Carta ao acompanhante de parto

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Querido(a) acompanhante de parto,

sei que são muitas dúvidas, que tem momentos tranquilos e outros assombrosos.

Essa carta não é apenas sobre ser um acompanhante. É sobre ser presença, e sobre ser alguém tão importante a ponto de ter sido escolhido a dedo para ver uma nova vida chegar ao mundo.

Não importa se você é avó, avô, pai, marido, irmã, amiga, conhecido. Com certeza você faz uma grande diferença na vida dessa mulher e, mais do que isso, é alguém em quem ela confia e se sente segura.

Por isso, leia com carinho e coração aberto ao que virá a seguir.

O amor

Saiba que para que um parto aconteça é preciso muito amor.
E você é a ponte para esse amor.

Acervo Pixbay

Em um trabalho de parto há uma grande descarga de ocitocina. Ocitocina é o hormônio liberado em momentos de prazer; como um abraço, um carinho, uma relação sexual. Para que uma contração aconteça é preciso que haja liberação de ocitocina.
E para que o corpo libere ocitocina é preciso que a mulher se sinta confiante, segura, amada, cuidada.

Está vendo como sua presença não é pouca coisa?

O amor não existe só entre mãe e bebê. Ambos precisam de uma grande quantidade de amor para que aconteça o nascimento. O parto é o momento em que você receberá e entenderá esse sentimento. Você será parte de um todo.

O trabalho de parto pode durar algumas ou muitas horas. Cada parto tem o seu tempo, e esse tempo é necessário.
Por isso tranquilize-se e viva esse momento único e inesquecível. Esteja ali, presente amorosamente.

É, eu sei que não basta apenas dizer para se acalmar. Você está mergulhando em um universo desconhecido e não sabe muito bem o que fazer, e quando fazer.

O parto é navegar em alto mar, e para que se chegue até a praia é preciso conhecer bem os caminhos a serem descobertos.

A razão

Não há um manual de instrução a ser seguido. Não há regras bem definidas. E o que eu coloco aqui sobre o parto pode acontecer bem diferente.
Não há obstetra, enfermeira, doula, ou acompanhante que possam ditar como será um parto até que ele aconteça.

Mas existe uma fisiologia em que é possível estudar e ter uma ideia de como o corpo e o nascimento funcionam.

O trabalho de parto pode ser dividido em períodos:

1° período – amolecimento e dilatação do colo do útero

Esse primeiro momento do parto é o início da grande viagem em alto mar. O corpo da mulher começa a se preparar. O bebê já avisou que quer nascer e o corpo precisa passar por algumas mudanças para que essa nova vida chegue ao mundo.

O colo do útero amolece e começa a dilatar. Precisa chegar aos 10 cm de dilatação. Não há um tempo para que essa abertura aconteça.
Paciência é a palavra para toda essa viagem.

Para que a dilatação ocorra é preciso que haja contrações.
Cada contração é uma onda que passa pela mulher. Ela começa fraca, tímida, e então atinge um pico, até abaixar a crista e ir se misturando às águas.

A dor do parto é essa onda. Ela começa lenta avisando que chegará, até atingir seu ponto mais dolorido, e depois passar por completo.
A dor do parto passa, acaba mesmo, entre cada contração.

O parto ainda está ligado a dor, que está ligada a sofrimento.
É na contração que a dor vem. E é na contração que a dilatação acontece.
É uma dor importante e necessária. E quando há apoio e acolhimento dessa dor, não há sofrimento.

Acervo Domain Pictures

2° período – Expulsão e nascimento do bebê

Depois de chegar na dilatação total o bebê precisa passar pelo canal de parto. É o grande momento. A chegada a esse mundo.

As dores se intensificam e junto chega uma vontade de fazer força. A mulher encontrará toda a força que ela precisa em você.

Porque é em você que ela se vê e enxerga o que mais conhece sobre ela mesma. Ela sabe que você está ali compartilhando das emoções no mesmo lugar de espera. Na expectativa pela nova vida que chegará em breve.

Acervo Pexels

3° período – Saída da placenta

Vocês conseguiram chegar até a praia. Depois de tantas ondas que iam e vinham os levando até a costa, agora estão juntos! Saboreando a delícia de um recomeço, do novo e do vivo.

Essa mulher vê em você alguém que a ajudou a trazer seu filho ao mundo. Alguém que sentiu e vivenciou junto dela. E isso eu garanto que ela jamais esquecerá.

Com o bebê nos braços acalentado e transbordando de amor, é a hora da placenta que nutriu e protegeu o bebê durante toda a gestação nascer.
A mulher sentirá ainda algumas contrações, só que mais leves, para que a placenta saia.

E só depois é que o parto, essa longa viagem, termina.

Acervo Wikipedia

As informações acima são um esboço de um mapa de bolso. É preciso conhecer, pesquisar e aprender mais.
Use desse tempo de espera para se informar e entender como todo esse processo pode acontecer.

O medo

É importante que se saiba sobre os principais medos da mulher em relação ao parto. Assim você poderá ajudá-la nesse processo de desabafo e de visualização de outras perspectivas. Ao mesmo tempo você se sentirá mais capacitado a acolher e entender os bloqueios dela durante o parto.

Mas claro, é bem provável que você também esteja sentindo muito medo. Respire fundo e visualize o dia do parto. Observe a mulher vivendo cada contração, sentindo as dores e te procurando como apoio. Lembre sempre que a dor é necessária e significa nascimento. Ela não está sofrendo e você está ali, pronto a amparar.

Lembre que ninguém tem controle da situação. Não há como ditar regras ou formas de parir. Não há como você se colocar no lugar dela. No parto, não adianta você querer mais do que a mulher. A sua escolha não é a que importa. Ela sabe o que quer passar.
Além de informações importantes sobre como o parto acontece, é preciso que você saiba qual o seu lugar.

Você pode ser o pai ou a amiga do bebê, independentemente, quem escolherá pelo parto é apenas a mulher!
E quando digo isso não quero dizer que o acompanhante é parte inútil e descartável do acontecimento, mas sim que o seu principal papel nesse momento é respeitar e acolher os desejos e necessidades da gestante.

Uma mulher que gesta está gerando uma nova vida em seu ventre. Isso é uma atividade que demanda tempo, energia, e espaço. O seu corpo é nutriz, morada, e o meio de passagem para o mundo aqui fora.
Quem mais, senão a própria mulher, saberia melhor como e quando trazer seu filho ao mundo?

Quando um trabalho de parto se inicia a mulher passa a ter como único objetivo parir seu filho. E nesse momento se inicia a orquestra hormonal entre cérebro, corpo e bebê. O sistema límbico do cérebro humano é ativado, isso quer dizer que a parte primitiva, das emoções, é que entram em ação. Quando a parte racional é ativada, do neocórtex, o trabalho de parto tende a diminuir sua potencialidade.

Aqui quero dizer, mais uma vez, sobre a sua importância nesse momento, de ser a bolha protetora do meio externo para a mulher e o bebê.

A mulher age de modo instintivo e animalesco. Quanto mais protegida e acolhida, mais se sente segura, confiante e conectada com o evento do parto, tornando-se mais fácil a percepção do que está acontecendo em todo o processo. Ou seja, a mulher é o indivíduo com maior capacidade de controle sobre o parto, quando assim lhe é permitido.

Participar ativamente de um parto é se colocar no lugar de confidente, suporte e apoio da mulher. Não olhe com pena, com preocupação, com medo. Olhe com coragem, com amor. O apoio é fundamental e a segurança deixa o parto deslanchar!

Mesmo que o medo esteja tomando conta de você. Respire fundo, saia um pouco de cena, e depois volte mostrando a ela o quanto ela é forte e capaz.
Acredite. Nesse momento ela precisa da sua entrega!

Se existe alguma insegurança sua sobre o tipo de parto, se informe e procure saber de onde vem os medos e anseios. A mulher no parto precisa da sua confiança.

Se prepare emocionalmente.

A intimidade

“Sei que eu tenho o dom de dar mergulho com o olhar” Essa frase da música Intimidade do Liniker, pode definir bem a sua presença.

É em você que a mulher encontrará o caminho entre o íntimo e o real.

Foto: Thalita Calefe

Quando o parto foi institucionalizado, acontecendo dentro dos hospitais, pela primeira vez na história as mulheres começaram a parir sem a presença de qualquer pessoa que lhe fosse familiar. A presença de familiares geralmente era proibida em partos hospitalares e tal regra fez parte das formações médicas no Brasil, colocando como justificativa o nervosismo desses acompanhantes.

Antes de falarmos aqui sobre a justificativa devemos entender primeiro sobre a importância desse lugar que você está ocupando. O parto foi sendo colocado como espetáculo e, cada vez menos, como um evento íntimo e familiar.

Favorecer tudo aquilo que contribua para gerar um ambiente confortável para a mãe, gerar autonomia e independência da mulher, quando e onde ela quiser, e oferecer espaço e conforto, é respeitar a intimidade para que um parto natural possa acontecer.

A recomendação internacional da Organização Mundial da Saúde (OMS)  é a de que  “o apoio contínuo durante o trabalho de parto tem benefícios clinicamente significativos para as mulheres e crianças e nenhum prejuízo conhecido, e que todas as mulheres devem ter apoio durante o parto e nascimento”

Agora pensaremos na justificativa dos médicos e hospitais sobre não querer acompanhantes por conta do nervosismo. Primeiro, é normal que esse nervosismo exista. Mas isso não quer dizer que você seja incapaz de ser um ótimo acompanhante de parto. Vão te perguntar mais de uma vez se vai mesmo aguentar, ou afirmarem que você vai desmaiar. E agora é importante que você repense todas essas afirmações impostas e expostas!

Afinal, o que pode ser tão aterrorizante em um evento de transição na vida de uma família, no nascimento de um novo ser?
Nada. Senão a cultura de que gravidez e parto são doenças e problemas. Passe a ver o parto como evento de entusiasmo e alegria!

No cenário do parto que conhecemos hoje o médico obstetra é a figura principal, o acompanhante ocupa um papel secundário, deixando em último lugar a mulher e o bebê.

Médicos são ótimos, ajudam e salvam muitas vidas, mas porque deve ser ele o responsável e protagonista do nascimento? Acredite na autonomia e confie na mulher que está ali entregue e disposta a trazer seu filho ao mundo! Ninguém sabe ou se preocupa mais do que ela mesma nesse momento. Esse é o primeiro passo para que se apoie um maternar leve de palpites e intromissões. Dê esse presente a ela!

Você será quem ajudará a desmistificar o evento do parto dentro de todo o desconhecimento dos fatos. A mulher encontrará em você a fuga, o sentido e a segurança quando lhe vier dúvidas. Porque você será a ponte entre o mundo externo e o interno da mãe que está trazendo seu filho ao mundo. É a intimidade.

Você é a referência da mulher sobre sua própria vida.
E só ali ela encontrará confiança

Quando você se aproxima da mulher e a valoriza, também se aproxima do bebê. O parto é um momento crítico, irreversível, que precisa ser enfrentado de qualquer maneira e sobre o qual não se tem controle. Entenda que se chama trabalho de parto, e trabalho exige tempo, paciência e dedicação.

A presença do acompanhante pode ser considerada um indicador de segurança, de qualidade do atendimento, e de respeito pelos direitos das mulheres na assistência ao parto.

Eu te desejo sorte e muito amor,

em breve você mergulhará no mar agitado e inesperado do nascimento!

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Referências

Nascer Melhor. Tudo sobre Trabalho de Parto. e-book

A definição do acompanhante no parto: uma questão ideológica?

Processo de decisão pelo tipo de parto no Brasil: da preferência inicial das mulheres à via de parto final

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