Parto orgásmico? É possível vivenciar esse momento, culturalmente tão ligado à dor e sofrimento, como uma experiência prazerosa?
Falar sobre sexualidade humana é um grande tabu. Precisamos de uma maior abertura para dialogar sem barreiras sobre o tema, com uma linguagem adequada a cada fase do nosso desenvolvimento, para que possamos vivenciá-la em sua plenitude.
A noção de sexualidade ainda é fortemente ligada à atividade sexual, mas é muito mais ampla que isso. Ela faz parte da nossa personalidade, é uma necessidade básica e um aspecto que não pode ser separado de outros aspectos da nossa vida. É questão de saúde física e mental e está intrinsecamente ligada ao nosso ciclo de vida – nascer, crescer, reproduzir, envelhecer e morrer. A reprodução e preservação da espécie são suas últimas finalidades.
Se falar sobre sexualidade é complexo e cheio de mitos, falar sobre sexo e orgasmo é ainda pior. Gestação e parto então, parecem não ter ligação alguma com prazer e bem-estar; endossa a famosa frase bíblica “parirás com dor”.
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Comumente visto como um momento de desespero e dor, o parto pode ter outra perspectiva. Pode ser considerado uma extensão da vida sexual da mulher e ser experienciado de forma mais amorosa, cuidadosa, respeitosa e prazerosa.
Vários estudos sobre as características psicológicas, afetivas, emocionais e hormonais relativas ao nascimento constataram similaridade entre parto e atividade sexual em todos os aspectos analisados: perda cognitiva, apagamento neocortical, necessidade de privacidade, confluência circulatória para os genitais e hormônios envolvidos. Indicativo de que o parto pode ser vivido como um momento agradável.
É crescente a parcela de mulheres insatisfeitas com o atual modelo de assistência obstétrica, com elevadas taxas de cesárea e/ou partos traumáticos e com excesso de intervenções, tanto no setor privado quanto no público. Apesar da política de humanização do parto e nascimento, nosso modelo atual, hospitalocêntrico e medicalocêntrico, ainda não permite que a maioria das mulheres tenha uma assistência ao parto humanizada e segura.
Uma em cada quatro mulheres brasileiras que pariram em hospitais públicos ou privados relata ter sofrido algum tipo de agressão durante o parto. Violência obstétrica é qualquer ato ou intervenção direcionado à mulher grávida, parturiente ou puérpera, ou ao seu bebê, praticado sem o consentimento explícito e informado da mulher e/ou em desrespeito à sua autonomia, integridade física e mental, aos seus sentimentos, opções e preferências. Essas agressões não envolvem apenas o uso de procedimentos, técnicas e exames dolorosos e desnecessários, mas até ironias, gritos e tratamentos grosseiros com viés discriminatórios. Diversos hospitais ainda ignoram a lei do acompanhante e outros tantos mantêm berçários.
Por outro lado, cresce também o movimento humanista de assistência obstétrica e neonatal, que tem como base três pilares: o respeito à autonomia e ao protagonismo feminino, a visão do parto como evento integrativo e transdisciplinar e o respaldo da medicina baseada em evidências.
Segundo Michel Odent, nosso meio cultural não é favorável ao parto. São milhares de anos de controle cultural sobre o processo de nascimento, com rituais e interferências nesse processo em todas as sociedades. Precisamos redescobrir as necessidades básicas da mulher em trabalho de parto e do recém-nascido, aprendendo com a fisiologia.
Para ele, o trabalho de parto se desenvolve melhor quando propiciamos um ambiente favorável, que acredita e apóia a evolução natural do processo. Em geral, tudo que não estimule o neocórtex ajuda a mulher a se conectar com seus instintos primitivos e, por consequência, entrar no equilíbrio hormonal ideal que favoreça a fisiologia do parto. É fundamental que ela também se sinta segura e tenha privacidade, além de manter o contato pele-a-pele com o bebê logo após o nascimento.
Assegurar que essas necessidades sejam atendidas possibilita um parto mais fisiológico, mas não é possível encarar o parto como um evento meramente biológico. É preciso pensar na integralidade e indissociabilidade de todos os processos participantes (bio-psico-sócio-cultural e espiritual) desse momento.
Doula é a pessoa, que acompanha outra mulher antes, durante e após o parto. Atua dando apoio emocional, conforto físico e, de acordo com a necessidade e demanda da mulher, oferecendo informações para assegurar que tenha mais e melhores condições para tomar decisões informadas. O compromisso da doula é com a mulher e não com a equipe de assistência ao parto.
As evidências científicas apontam que a atuação de uma doula no cenário do parto pode trazer diversos benefícios significativos para as mulheres, seus bebês e família. A associação dos resultados positivos são especialmente por meio de alterações na percepção do parto, entendendo-o e restituindo-o como evento social e não como doença; restituindo a dimensão social que envolve o processo de parir.
Minimizar as dores durante o trabalho de parto; melhorar a segurança física e emocional individual e familiar; ajudar o desenvolvimento de habilidades subjetivas; ampliar a quantidade e a qualidade de informações e minimizar a possibilidade de intervenções profissionais durante o parto. Todos esses aspectos denotam o importante papel da doula para proporcionar o bem-estar da mulher e sua maior satisfação com a experiência de parto.
A doula está ali para e com a mulher, é uma presença contínua e carinhosa. Acreditando nela, sustentando-a nas suas recaídas, apoiando suas decisões e providenciando para que suas necessidades sejam atendidas.
A possibilidade de se encarar o parto como um evento pleno de prazer é legítima. Parto orgásmico é a descoberta do prazer de parir, uma possibilidade para qualquer mulher desde que possa se despir do medo criado pela cultura.
Se por um lado a deficiência na assistência do nosso atual modelo impede o acolhimento singular da mulher e sua família, por outro, a humanização do parto propõem um modelo de assistência centrado na mulher, suas necessidades e seus direitos. Essa mudança de paradigma é que leva a uma maior satisfação da mulher e sua família com sua experiência de parto.
Neste modelo, a doula é presença fundamental na articulação entre equipe e família no processo de parto. Sua atuação agrega potência ao trabalho em equipe e é capaz de propiciar à mulher mais segurança para que seja capaz de assumir o controle do seu processo de parir.
Para que um parto orgásmico possa ocorrer é necessário que os profissionais da assistência ofereçam às parturientes uma diminuição do estresse e da ansiedade, com uma consequente quebra do círculo adrenalínico de medo-tensão-dor, e atendam suas necessidades de segurança, afeto, tranquilidade, privacidade e equilíbrio emocional. O orgasmo poderá ser a consequência deste ambiente, e não a sua busca.
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