências científicas.
Para melhor esclarecer vou dar alguns exemplos de situações que podem ser consideradas violência obstétrica:
– Lavagem intestinal e restrição de dieta,
– Violência psicológica (tratamento agressivo, discriminatório, grosseiro, ameaças, gritos e chacotas etc)
– Omissão de informações,
– Não permitir acompanhante que a gestante escolher (Lei 11.108/2005),
– Não receber algum método para alívio da dor quando solicitado,
– Realizar procedimentos não baseados em evidências científicas, por exemplo, a manobra de Kristeller (pressão sobre a barriga da gestante para empurrar o bebê),
– Recusa à admissão da gestante no hospital (Lei 11.634/2007) e
– obrigar a mulher a permanecer deitada, não permitir movimentação em trabalho de parto.
Vale ressaltar que não existe uma lei federal no Brasil conceituando o que seja violência obstétrica. Alguns Estados já possuem lei contra à violência, por exemplo, o Estado de Santa Catarina (cito o exemplo de Santa Catarina porque foi um dos primeiros Estados a promulgar uma lei sobre a implantação de medidas de informação e proteção à gestante e parturiente contra a violência obstétrica (Lei Estadual 17.097, de 17 de janeiro de 2017).
Em âmbito federal o que existem são portarias que falam sobre algumas práticas específicas. Por exemplo, em 2011, foi sancionada a Rede Cegonha, que é uma estrutura que o Ministério da Saúde oferece aos Estados e Municípios para que o atendimento do parto seja humanizado. Ela foi instituída inicialmente pela Portaria GM/MS n. 1.459/2011 e posteriormente pelas Portarias de Consolidação, tendo como objetivo a mudança do modelo de atendimento obstétrico buscando abolir as práticas violentas e vexatórias denominadas “violência obstétrica”.
Em 2016, houve a publicação Diretriz Nacional de Assistência ao Parto Normal, cujo objetivo é “sintetizar e avaliar sistematicamente a informação científica disponível em relação às práticas mais comuns na assistência ao parto e ao nascimento fornecendo subsídios e orientação a todos os envolvidos no cuidado, no intuito de promover, proteger e incentivar o parto normal´.
Com isso, vários procedimentos hospitalares têm sido questionados pela carência de evidências científicas, sendo assim, utilizar determinados métodos/procedimentos pode ser considerado violência obstétrica, pois não estão embasados em evidências científicas (exemplo: a episiotomia) e vão contra as recomendações das portarias e diretriz.
Mas e se a mulher foi vítima, como proceder?
Fui vítima! O que faço?
Aqui eu quero mostrar pra vocês, de forma didática, quais os caminhos que podem ser tomados caso você tenha sido vítima de violência obstétrica ou queira orientar alguma vítima!
Você pode tomar uma série de atitudes, vou listar aqui os TOP 10 caminhos para denunciar a violência obstétrica:
TOP 10 – dez caminhos para se denunciar uma violência obstétrica:
1 – PEÇA SEU PRONTUÁRIO! Primeira coisa que você precisa é reunir provas, ou conseguir comprovar a existência da violência.
Para isso um documento de grande valor é a cópia do prontuário médico! Já na maternidade, antes de ter alta, sugiro que você solicite a cópia do seu prontuário médico, visto que ter acesso e cópia do documento é direito seu!
Outros meios de prova: seu cartão de gestante, seu plano de parto (caso tenha), testemunhas que presenciaram os fatos (acompanhante e doula ou pessoas que estavam no momento dos fatos), fotos, vídeos e relatos de parto! Sabe aquelas ligações que fizemos para o plano de saúde, por exemplo? Guarde sempre o número dos protocolos! Se você entrar em contato com ouvidorias, peça e guarde o número de protocolo.
Enfim, tenha provas para a partir daí procurar os seguintes órgãos abaixo:
2 – CONTATO COM AS OUVIDORIAS: você pode fazer uma denúncia dos fatos nas ouvidorias. Os hospitais particulares geralmente tem o contato das ouvidorias ou alguém responsável pelo setor, na rede pública temos esses dois meios de contato de ouvidorias:
DISQUE SAÚDE (SUS) – 136
DISQUEI VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER – 180
Antes de ligar para as ouvidorias você deve fazer um relato do seu parto, identificar as violências sofridas, e ao entrar em contato relatar a situação! Ressalto que a denúncia nas ouvidorias gera estatísticas, e essas estatísticas são muito importantes porque podem gerar a implementação de políticas públicas. Exemplo: tivemos um crescimento considerável de denúncias sobre violência obstétrica:
Então não pense: ah mas não vai dar em nada…denuncie sim!
3 – DENÚNCIAS NAS SECRETARIAS DE SAÚDE:
Você deve entrar em contato com as Secretarias de Saúde Municipal ou Estadual e fazer a denúncia.
As denúncias também geram estatísticas que são importantes como formuladores de políticas públicas e agentes do SUS (artigo 9º, III, e 14-B da lei 8.080/90).
4- DENÚNCIA NOS ÕRGÃOS DE CLASSE:
exemplo: Conselho Regional de Medicina (CRM) ou no
Conselho Regional de Enfermagem (COREN – se técnico ou enfermeiro).
5- DENUNCIAR O PLANO DE SAÚDE:
Caso você teve problemas com a cobertura e atendimento pelo plano de saúde você pode entrar em contato com a:
OUVIDORIA da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) através do DISQUE ANS (0800 701 9656) ou através do
SITE DA ANS (entrar no site https://sistema.ouvidorias.gov.br/publico/Manifestacao/SelecionarTipoManifestacao.aspx) e fazer a denúncia online.
6- CONTATO COM O MINISTÉRIO PÚBLICO:
Você também pode entrar em contato com o Ministério Público Estadual (se hospital estadual/distrital) ou MPF (se hospital federal/SUS) e fazer a sua denúncia para que esses órgãos orientem você e tomem as medidas cabíveis.
7 – CONTATO COM A DEFENSORIA PÚBLICA:
A defensoria pública visa garantir o acesso à justiça pelas pessoas necessitadas, prestando assistência jurídica integral e gratuita.
Você pode entrar em contato com a Defensoria Pública Estadual (cada Estado tem sua Defensoria) ou com a Defensoria Pública da União (âmbito federal). O Defensor irá orientar como você deve proceder caso queira ingressar com uma ação de danos morais, por exemplo.
8- PROCURAR UM ADVOGADO PARTICULAR:
Você pode entrar em contato com um advogado particular para ingressar com uma ação de indenização de danos morais ou ação reparatória cível face à violência sofrida. O advogado também irá orientar você em como proceder.
9 – REGISTRAR UM BOLETIM DE OCORRÊNCIA:
Você deve procurar uma Delegacia de Polícia e registrar um boletim de ocorrência. A violência obstétrica em si não é crime, não é criminalizada (conduta típica – tipificada no Código Penal), mas assim, os atos de violência obstétrica podem caracterizar fatos típicos e antijurídicos, já previstos no Código Penal (exemplo: crime de homicídio ou lesão corporal ou omissão de socorro). Por exemplo, se você foi vítima de uma episiotomia pode registrar boletim de ocorrência e o fato considerado lesão corporal, caso não tenha havido o seu consentimento e você não foi avisada da intervenção.
10 – COMUNICAR À IMPRENSA:
Aqui é o famoso colocar a boca no trombone, se você quiser pode comunicar o ato à imprensa, divulgar em suas redes sociais, enfim, aqui fica bem ao critério da mulher se vai querer gerar uma exposição em relação a fatos particulares de sua vida, mas muitas vezes essa atitude traz o tema para debate, pois gera repercussão.
Ressalto que uma denúncia não exclui a outra, por exemplo, você pode fazer a denúncia nas ouvidorias, registrar um B.O, ir no CRM, procurar um advogado ou Defensor, ir no MP, e falar com a imprensa! Não precisa escolher uma das alternativas não! Apenas em relação ao pedido de danos morais que uma situação exclui a outra, por exemplo, se você procurou a Defensoria Pública e o Defensor ingressou com a ação de indenização por danos morais você não deve procurar um advogado particular para ele também ingressar com a ação.
Mas os caminhos estão todos abertos! Escolha por qual – ou quais – deseja seguir, mas siga!
Caminhos para evitar a violência obstétrica:
Demonstrado os caminhos para se denunciar, agora quero falar de como evitar! Porque o ideal era que não existisse a violência obstétrica, mas existindo devemos pensar em situações que possam ao menos amenizar a existência da violência. Penso que:
– saber seus direitos,
– conhecer antes a maternidade e perguntar as condutas etc,
– ter um acompanhante,
– ter uma doula,
– fazer um plano de parto,
São situações que podem vir a amenizar a existência de violência! Amenizar, porque sabemos que apesar disso tudo a violência pode sim existir!
Também há uma tríade que deveria ser sempre observada, pois assim acredito que a violência diminuiria consideravelmente. Qual tríade? O protagonismo e respeito da mulher, as condutas baseadas em evidências científicas e a existência de equipe transdisciplinar à disposição da gestante! Acredito que havendo a observância dessa tríade sagrada o Ministério da Saúde não precisaria se preocupar em querer abolir o termo de seus documentos oficiais, isso porque a violência seria abolida do mundo real, e, consequentemente, do papel!
Avante, mulheres. A violência está no papel, e muito mais nas nossas vidas reais!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Fundação Perseu Abramo, e Sesc, Mulheres Brasileiras e Gênero nos Espaços Público e Privado, 2010.
Portaria GM/MS nº1.459 de 24 de junho de 2011, (REDE CEGONHA). A portaria está disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt1459_24_06_2011.html
CONTATOS:
Ouvidoria Geral dos SUS – Telefone 136
Ouvidoria Disque Mulher – Telefone 180
Agência Nacional de Saúde (ANS) – Telefone 0800 701 9656
Procon: http://www.portaldoconsumidor.gov.br/procon.asp?acao=buscar
ANVISA: http://portal.anvisa.gov.br/wps/portal/anvisa/home
Ministério Público Federal: http://www.prsp.mpf.mp.br/noticias-prsp/aplicativos/digi-denuncia