Quando escutamos histórias de parto alguns detalhes não costumam sair da nossa memória.
Tem um detalhe, comumente presente nos relatos de mulheres que viveram o parto normal, que nos chama bastante atenção:
…”foi quando a enfermeira empurrou minha barriga e o bebê nasceu”…
… “daí o médico subiu e empurrou minha barriga”…
É tão comum ouvir frases como estas acima, que muitas de nós simplesmente concluímos, que faz parte do parto normal receber esse “empurrãozinho” na barriga para ajudar o bebê a nascer.
E você já escutou algo parecido? Você sabe o que é essa “ajudinha”?
Esse “empurrão” exercido na parte superior da barriga da parturiente no momento do parto, é chamado de Manobra de Kristeller.
Pra você gestante que está escrevendo o seu Plano de Parto e quer saber mais sobre a Manobra de Kristeller, vamos lá!
Uma breve história sobre: “Parir”
O parto era um evento estritamente feminino.
Em algumas culturas ele era vivido como um ritual de mulheres e ficava a cargo das parteiras.
As mulheres se sentiam acolhidas e livres, conseguindo agir mais instintivamente. E, assim como as índias fazem até os dias de hoje, elas preferencialmente escolhiam posições verticais para parir.
O parto vertical (cócoras, quatro apoios ou sentada) facilita a descida rápida do bebê, pela ação da gravidade. Além, de que a bacia se apresenta na sua forma mais aberta, também favorecendo a passagem mais tranquila do bebê pelo canal vaginal (canal de parto).
Como haviam situações de risco, ou seja, algo saia da normalidade, a figura masculina aos poucos foi sendo inserida nesse contexto, afim de intervir no parto de forma a ajudar a salvar a vida da mãe e do bebê.
Com a entrada da figura masculina, na pessoa do “parteiro”ou médico, as mulheres passaram a ter seus filhos preferencialmente deitadas. Ou seja, as mulheres começaram a parir em posição de Litotomia (deitadas com as pernas pra cima). A partir dessa transição, tudo mudou.
Começaram a surgir uma série de intervenções para acelerar o parto, já que a posição litotômica dificulta todo do processo, que é natural. Há registro histórico que foi na Europa no século XVI, numa família de parteiros, conhecida como “Os Chamberlem”, que foi criado e utilizado o primeiro Fórceps. A partir daí “surgiu”também a manobra de Kristeller e a Episiotomia.
O aumento do uso de fórceps e da prática da cirurgia, a partir do século XVIII, são fatores que contribuíram para a manutenção das posições reclinadas e de litotomia.
“Com a mulher deitada na cama, de pernas para cima e abertas, fica claro que o sujeito do parto é o médico, e não a mulher. Além disso, a litotomia dificulta o trabalho de parto, o que acaba por justificar o uso indiscriminado de ocitocina (soro que acelera as contrações). A posição deitada e a ocitocina prendem a mulher ao leito e impedem que ela se movimente livremente, o que, por sua vez, aumenta as dores, justificando a anestesia. A posição deitada e a anestesia a impedem de participar ativamente do parto, ‘obrigando’ o médico a realizar a manobra de Kristeller (empurrar a barriga da gestante com o braço ou o corpo). Por fim, a posição deitada não facilita o relaxamento do músculo do períneo, obrigando o médico a realizar a episiotomia em todos os partos vaginais.” Diniz & Duarte, 2004.
Ou seja, as intervenções do modelo tecnocrático de assistência ao parto geram um efeito cascata. Uma intervenção pode gerar complicações, necessitando assim, de outra intervenção posterior, o que normalmente acaba levando a maioria das mulheres a uma cesariana.
Cabe aqui lembrar, que o parto é um processo fisiológico. E a melhor prática obstétrica é aquela baseada neste conhecimento, e nas evidências e pesquisas que beneficiam a mulher e o bebê. Então, a intervenção obstétrica pode ser usada apenas quando é realmente necessária e apropriada, de forma humana e respeitosa, permanecendo o mais próximo possível do modelo fisiológico e da vontade da mãe.
Kristeller SIM OU NÃO?
“Fica tranquila só vou empurrar seu bebê”, diz o médico…
Entretanto, não há evidências científicas que comprovem quaisquer benefícios dessa prática, pelo contrário, estudos apontam para os potenciais riscos que a Manobra de Kristeller pode causar, como lesão do esfíncter anal, ruptura uterina e fraturas no recém-nascidos, e até mesmo dano cerebral.
Já que a força da gravidade deixa de ajudar, eles dão esse “empurrãozinho rotineiro”!
Sim, o Kristeller é considerada uma prática obstétrica de rotina.
Mas o que é isso? São as intervenções realizadas pelo obstetra que aceleram o processo do trabalho de parto sem necessariamente trazer benefícios à saúde da mãe e do bebê, ou ainda sem respaldo científico algum.
O Kristeller é contraindicado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), inclusive já foi proibido em diversos países.
Aqui no Brasil essa manobra foi contraindicada pelo Ministério da Saúde (MS) e documentada através, das DIRETRIZES NACIONAIS DE ASSISTÊNCIA AO PARTO NORMAL, publicada no ano de 2017.
Apesar, dessa manobra não ser recomendada, ela permanece presente no dia a dia dos serviços obstétricos brasileiros, e, no entanto não é registrada em prontuário, uma vez que não deveria estar sendo realizada.
A manobra de Kristeller é descrita como danosa à Saúde da Mulher e não apresenta benefícios à segurança do paciente escrita na RDC n 36 de 25 de julho de 2013. Do mesmo modo, o Conselho Federal de Enfermagem institui em seu parecer n 338/2016 a proibição dos profissionais de enfermagem na realização da manobra de Kristeller.
Para o Conselho Regional de Medicina de São Paulo, a manobra é procedimento proscrito, atrelada a traumas materno-fetais. Ainda assim, pesquisa de 2014 da Fundação Oswaldo Cruz revelou que 37% das gestantes pertencentes ao grupo de risco obstétrico habitual foram submetidas à manobra no Brasil.
O Kristeller é uma forma de violência obstétrica?
Sim! Essa manobra é contraindicada independente da via de parto (vaginal ou cirúrgico).
São diversos os estudos que mostram sua ineficiência o que levou a ser proscrita em diversos países, inclusive no Brasil. Portanto ela é sim considerada violência obstétrica.
Segundo a Médica Obstetra Melânia Amorim, a manobra de Kristeller “é desnecessária e prejudicial, pois pode levar a ruptura do períneo por uma pressão muito grande e pode causar a redução da oxigenação do bebê”.
Para impedir a realização dessa manobra como procedimento de rotina, a parturiente precisa se respaldar através do Plano de Parto.
No caso se parturiente sofrer a manobra de Kristeller durante o parto, ela pode formalizar a queixa no Ministério Público da cidade em que reside.
Em seu trabalho, PEREIRA (2015), observa que a manobra de Kristeller, de acordo com a definição de violência obstétrica e suas formas de manifestação dada pela Parto do Princípio (2012), pode ser considerada em muitos casos, como uma violência obstétrica de caráter físico e psicológico. Já que, na maioria das vezes a manobra é realizada sem o consentimento da parturiente, nem ao menos um pedido de licença, e ela pode ser extremamente dolorida.
Portanto, a Manobra de Kristeller é uma Violência Obstétrica.
Informe-se e empodere-se!
LEITURA RECOMENDADA
PARTO ATIVO, Guia prático para o Parto Natural (A história e a filosofia de uma revolução). Janet Balaskas, Editora Ground.
Ana Maria Magalhães, Kleyde Ventura de Souza, Edna Maria Rezende, Eunice Francisca Martins, Deise Campos, Sônia Lansky. Práticas na assistência ao parto em maternidades com inserção de enfermeiras obstétricas, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Escola Anna Nery 20(2) Abr-Jun 2016.
ASSISTÊNCIA À MULHER PARA A HUMANIZAÇÃO DO PARTO E NASCIMENTO. Thais Cordeiro Xavier de Barros, Thayane Marron de Castro, Diego Pereira Rodrigues, Phannya Gueitcheny Santos Moreira, Emanuele da Silva Soares, Alana Priscilla da Silva Viana. Rev enferm UFPE on line., Recife, 12(2):554-8, fev., 2018.
DINIZ, Simone G., CHACHAM, Alessandra S. O “corte por cima” e o “corte por baixo”: o abuso de cesáreas e episiotomias em São Paulo. Questões de Saúde Reprodutiva. [S.L], 2006. Disponível em: < http://www.mulheres.org.br/revistarhm/revista_rhm1/revista1/80-91.pdf> Acesso em: 20 de Junho de 2015.
VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA: A VERDADEIRA DOR DO PARTO. Gabriela Pinheiro BRANDT, Silvia Jaqueline Pereira de SOUZA, Michelle Thais MIGOTO, Simone Planca WEIGERT.REVISTA GESTÃO & SAÚDE (ISSN 1984 – 8153).
Assistência à saúde e ao parto no Brasil. Mônica Bara Maia. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2010, pp. 19-49. ISBN 978-85-7541-328-9.
VIOLAÇÃO AO DIREITO À SAÚDE DAS MULHERES NO PARTO: UMA ANÁLISE DO PERFIL DOS PROCESSOS JUDICIAIS EM OBSTETRÍCIA DO TJDFT SOB A ÓTICA DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA. Desirée Marques Pereira. Universidade de Brasília – UnB/ Campus Ceilândia Graduação em Saúde Coletiva, Trabalho de Conclusão de Curso, 2015.
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