Oi! Sou Flávia Arone, uma sagitariana com 36 anos, natural de Marília – SP, que busca celebrar na vida o casamento da disciplina com a leveza. Sou relações públicas, acupunturista, terapeuta integrativa e doula. Como assim? Pois é… Graduei-me em comunicação e vivia a vida louca do mundo corporativo. Experimentava um trabalho sem propósito e uma desconexão imensa comigo. Quando meu corpo me parou (e sou muito grata a ele por isso, no fim das contas), fui impulsionada a mudar o curso da vida e trilhar pra dentro. Nesse processo, descobri a vocação para o cuidado. O resgate da minha história me reconectou também com as mulheres da minha família e me levou pelas mãos a um mergulho profundo até a doulagem. Como é que tudo isso aconteceu? Bem, essa é a travessia que vou contar.
* Imagem destacada de Instinto Fotografia, por Bianca Namorato
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Subindo a pedreira
Bem, desde muito cedo eu ouvia que precisava ser uma mulher independente. Isso foi ficando cada vez mais forte pra mim depois da separação dos meus pais, quando eu tinha 8 anos. Eu sentia que precisava colaborar e assim comecei a trabalhar muito cedo, aos 12 anos, vendendo cosméticos, lingerie, Avon e depois na loja da minha mãe.
Desenvolvi nessa caminhada uma certa habilidade no quesito comunicação. Graduei-me como relações públicas em 2006 e resolvi seguir a trilha do mercado corporativo. Queria meu lugar ao sol, reconhecimento e um trabalho com propósito. Em 5 anos eu estava no meio de grandes obras de engenharia, debatendo comunicação e impactos para resultados com um bando de barbudos, no ombro a ombro. Entretanto, o GPS não apontava claramente e eu estava andando sem rumo. Além disso, era muito claro pra mim que precisava trabalhar pelo menos duas vezes mais que os homens, para ter menos da metade do espaço, da remuneração e do reconhecimento, como praticamente todas as mulheres naquele meio. Era mochila pesada e subir pedreira todos os dias, sem clareza do caminho a seguir.
Minha bússola
Meu corpo ia dando sinais do cansaço. Conectar-me com minhas emoções era muito dolorido. Repensar minhas relações não dava tempo, né? Perceber-me como mulher então, nem pensar! Bem, percebi-me completamente perdida e exausta. Fui parar no CTI em março de 2015.
Depois desse episódio, descobri então que minha bússola estava no centro do meu peito. Ela apontava a necessidade de caminhar pra dentro. Essa nova passagem pelas emoções e necessidades que eu ignorava encontrei com ajuda da acupuntura, dos florais e outras terapias vibracionais. As práticas integrativas e complementares de saúde, em especial, permitiram uma melhora na minha saúde integral, sem separar corpo, mente e emoções e isso foi fundamental pro meu processo. Passei a me sentir novamente um ser humano inteiro e me apaixonei por esse universo. Comecei explorando a Medicina Chinesa e fui resgatando algo que eu não sabia mais que tinha: o talento para o cuidado.
Bom, nesse caminhar, em 2017, questionei meu trabalho, meu estilo de vida e a forma com que me relacionava comigo, com outras pessoas e o mundo à minha volta. Precisava ver de fato o que era possível e necessário levar comigo nessa trilha inexplorada. Confesso que nada ficou no lugar. Era tudo recomeço.
Parte importante da bagagem
Para que você possa seguir comigo nessa jornada, é importante que entenda um pouco da bagagem que eu trazia, isto é, da minha história e de algumas mulheres da minha família. Eu sou a filha mais velha da Silvana e do Francisco, irmã da Nathália e do Alex. Eu nasci em 1982 de cesária eletiva, por indicação médica e um medo tremendo da minha mãe das dores do trabalho de parto.
Quando falávamos no assunto, desde que eu era bem pequena, minha mãe contava ter se sentido muito solitária durante toda a gestação, o parto e o pós-parto. Apesar da presença do meu pai, ela sentia falta de uma mulher que a apoiasse no processo. Além disso, sentia-se muito desinformada e insegura.
Minha avó materna faleceu quando minha mãe tinha apenas 17 anos. Segundo minha mãe, os relatos de parto da Vó Lúcia não eram muito animadores, em especial porque ela havia tido o primeiro parto vaginal por forceps, na gravidez de minha tia, e foi uma experiência dolorosa e traumática. Minha avó havia jurado nunca mais engravidar depois daquele sofrimento, conta mamãe. Bem, minha mãe é a segunda filha e você pode imaginar o que a acompanhou. Apesar de ter sido um parto normal muito rápido, a vovó contava a ela ter passado a gravidez toda bastante agoniada e tensa com a hora de parir. Na década de 50/60 era prática obstétrica o parto profilático por forceps no nascimento do primeiro filho e o dela não foi diferente.
Voltando à minha infância, conto que eu era, até os 5 anos, filha única, prima caçula e doida pra ter irmãozinhos pra brincar. Além disso, eu era bem curiosa. Para você ter uma ideia, meu livro de cabeceira era “De onde vêm os bebês”, que eu levava pra escola e era a maior polêmica entre as freiras do colégio e as mães, pois o tema era tremendo tabu.
Nessa época, mamãe logo engravidou da Nathália e eu era toda animação. Pra você ter uma ideia, eu ia com ela a todas as consultas de pré-natal. Nathália nasceu também de cesariana. Segundo ela, o médico havia lhe dito que, uma vez que o primeiro filho era por césarea, os demais necessariamente seriam. Dessa vez, pelo menos, foi consenso dela com o médico esperarem o trabalho de parto.
Então eu, aos 6 anos, fiquei com meu pai enquanto minha mãe estava em trabalho de parto, indo para o centro cirúrgico sozinha. Segundo ela, foi uma cesárea mais tranquila do que a primeira e se sentia confiante. Quando ela regressou, o meu alívio e a alegria de revê-la foram reconfortantes. Mas e a Nathália, eu perguntava. Ela passava a maior parte do tempo no berçário e o só ia ao quarto para as mamadas.
Acompanhei mamãe também durante o puerpério. Alguns meses depois, recebia a notícia de que de que ia ganhar mais um irmãozinho ou irmãzinha. Mamãe estava grávida de novo!! Pois é, mamãe relata que não acreditava ser possível engravidar amamentando, mas aconteceu.
A gravidez do Alex foi um pouco mais difícil. No trabalho de parto, mamãe sentia-se muito tensa, com medo, e ficar sozinha no centro cirúrgico a deixava mais insegura. Bem, não lhe foi oferecida alternativa. Então, lá foi ela… Eu, dessa vez, era a acompanhante oficial e a esperava com a família no quarto. Fui responsável por ajudar no banho, nas caminhadas pelo hospital e curtia o Alex nas mamadas, ajudando a conciliar com os cuidados da Nath bebê.
Partilhando a travessia
O resgate de toda essa história familiar teve início em 2018, quando conheci o movimento de humanização do parto no Brasil. Logo depois, tive clareza da importância e das possibilidade do apoio físico e emocional da doula na gestação, parto e pós-parto. Entretanto, senti no meu coração o real desejo de doular somente quando experienciei ser a protagonista das minhas vivências, com todas as forças e fragilidades que isso envolve, sem julgamentos, sendo amparada com empatia por mulheres, parindo um novo significado minha história. Sou muito grata às mulheres que partilharam comigo a experiência de sororidade e me apoiaram física e emocionalmente quando me revelei doula, no XVI Revelando Doulas. E agora sigo na trilha da doulagem e do cuidado de mulheres, com amor e sorriso largo no rosto.
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Referências
Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS: http://dab.saude.gov.br/portaldab/ape_pic.php?conteudo=praticas_integrativas
Educação Sexual em escolas brasileiras: revisão e sistemática da literatura: http://www.scielo.br/pdf/cp/v48n168/1980-5314-cp-48-168-550.pdf
Modelos de assistência ao parto e taxa de cesárea em diferentes países: https://www.scielosp.org/scielo.php?pid=S0034-89102011000100021&script=sci_arttext
OMS publica novas diretrizes para reduzir intervenções médicas desnecessárias no parto: https://nacoesunidas.org/oms-publica-novas-diretrizes-para-reduzir-intervencoes-medicas-desnecessarias-no-parto/
Contracepção no puerpério: https://www.researchgate.net/profile/Milena_Brito/publication/250986205_Contracepcao_no_puerperio/links/55cb413b08aea2d9bdcd1f71.pdf
Motivos para atuação e formação profissional: percepção de doulas: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-73312016000401395&lng=en&nrm=iso&tlng=pt
Evidências qualitativas sobre o acompanhamento por doulas no trabalho de parto e no parto: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232012001000026&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt