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Parto domiciliar: entenda essa escolha

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Quando o assunto é parto domiciliar ou parto em casa, muito se fala sobre os riscos (geralmente sem citar um único estudo científico) e pouco sobre o que motiva uma mulher a fazer essa opção. A mídia cita as famosas que têm parto domiciliar, uma lista encabeçada por Gisele Bündchen e Bela Gil, como se fosse “uma moda” ou algo restrito a “quem pode pagar para ter uma ambulância parada na frente de casa” (um mito). No outro extremo, temos os partos que acontecem em casa sem planejamento, tipo por mulheres que não sabiam que estavam grávidas e acabam dando à luz na privada achando que tinham comido algo podre.

Sim, elas existem. Tem até um programa de TV sobre isso.

Mas a realidade é muito menos mediática: o parto domiciliar planejado é só uma opção feita por famílias que se sentem seguras com essa escolha. Atrizes, modelos, apresentadoras de TV, executivas de multinacionais, cientistas, professoras, advogadas, funcionárias públicas e até mesmo médicas optam por um parto domiciliar, entendido aqui como um parto que transcorre em casa intencionalmente, acompanhado por profissionais treinados (médico, enfermeira obstétrica, obstetriz ou parteira) em que mãe e bebê são considerados de baixo risco (estabelecido no pré-natal).

A intenção deste post é explicar por que algumas mulheres acabam fazendo essa escolha ainda tão “polêmica” na nossa sociedade.

Paula optou por um parto domiciliar para o nascimento do segundo filho.
Foto: Maíra Matos Fotobiografia

1. O parto é um acontecimento fisiológico.

“O corpo das mulheres tem sua própria sabedoria, e um sistema de nascimento aprimorado ao longo de 100.000 gerações não é tão facilmente subjugado.”
– Sarah Buckley, médica neozelandesa

O primeiro ponto, e talvez o coração dessa escolha, é a convicção de que o parto é um evento fisiológico, não patológico – isto é, algo do campo do normal, corriqueiro, e não da doença. Até mesmo os manuais de obstetrícia reconhecem que o parto é um acontecimento fisiológico do corpo feminino – isto é, que ele ocorre “naturalmente”, de forma involuntária, regida por hormônios e outras substâncias presentes no nosso corpo.

Infelizmente, na prática, a obstetrícia tradicional não respeita muito a fisiologia o parto. Quando o parto passou a ser assistido nos hospitais, há mais ou menos cem anos, o nascimento se tornou um evento médico, cheio de interferências físicas, sociais e emocionais. Seguem alguns exemplos:

  • Físicas: a mulher não pode se movimentar livremente, precisa ficar numa maca ou cama especial, às vezes com as pernas amarradas. Muitas vezes, ela tem sua vagina cortada (episiotomia ou “pique”), é proibida de comer e beber e recebe medicamentos para acelerar o parto sem necessidade (ocitocina ou “sorinho”).
  • Sociais: a mulher é internada e tratada como “paciente”, como se estivesse doente, precisa colocar roupas especiais e entrar no centro cirúrgico. Muitas vezes é isolada de sua rede de apoio, podendo levar só um acompanhante de sua escolha (e às vezes nem isso, lamentavelmente).
  • Emocionais: ela é levada a não acreditar na sua capacidade de parir, ela é alimentada com vários medos, às vezes pelo próprio médico e sempre pela sociedade.

Em contrapartida, o parto domiciliar, por acontecer no território da mulher e por ser acompanhado por profissionais que acreditam na fisiologia do parto, é livre de intervenções desnecessárias. A crença no parto como evento fisiológico se sustenta com base em estudos recentes sobre fisiologia do parto e também no senso comum: afinal, somos animais e não teríamos atingido uma população de 7 bilhões se o parto fosse um evento que necessitasse grandes intervenções médicas. O que nos leva ao próximo ponto…

2. O parto domiciliar planejado e assistido é seguro.

Sim, é verdade que as mortalidades materna e neonatal eram muito mais altas no passado. Mas os avanços dos últimos cem anos não ocorreram (somente) por conta de intervenções cirúrgicas, como é o caso da cesariana, uma cirurgia incrível, que salva vidas. Muitos avanços como o manejo de hemorragias pós-parto e o tratamento de transtornos hipertensivos não dependem do local do parto, mas da qualidade da assistência. E quando as pessoas falam em parto domiciliar assistido ou planejado, estão falando em partos acompanhados por profissionais de saúde capacitados, que seguem uma série de restrições e inclui um plano de transferência para um hospital.

O principal ponto a ser feito aqui é que vários estudos comprovam a segurança do parto em casa. O mais notável é o estudo holandês, atualizado em 2015, que traz dados de mas de 750 mil de partos e conclui que, em gestações de risco habitual, o parto domiciliar é tão seguro quanto o parto hospitalar, para mães e bebês, e com menos intervenções (desagradáveis) para ambos. O único estudo relevante que traz dados pouco favoráveis ao parto domiciliar foi duramente criticado por revistas científicas renomadas como Nature e o The Lancet pela metodologia usada para medir a mortalidade perinatal (por exemplo, eles incluíram casos de partos extra-hospitalares não planejados, como nascimentos a caminho do hospital ou em casa desassistido). Mesmo assim, até esse estudo controverso confirma que, para a mulher, o parto domiciliar tem índices mais favoráveis (menos mortalidade, morbidade e intervenções) que o parto hospitalar.

É importante ressaltar (de novo) que no parto domiciliar planejado sempre há um plano B; em caso de necessidade de transferir para um hospital, a equipe de assistência deve estar preparada. Mesmo assim, a maior parte das transferências ocorrem em situações eletivas – isto é, que não são emergências – como no caso de mulheres que querem analgesia.

3. A intimidade do lar permite uma experiência especial.

Uma enorme diferença entre o parto hospitalar e o parto em casa é que na sua casa, quem manda é você. Seu corpo, suas regras; sua casa, suas regras! Você pode apagar a luz, se trancar no banheiro, chamar sua família inteira, acender velas, tocar suas músicas, abraçar o seu travesseiro, fazer carinho no seu gato, transar com o parceiro (se a bolsa não tiver rompido é seguro, relaxa!)… Enfim, tudo o que traz calma, familiaridade e segurança está ali, a seu alcance.

Isso é especialmente valioso para a mulher que já sofreu alguma violência obstétrica no passado ou passou por uma “desne-cesárea” (uma cesárea sem necessidade ou indicação clínica real). Na casa dela, há mais garantia de que ela vai poder entrar na posição que quiser, fazer o barulho que quiser, sem mandarem ela “parar de gritar”, e com praticamente zero chances de ser cortada, de empurrarem sua barriga e outras violências. Mas não só: quem quer estar perto dos filhos ou até de seus bichinhos de estimação sentem uma gratificação enorme com a escolha de parir em casa.

Anne no seu terceiro parto domiciliar, recebendo carinho do seu segundo filho.
Foto: Ana Kacurin Fotografia.

Será que o parto domiciliar é para mim?

Talvez a essa altura você esteja cogitando um parto em casa também (será?). Se for o caso, acho importante você saber de algumas coisas:

  1. Sobre a assistência: qualquer parto, seja qual for, precisa estar bem assistido porque complicações acontecem. Parto domiciliar não é parto desassistido. Se a ideia for parir em casa, é preciso encontrar uma equipe capacitada para atender você: de médicos, enfermeiras obstétricas ou obstetrizes. Será necessariamente uma equipe particular, porque não existe parto domiciliar no SUS. Vale a pena discutir como a equipe trabalha, suas taxas de transferência, se trabalham com obstetras para backup e o que exigem para poderem acompanhar o seu parto. Anote aí que é importante: a doula pode (e deve) estar presente no parto domiciliar, mas a doula não é uma profissional treinada para prestar assistência técnica. Ou seja: um parto só com uma (ou duas ou dez) doula(s) é um parto desassistido.
  2. Sobre a sociedade: se ou quando você revelar seus planos, prepare-se para uma enxurrada de críticas, das mais leves (“nossa, você é louca hahaha”) às mais incisivas (“você é uma irresponsável, vai matar o seu filho!”). No imaginário de grande parte da sociedade, parto em casa é perigoso, mesmo se você mostrar a elas todas as referências abaixo.
  3. Sobre a cabeça: cuidado com as idealizações. Isso vale para qualquer parto, mas é comum achar que como o parto é na sua casa, você estará resguardada de experiências negativas. Mas mesmo com menor risco de violências obstétricas ou de passar por uma cesárea, é possível que o parto não transcorra do jeito que você viu nos vídeos ou leu nos relatos.

Espero que eu tenha conseguido mostrar que o parto domiciliar é um entre as milhares de possíveis escolhas que estão abertas às gestantes de baixo risco. Outras escolhas incluem: parto normal hospitalar, cesárea intraparto, cesariana previamente agendada, parto natural hospitalar, parto normal induzido, parto natural em casa de parto… É uma lista bem extensa. Cada uma com suas vantagens e suas desvantagens.

Num mundo ideal, qualquer escolha seria considerada válida, contanto que fosse feita com base em informações de confiança, sem outros interesses que não a saúde da mãe e do filho e desejo da mulher. Esse mundo ideal, onde a inteligência e o protagonismo da mulher são respeitados, ainda não existe. Mas eu estou lutando por ele. E você?

Referências

Perinatal mortality and morbidity up to 28 days after birth among 743 070 low-risk planned home and hospital births: a cohort study based on three merged national perinatal databases.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25204886

Outcomes associated with planned home and planned hospital births in low-risk women attended by midwives in Ontario, Canada, 2003-2006: a retrospective cohort study.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19747264

Outcomes of planned home birth with registered midwife versus planned hospital birth with midwife or physician
http://www.cmaj.ca/content/181/6-7/377.short

Maternal and newborn outcomes in planned home birth vs planned hospital births: a metaanalysis
https://www.ajog.org/article/S0002-9378(10)00671-X/abstract

Birth as an American Rite of Passage, Robbie Davis-Floyd

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Doula Clarissa Oliveira (Rio de Janeiro - RJ)

Sou antropóloga, editora de livros, facilitadora da amamentação, doula (de parto e pós-parto) e assessora Bebê no Pano. Antes de ser mãe, já era apaixonada pela humanização do parto. Tive um blog (A mãe que quero ser), frequentei grupos de apoio, estudei. Em 2014 engravidei com ajuda da tecnologia (FIV), mas sofri uma perda gestacional tardia. Apesar do luto, o universo da maternidade não perdeu seu encanto.

 

Acredito na força das mulheres (e nas evidências científicas!); meu propósito é apoiá-las para viverem o ciclo concepção, gravidez, parto e puerpério da forma mais autêntica possível. Ofereço consultas de educação perinatal e amamentação, acompanhamento no parto e pós-parto, e assessoria de babywearing.

 

Cidade de atuação: Rio de Janeiro-RJ (Zona Sul, Centro, Tijuca, Barra)

 

Instagram: @doula_clarissa

 

Contato: (21) 99484-4707; clarissa.o@gmail.com

 

I'm an anthropologist, book editor, breastfeeding consultant, birth and postpartum doula and babywearing consultant. I fell in love with birth before I got pregnant. I had a blog, went to birth support groups and did lots of reading. In 2014, after a long time TTC, I became pregnant through IVF. Sadly, Martin died days before his due date, but I had a respectful induction and birthed him on a birth stool. Despite my loss, I knew it was my mission to work with other moms. I believe in women, in our power (and also in evidence-based practices). My life's purpose is to support women going through pregnancy, birth and beyond, so they can have the most authentic and joyful experience. I offer consultations (in birth preparation and breastfeeding), support during and after birth, as well as babywearing classes.

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  • Maravilhoso, Clarissa! Obrigada pelas referências. Continue! Beijo enorme!

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