Trabalho de parto: como doula, posso dizer que esse tema é um dos top 10 que surgem nas infinitas listas de perguntas que rodeiam a cabeça, principalmente, de mães (e pais) de primeira viagem e de quem também se prepara para a experiência do parto, depois de experiênciar uma ou mais cesarianas eletivas: Como é? Quais são as fases do trabalho de parto? Quais suas etapas? Como funciona?
Primeiro de tudo, podemos dizer e reforçar aqui um dado extremamente importante: O TRABALHO DE PARTO É UM EVENTO FISIOLÓGICO, portanto, acontecerá independente de relógio, calendário, cronômetros, agendas, etc, tal como a vontade de ir ao banheiro, ter relações sexuais, comer, beber, dormir. É um evento próprio da natureza humana e de qualquer outro mamífero deste mundo. A diferença é que nós, como seres humanos, criamos ideias, conceitos e rituais em volta desse evento, até que se tornasse algo longe e muito social (as vezes ate demais). Mas, continue lendo pra você perceber do que estamos falando.
Nesse post você vai encontrar
O trabalho de parto é um conjunto de pequenos eventos fisiológicos que ocorre ao final da gestação de quase todos os mamíferos (tiramos da lista os marsupiais – família do canguru – e os ornitorrincos, que são mamíferos, mas nascem de outra forma. Mas isso é assunto pra outros blogs). Basicamente, é o momento em que o corpo materno trabalha para expelir o bebê/filhote. Infelizmente, ainda não há estudos conclusivos para saber como de fato se inicia o trabalho de parto, mas várias teorias dizem que ao atingir certo grau de maturidade, os pulmões do bebê liberam hormônios e outras composições químicas (surfactantes) na corrente sanguínea da mãe. Ao perceber o aumento dessas substâncias no sangue, o hipotálamo inicia a produção de ocitocina, responsável pelas contrações musculares, uterinas, excreção de leite e pelo vínculo entre mãe e bebê (mas também está presente em todos os eventos onde ocorre troca de abraço, carinho e toques, como numa relação sexual por exemplo). A partir do crescente nível de ocitocina no corpo, o útero inicia as contrações, ainda que no início sejam leves, desreguladas ou muito espaçadas, aos poucos vão tomando ritmo e aumentando a intensidade, até que se torne de fato, o trabalho de parto.
Podemos dividir o trabalho de parto em pelo menos, 6 fases:
PRÓDOMOS: Não podemos dizer, oficialmente, que os pródomos fazem parte mesmo do trabalho de parto. Mas eu não posso fechar meus olhos para alguns eventos que eu presenciei onde, os pródomos marcaram história daquela mulher. Os pródomos são o “treinamento” do útero para o trabalho de parto em sí. Posso dizer que antes deles, aparecem as famosas CONTRAÇÕES DE BRAXTON HICKS, que são contrações indolores, irregulares e esporádicas, que aparecem a partir da 20ª semana de gestação e também são fisiológicas. Podem endurecer por alguns segundos, algumas partes da barriga ou ela toda, e sumir de repente.
Os pródomos podem ser contrações um pouco mais desconfortáveis, algumas vezes podem ser doloridas, mas não têm ritmo, não tem durabilidade e muitas vezes, não são eficazes para apagar ou dilatar o colo uterino. Podem durar alguns minutos ou poucas horas e sumir de repente, com um banho relaxante ou um bom descanso. Não há regras que determinem quanto tempo duram os pródomos. Já vi trabalhos de parto iniciarem sem pródomos e já vi vários dias de pródomos e um trabalho de parto com menos de 5 horas. Cada organismo se comporta de um jeito.
FASE LATENTE: Podemos dizer que a fase latente é o que “avisa” o corpo materno e o bebê que algo está para acontecer. As contrações nessa fase podem ter algum ritmo, mesmo que seja lento e espaçado, como uma contração a cada 15 ou 10 minutos e durem mais de 50 segundos, pelo menos. Nessa fase, geralmente a mulher ainda consegue conversar, raciocinar, algumas ainda conseguem dar risada e se alimentar normalmente. Seria importante nessa fase tentar relaxar, descansar (quem sabe até cochilar entre as contrações) se possível, se alimentar e manter a hidratação, que é muito importante. Ficar pertinho de quem a gente ama também é uma excelente ideia, pois estimula a produção de ocitocina.
FASE ATIVA: Nessa fase, a mulher começa a querer ficar mais quieta, já fala menos, raciocina com menos rapidez e percebe-se que as contrações, tanto a duração quanto a intensidade aumentaram e os intervalos diminuíram. Para concretizar uma ideia, para este texto, vamos colocar que as contrações ficam com intervalo de 5 em 5 minutos e duram entre 1m a 2m. É importante nessa fase, estar acompanhada de profissional competente (obstetriz, enfermeira obstetra) para fazer acompanhamento técnico da mãe e bebê: aferir PA, temperatura e ausculta fetal (Doula não faz esses procedimentos). Se a mulher desejar realizar o toque, a obstetriz / EO certamente diria que estaria entre 4 a 7 cm de dilatação. *Na região onde eu moro, o toque é realizado, como protocolo, a cada 3 horas.
Nessa fase, manter a hidratação é muito importante. É importante manter um alimento rico em energia para a mãe repor o que perde durante o trabalho de parto (sugiro aquele melzinho, sorvete ou açaí, mas deve-se levar em conta o histórico de alergias alimentares ou diabetes gestacional da mulher e oferecer o que for adequado).
Uso de bola, rebozo, da dança e rebolar podem ajudar muito no alivio das contrações e na descida do bebê, afinando o colo uterino.
PERÍODO DE TRANSIÇÃO: Entendo essa parte como o ponto de mudança da fase ativa para o período expulsivo. Aqui, a mulher geralmente já não responde mais perguntas, não conversa, pode mudar repentinamente de humor e exigir silêncio e pode começar a vocalizar durante as contrações. Ela procura se manter em silencio e quase sempre, de olhos fechados, como que olhando para dentro de si e vendo seu corpo trabalhar. Podemos notar que as contrações nessa fase, estão entre 5 a 2 minutos de intervalo, com duração entre 1 e 2 minutos. Nessa fase é importante manter a verticalização, que facilita o encaixe do bebê na pelve. A hidratação também é muito importante a ser mantida.
Recursos como chuveiro, banheira, bolsa de água quente ou sementes podem auxiliar muito nos alívios das contrações.
PERÍODO EXPULSIVO: Nessa fase ocorre a mudança das contrações doloridas para a vontade involuntária de fazer força. Aqui já se atingiu a dilatação total e incia-se, efetivamente, a descida do bebê pelo canal vaginal da mãe. Os puxos (como conhecemos essa vontade extrema de fazer força) podem ocorrer a cada 1 minuto e durarem entre 1 e 2 minutos. Algumas mulheres não conseguem ingerir alimentos ou líquidos no período expulsivo, mas se ela assim desejar, pode faze-lo sem problema.
O expulsivo termina, de fato, com o nascimento do bebê.
DEQUITAÇÃO PLACENTÁRIA: Após o bebê nascer, a placenta não tem mais utilidade e, neste caso, o útero inicia uma outra série de contrações para a expulsão da placenta e iniciar sua volta ao tamanho normal. Essa parte pode ser muito facilitada com o bebê sugando no peito da mãe, que produzirá ocitocina e auxiliará nas últimas contrações.
Após a dequitação, a equipe verifica se há necessidade de suturas e massagem abdominal, para retirada de algum coágulo. O bebê pode ficar nos braços da mãe por todo esse tempo, sem pressa de retira-lo dessa hora de ouro.
Sempre ouço essa pergunta e, sempre que tem alguma mãe de segunda / terceira / mais viagens perto, sempre ouço também: “Minha amiga, creia, você realmente saberá!”
É quase instantânea a pergunta e a resposta.
Para tirar dúvidas, ao perceber contrações, “ondas de dor”, desconfortos, dou sempre as dicas simples:
Se as contrações passarem, eram pródomos. Se alimente, tome líquidos e procure descansar.
Se as contrações diminuírem e depois voltarem com ritmo, entre em contato com sua doula e juntas, conversem sobre os intervalos, intensidade e o que sente. Ela saberá te orientar o melhor a fazer!
Existem mulheres que ficam super ligadas até o fim do período expulsivo, que não vocalizam, que se alimentam só de líquidos, as que não suportam cheiros de determinados produtos, as que cantam, as que xingam, as que rezam… enfim!! Aqui eu fiz uma varredura geral do que se costuma atender nos partos, tanto hospitalares quanto domiciliares. Sinta-se livre para sentir o seu corpo e o seu bebê!
Alívio das dores do Trabalho de parto
SANTANA, Licia Santos et al. Efeito do banho de chuveiro no alívio da dor em parturientes na fase ativa do trabalho de parto. Rev. dor[online]. 2013, vol.14, n.2, pp.111-113. ISSN 1806-0013. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-00132013000200007.
http://www.scielo.br/pdf/rdor/v14n2/07.pdf
GAYESKI, Michele Edianez e BRUGGEMANN, Odaléa Maria. Métodos não farmacológicos para alívio da dor no trabalho de parto: uma revisão sistemática. Texto contexto – enferm. [online]. 2010, vol.19, n.4, pp.774-782. ISSN 0104-0707. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-07072010000400022.
http://www.scielo.br/pdf/tce/v19n4/22.pdf
SILVA, Raimunda Magalhães da et al. Uso de práticas integrativas e complementares por doulas em maternidades de Fortaleza (CE) e Campinas (SP). Saude soc. [online]. 2016, vol.25, n.1, pp.108-120. ISSN 0104-1290. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902016143402.
http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v25n1/1984-0470-sausoc-25-01-00108.pdf
Posição durante o trabalho de parto
MAMEDE, Fabiana Villela; MAMEDE, Marli Villela e DOTTO, Leila Maria Geromel. Reflexões sobre deambulação e posição materna no trabalho de parto e parto. Esc. Anna Nery [online]. 2007, vol.11, n.2, pp.331-336. ISSN 1414-8145. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-81452007000200023.
http://www.scielo.br/pdf/ean/v11n2/v11n2a23.pdf
MAMEDE, Fabiana Villela et al. O efeito da deambulação na duração da faze ativa do trabalho de parto. Esc. Anna Nery [online]. 2007, vol.11, n.3, pp.466-471. ISSN 1414-8145. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-81452007000300011.
http://www.scielo.br/pdf/ean/v11n3/v11n3a11.pdf
NILSEN, Evenise; SABATINO, Hugo e LOPES, Maria Helena Baena de Moraes. Dor e comportamento de mulheres durante o trabalho de parto e parto em diferentes posições. Rev. esc. enferm. USP [online]. 2011, vol.45, n.3, pp.557-565. ISSN 0080-6234. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342011000300002.
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n3/v45n3a02.pdf
BIO, Eliane; BITTAR, Roberto Eduardo e ZUGAIB, Marcelo. Influência da mobilidade materna na duração da fase ativa do trabalho de parto.Rev. Bras. Ginecol. Obstet. [online]. 2006, vol.28, n.11, pp.671-679. ISSN 0100-7203. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-72032006001100007.
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Eu não sou mãe, mas achei lindo esse texto. Muito inspirador. Não consigo sentir medo do parto natural, nem das fases do parto...
Tenho fé que vou conseguir parir, quando for minha vez.
Oi Juliana! Você começou a trilhar pelo lado certo: buscando informações baseadas em evidências científicas. Quando chegar a sua vez, você estará informada, empoderada e segura de ter tomado as melhores decisões embasadas em informações de qualidade. Siga firme e volte sempre aqui. Nesse blog, na página e grupo do FB você encontrará um lugar para tirar suas dúvidas e buscar apoio e informação sempre que precisar!! Desfrute!! E obrigada por ler meu texto. Compartilhe com suas amigas!!
infelizmente eu não tive esse apoio nem esse esclarecimento. Em 1992, com 19 anos e uma inexperiência enorme eu fui mãe pela primeira vez. Show de horrores de um parto com fórceps que me levou a ter meu segundo filho 18 anos depois. Fui enfática: quero cesárea, nuncaais vou passar pelo que passei.
Que engano!
Sinto os efeitos de duas cesáreas até hj (sim,hj tenho 3 filhos).
Cheguei no hospital com 8 dedos de dilatação. Já que tinha que esperar doer eu esperei kkkkkk.
Me fizeram uma tricotomia, que medo. O exame de toque foi a cereja do bolo. Um medo enorme tomou conta de mim.
Um hospital público, uma sala com 15 gestantes em trabalho de parto. Esperei quieta minha hora.
A enfermeira chegava trazia mulheres e levava outras, uma linha de produção de bb's.
Nessa hora o terror tomava conta de mim.
Enfim minha hora!
Eu e mais duas, em fila paramos na porta de uma sala de onde saia uma moça na maca. Chegou minha vez.
Entrai na sala onde algumas enfermeiras preparavam tudo. Me deitaram na maca, soro na mão e começou o horror verdadeiro. Força, para, mais força cutuca.
O soro estoura minha veia e minha mão inchada dói. Força, enfia a mão.
"O bebê não desce chama fulana"!
Enfermeira em cima da minha barriga empurrando, enfia a mão desespero.
Pega o fórceps!!!!
A dor sem precedente, um corte na minha vagina, um bebê machucado.
Tanto medo, solidão e um frio de doer a alma. Senti como se a morte me acompanhasse.
Enfim, nunca mais quis passar por isso novamente.
Desculpa o textão mas acho que minha história pode contribuir pra que esses abusos não aconteçam jamais.
Muito corajoso da sua parte deixar seu depoimento querida. Sinto muitíssimo pelo o que passou.
Abraços enorme em você e muito obrigada por compartilhar sua história.