Algumas duplas mãe-bebê precisarão de mais tempo na progressão do parto, outras menos. Não existe um limite de tempo para parir enquanto mãe e bebê estiverem bem. Porém, no decorrer do processo, é comum vermos profissionais querendo acelerar o parto e realizando toque constantemente para avaliação da dilatação do colo uterino, como se este fosse um parâmetro de máxima importância.
Não é! A dilatação é o que menos importa no desenrolar do processo. É um grande mito do parto (quem nunca ouviu a famosa “não teve passagem”?). E mantendo o foco nela, perdemos uma valiosa oportunidade de aprendizado: observar continuamente cada díade mãe-bebê em seu processo único, passando por cada uma das fases do trabalho de parto e parto, com todas as suas nuances e sinais.
Então pra que tanto toque?
Nesse post você vai encontrar
O parto é um processo fisiológico, involuntário, que acontece sob o controle de estruturas primitivas do cérebro (sistema límbico/cérebro emocional), comum a todas as mamíferas. Mas para que todo o processo se desenvolva melhor, é necessário propiciar um ambiente favorável, que acredita e apoia a sua progressão natural. Em geral, tudo que não estimule o neocórtex (cérebro racional) ajuda a mulher se conectar com seus instintos primitivos e, por consequência, entrar no equilíbrio hormonal ideal que favoreça a fisiologia do parto. Ou seja, devemos entender o parto na sua integralidade e indissociabilidade com todas as esferas participantes desse processo que é bio-psico-sócio-cultural e espiritual.
Culturalmente avaliado como um momento de dor e desespero, o parto pode ter outra perspectiva se entendido como uma extensão da vida sexual da mulher e experienciado de forma mais amorosa, cuidadosa, respeitosa e prazerosa. Essas alterações na sua percepção podem impactar muito positivamente todo o ciclo gravídico-puerperal, proporcionando bem-estar à mulher e sua maior satisfação com a experiência de parto.
(Já tratei um pouco mais sobre esse assunto em outro texto e recomendo muitíssimo a leitura: Parto orgásmico ou o parto como prazer)
A doula é presença fundamental nesse processo, pois sua atuação agrega potência ao trabalho em equipe e é capaz de propiciar à mulher mais segurança para que ela seja capaz de assumir o controle do seu parto. Sua atuação está associada a menos tempo de trabalho de parto, dentre tantos outros benefícios, como apontam as evidências científicas. (Ficou curiosa? Tem mais referências no final do texto!)
Nenhum parto é igual a outro. Cada um apresenta alguma particularidade em relação à sua duração geral, à duração das suas fases, à intensidade, frequência e persistência das contrações; está sujeito a diferentes variações.
Nas décadas de 50 e 60, vários pesquisadores buscaram estabelecer curvas de normalidade para o trabalho de parto. Assim, ficou estabelecido que a dilatação cervical na fase ativa progride de maneira linear, com o limite inferior da normalidade de aproximadamente 1cm/h em nulíparas, e a forma como o trabalho de parto deve ser manejado até os dias de hoje. Porém estudos recentes sugerem que essas curvas de normalidade não se aplicam às populações contemporâneas; mostraram que a dilatação cervical progride de forma mais lenta do que previamente descrito, especialmente quando a dilatação é menor do que 6cm, e indicam medidas expectantes, suportivas e centradas na mulher de forma continuada.
Em recentes recomendações para uma experiência positiva de parto, a OMS (Organização Mundial da Saúde) endossa os novos achados:
E aponta sobre o toque: o exame vaginal digital de rotina em intervalos de 4 horas é recomendado para avaliação da evolução do trabalho de parto em mulheres de baixo risco. Prioridade deve ser dada para restringir a frequência e o número total de exames vaginais. Isto é particularmente importante em situações em que há outros fatores de risco para infecção (por exemplo, rotura de membranas amnióticas e longa duração do trabalho de parto). Exames vaginais da mesma mulher por múltiplos cuidadores também deve ser evitado.
Se tivermos a oportunidade de acompanhar continuamente uma mulher ao longo do seu processo natural de parto, aprenderemos a observar a evolução dessa mulher e do seu corpo para fazer uma avaliação comportamental identificando as fases do trabalho de parto, com todos os seus sons, secreções e posturas. Aprenderemos também a observar o bebê, percebendo como evoluem seus batimentos cardíacos, a posição do foco, as flutuações da linha de base para avaliar se ele está bem, sua posição, rotação, descida.
Ao realizar o exame de toque é possível levantar informações muito mais relevantes do que a dilatação do colo: avaliar variedade de posição do bebê, flexão/deflexão, sinclitismo/assinclitismo, plano da apresentação. Mas o que vemos na prática são toques repetidamente que só avaliam o colo, muitas vezes sem nem respeitar o intervalo mínimo de tempo recomendado pela OMS. (Alô, equipe técnica… faz favor, heim!)
Estudando um pouco mais sobre anatomia e fisiologia do parto na abordagem Spinning Babies, descobri que não adianta forçar a progressão do parto adicionando mais pressão sobre o colo para que ele ceda (com ocitocina sintética, por exemplo) sem avaliar o posicionamento do bebê. O colo cervical é a parte mole que, na imensa maioria das vezes, vai ceder se tudo o resto estiver indo bem. Se criarmos um equilíbrio no organismo da mãe, em todas as estruturas envolvidas no processo do parto, trabalharmos gravidade e movimento, então conseguiremos favorecer a fisiologia; o bebê encontrará um posicionamento mais adequado e haverá uma progressão natural.
Do que adianta ficar invadindo as mulheres repetidamente se o centro da atenção está apenas no colo? Se não há nenhuma avaliação criteriosa do bebê e nenhum plano de ação para facilitar o seu melhor posicionamento? Se a progressão natural do parto descrita atualmente descarta a necessidade de toques a cada 1, 2 ou 3h durante todo o trabalho de parto, visto que não são esperadas mudanças nesses intervalos para a maioria das mulheres?
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