Amamentação em Tandem em diferentes idades

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Pode soar estranho, mas é possível amamentar filhos com idades diferentes ao mesmo tempo – e isso não faz mal a saúde de ninguém! Chamamos essa de amamentação tandem ou em tandem.

amamentação tandem
Foto: Laís Torres

A amamentação tandem é o ato de amamentar dois filhos de idades diferentes durante o mesmo período. Normalmente ela se inicia quando a mãe está amamentando, descobre uma nova gestação, segue com o aleitamento durante a gravidez e o mantém após o nascimento do caçula.

Essa modalidade maravilhosa da amamentação não é tão praticada no Brasil, e um grande motivo para tal é o fato da amamentação tandem estar cercada de mitos, como a associação a um maior risco de aborto e de causar a falta de colostro para o recém-nascido.

Hoje vamos dar uma chacoalhada nesses mitos com uma boa dose de embasamento científico!

1 – Amamentar grávida e o risco de aborto:

Essa é a frase nº 1 que desestimula a amamentação tandem e leva mulheres a desmamarem bruscamente seus filhos. Esse mito vem de uma dedução rápida que a primeira vista parece ser verídica: existe um hormônio chamado ocitocina cuja produção é estimulada, entre outras coisas, durante a amamentação. Esse mesmo hormônio atua também nas contrações uterinas. Logo, se uma mulher grávida amamentar, ela estará enchendo o corpo de ocitocina, que por sua vez estimulará contrações uterinas, expulsando o feto do seu útero.

Porém, querida leitora, essa dedução está errada. O corpo é sábio e se adapta totalmente a gestação e a amamentação na medida certa. Durante a gravidez a produção de ocitocina não é suficiente para desencadear sozinha o trabalho de parto. Isso porque existem outros hormônios envolvidos que mantém o útero fechadinhos e o bebê bem protegido.

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acervo Pixabay

Mas se você não está convencida, vamos a estudos:

Foram realizados alguns estudos investigando o aleitamento materno durante a gestação e o aumento do índice de aborto nessas mulheres. Apesar de algumas mulheres relatarem que sentem leves contrações durante algumas mamadas, elas cessam assim que o filho para de mamar. Ainda, essas mulheres não passaram por processos abortivos ou de partos prematuros.

A conclusão do estudo é que não existe relação entre amamentação na gravidez com maior chance de sofrer aborto ou parto prematuro. Ou seja, amamentar durante a gravidez por si só não provoca aborto e não leva a partos prematuros.

O Ministério da Saúde brasileiro também reconhece que a amamentação durante a gestação como possível, a enquadrando em uma condição especial de aleitamento, mas que deve ser suspensa em situação controversa.

“É possível manter a amamentação em uma nova gravidez se for o desejo da mulher e se não houver intercorrências na gravidez”. (MINISTÉRIO DA SAÚDE)

Além de incentivar a prática, o Ministério da Saúde dá orientações básicas em seu Caderno de Atenção Básica sobre aleitamento e alimentação complementar. Vale a leitura!

2- Amamentar estando grávida e a saúde da mulher e do feto.

O aleitamento durante a gestação pode ser mais desgastante e afetar a mulher em aspectos que não necessariamente o desenvolvimento do bebê, como exemplo a sensibilidade nos seios deixa a amamentação mais incômoda para a mãe. Também pode ser mencionado o cansaço próprio da gestação acompanhado da demanda da amamentação. Mas não há um prejuízo relacionado ao simples fato de amamentar grávida.

E reforçando, não há indicativos de que em uma gestação saudável exista prejuízos para o feto ou para a mãe provocados pela amamentação.

3- Amamentar grávida e o colostro

Sabe-se que durante a gestação é possível que o leite comece a ser produzido. No imaginário popular o colostro é o leite produzido durante a gestação e que vem se acumulando e “fermentando” para quando o bebê nascer. Seguindo esse pensamento, como fica o colostro do recém-nascido se o leite produzido na gestação está sendo tomado pelo bebê maior?

De início vamos esclarecer que esse leite da gestação ainda não é o colostro. Ele é um leite que sofre alterações e o filho mais velho pode sentir, principalmente em relação a produção que pode diminuir durante algumas fases da gestação e o sabor que se modifica graças a ação dos hormônios gestacionais.

Não se sabe ao certo quando o leite ganha as características de colostro, mas um estudo feito pelo grupo Alba Lactância analisou o leite de grávidas  e constatou que é apenas nas últimas 4 semanas da gravidez que o leite passa a adquirir as características de colostro. Ou seja, não está relacionado a um “acúmulo de leite durante um determinado período” e sim a estímulos próprios do corpo.

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acervo Pixabay

Colocando o poder de voz novamente na ciência, trago uma informação plus: O colostro de gestantes não-lactantes e gestantes lactantes possuem o mesmo valor nutricional e ainda, não há prejuízo no consumo de colostro pelos recém-nascidos amamentados em tandem com seus irmãos maiores – na verdade, esses bebês tem um bônus de desenvolvimento graças a parceria com os irmãos! Próximo tópico!

3- Amamentação tandem, apojadura e benefícios para o recém-nascido

A apojadura é a “descida do leite”, que pode ser entendida como o corpo seguindo o conselho de “melhor pecar pelo excesso do que pela falta” e mandando bastante leite para que o bebê. A apojadura é um período que a mulher pode ficar febril, sentir os seios pesarem, crescerem e endurecerem: é sentir o peito cheio mesmo.

Apesar de parecer ser uma maravilha ter a fartura de leite, ter os peitos cheiões, duros e com excesso de leite dificultam o mamar do recém-nascido: é difícil para ele abocanhar o peito, estimular a mama para projetar os “jatinhos de leite” e a mamada pode se tornar mais cansativa e menos produtiva para ele. Nesse cenário, ter um bebê maior que já sabe mamar e que consegue dar conta da produção é benéfico demais!

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Foto: Laís Torres

Além de ajudar as mães a lidarem com os desconfortos da apojadura, facilita e favorece o mamar do irmão mais novo. Estudos comprovaram que os recém-nascidos amamentados em tandem tiveram ganho de peso superior aos irmãos mais velhos, além de terem perda de peso menor após o nascimento do que bebês que não contam com irmãos parceiros na amamentação.

“Se observou que os recém-nascidos que mamam em tandem com seu irmão mais velho perdem menos peso ao nascer, e o recuperam mais rapidamente por contar com uma produção de leite ininterrupta e a ajuda do irmão maior para estimulá-la”. (ALBA LACTANCIA)

Observação sobre a apojadura: Depois de um tempo o corpo da mulher percebe a demanda do recém-nascido, passa a produzir a partir do estímulo e não enche mais os seios como no início do pós-parto. Muitas mulheres sentem essa mudança, acham que não estão mais com leite suficiente, se desesperam, acham que é melhor complementar e etc. Mulheres, calma, leiam mais sobre amamentação. É aqui que entra a famosa frase “peito é fábrica, não estoque”: o leite passa a ser produzido enquanto o bebê mama.

4- Amamentação em tandem, “leite fraco”, aleitamento prolongado e desmame suave

Fechando com chave de ouro: a amamentação tandem favorece o aleitamento prolongado. Isso estimula as mulheres a decidirem junto a seus filhos maiores como guiar o desmame de uma forma mais suave, podendo ser gradual ou natural.

Muitas pessoas dizem que para o filho mais velho aquele leite da mãe é fraco, “se transformou em água” e que não tem qualquer valia para a criança. Isso não é real! O leite materno é um alimento riquíssimo e, salvo a diferença entre o colostro e o leito maduro, seu valor nutricional se mantém até o final do aleitamento.

” O leite materno, surpreendentemente, apresenta composição semelhante para todas as mulheres que amamentam do mundo. Apenas as com desnutrição grave podem ter o seu leite afetado na sua qualidade e quantidade”. (MINISTÉRIO DA SAÚDE).

Aqui vale ressaltar que, devido as mudanças no sabor do leite durante a gestação, algumas crianças seguem por um desmame natural e, por si, deixam de demonstrar interesse na amamentação. Essa mudança pode ser definitiva ou passageira, com o retorno do interesse e do mamar em si após o nascimento do caçula.

Atenção:

– Mulheres com gestação de alto risco devem seguir orientações médicas. Se existe ameaça de aborto por outras questões, é possível que a suspensão da amamentação seja recomendada.

– Se for preciso priorizar a amamentação de um dos filhos, por alguma questão específica, priorize o caçula, pois o mais velho conta com a alimentação complementar. Porém, o priorizar não significa necessariamente oferecer primeiro o peito ao menor. O filho mais velho mamar antes do caçula auxilia na saída do leite e no alcance do caçula ao leite posterior, o leite gordo.

Essas são apenas algumas informações sobre a amamentação tandem. Ela é totalmente possível e benéfica para mulher e seus filhos. Mas lembre: possível não é sinônimo de fácil ou simples. Se sua realidade for suave, maravilha! Se não for, é trabalhar para lidar com os desafios e identificar como você deseja lidar com esse processo.

Se você precisa de ajuda com a gestação ou com aleitamento materno, pode falar comigo clicando aqui. Além de doula, atuo também como apoiadora em aleitamento.

Deixo o convite para você compartilhar aqui a sua experiência e inspirar outras mulheres: os relatos tem um valor indescritível para muitas mães!

Leitura complementar sugerida:

DUTRA, Samanta. Amamentação prolongada: Benefícios além do que se pode imaginar. 2018.

GALIS, Rose. Conheça os benefícios e o poder do leite materno. 2018.

OTERO, Julia. Saiba por que AMAmentação é incrível. 2018

SCHIMITT, Sheila. Amamento e descobri que estou grávida, e agora? 2018

Referências ( leia para acesso completo as informações):

LEO, Maria Inmaculada Pinos, MOYANO, Trinidad Ramirez, BALLESTEROS, Rubén Hernandez. La lactancia materna durante el embarazo: ¿aumenta el riesgo de sufrir un aborto espontáneo?, 2013.

MARCOS, Inmaculada Marcos, RIBAS, Eulália Torras i. Lactancia materna durante el embarazo y en tandem, em Alba Lactância.

Inma Marcos, IBCLC. ¿Producen auténtico calostro las madres que amamantan a un hijo previo durante el embarazo?, em Alba Lactância.

BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde da Criança: Nutrição Infantil. Aleitamento materno e Alimentação complementar. 2015

 

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6 respostas para “Amamentação em Tandem em diferentes idades”

  1. Eu amamento em tandem há 5 meses e meio e amamento a mais velha há 2 anos e 8 meses. Minha situação é suave pois a mais velha passa o dia na creche e mama apenas quando acorda e na hora de dormir.
    Sempre que perguntam até que idade elas vão mamar, digo que até quando quiserem.

    #AMAmentar

    1. Isso aí!
      Parabéns pela força e perseverança!
      Tua história com certeza é e será um diferencial para muitas mulheres que te ouvem.
      <3

  2. Olá, em pleno 2020 estou com um prematuro de 20 dias e o outro de 2 anos que também foi prematuro, o mais velho não quer parar de mamar e já sofri muito nesses 20 dias, fico tensa porque todos os médicos obstetras e pediatras me deixam insegura. Estou correta de deixar o mais velho mamar normalmente?
    Obrigada por compartilhar segurança neste momento.

    1. Oi Samara,
      como apontam os estudos, amamentar em tandem traz vários benefícios inclusive para o irmão mais novo. Em especial no ganho de peso e acesso ao leite mais gorduroso.

      Como estão os seus filhos? Eles estão bem de saúde? Se sim, é isso que importa <3

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