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Cheguei aos 10cm, mas o bebê não nasce!

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Quem anseia pelo parto natural ou normal, comemora cada centímetro  dilatado desde o início do trabalho de parto – lembrando que a fase latente (até 5cm) pode levar dias e o colo do útero  apresenta outros parâmetros de evolução, como aprendemos aqui. Ao saber que a dilatação está completa (10cm), a mulher acredita que o bebê já irá nascer. Porém, conforme os minutos passam e a pressão aumenta, ela pode se questionar: “Cheguei aos 10cm, mas o bebê não nasce! O que estou fazendo de errado?”.

Antes de sabermos quanto tempo pode demorar o expulsivo, precisamos derrubar uma “lenda urbana”. A ideia de que basta chegar aos 10cm para o bebê nascer de imediato está completamente errada. Por isso, a Organização Mundial de Saúde (OMS) afirma no material Cuidados intraparto para uma experiência positiva para o parto (páginas 120-124), que “as mulheres devem ser informadas de que a duração do segundo estágio varia de uma mulher para outra”. Ou seja: cada parto/nascimento é único.

‘Cronometrar’ o tempo de duração do expulsivo deve ser uma conduta feita com calma e sempre baseada em evidências científicas (via maxpixel.freegreatpicture.com)

Conduta x Recomendações

De acordo com o documento divulgado em fevereiro, a recomendação é priorizar um parto espontâneo, natural e fisiologicamente respeitado, com foco na segurança. E, sem pressa ou sem intervenções, existe a possibilidade de o intervalo entre atingir dilatação total e o nascimento do bebê levar algumas horas – lembrando que a dor não é incessante (exceto quando há aplicação de ocitocina sintética); há intervalos entre as contrações para que mãe e bebê possam descansar durante o processo.

Como doula, testemunhei fase latente por dias, mas com um expulsivo rápido, a ponto de mal dar tempo de o médico ou enfermeira colocar as luvas; também acompanhei mulheres que chegaram aos 10cm em menos de oito horas de trabalho de parto, porém, só pariram seus bebês após quase duas horas de dilatação completa. Em outro atendimento, vi um obstetra instruir a residente responsável por assistir o parto que o bebê não poderia demorar mais de meia hora para nascer. Mas o que diz a OMS?

“O segundo estágio é o período de tempo entre dilatação cervical completa e nascimento do bebê, durante o qual a mulher tem uma vontade involuntária de empurrar para baixo, como resultado de expulsão uterina contrações. […] Nos primeiros trabalhos de parto [primeiro filho], o nascimento geralmente é completado dentro de 3 horas, enquanto que em trabalhos de parto subseqüentes [a partir do segundo filho], o nascimento geralmente é completado dentro de 2 horas.”

Passo a passo das fases da dilatação do colo do útero (Reprodução Instagram @jacinte)

Dilatei, mas não sinto vontade de ‘fazer força’

Assim como não existe trabalho de parto sem contrações, não importa se a mulher completou os 10cm de dilatação necessários para o expulsivo. É preciso que o corpo trabalhe para auxiliar na rotação interna e saída do bebê, por meio das contrações uterinas. Senão, o bebê não nasce naturalmente. Fazer força sob o comando de outras pessoas, além de aumentar o risco de laceração vaginal e/ou perineal, deixa a mãe exausta e também pode atrapalhar o suprimento de oxigênio do bebê pelo cordão umbilical durante o processo (saiba mais aqui).

Ainda de acordo com o documento elaborado pela OMS, o segundo estágio do trabalho de parto não é um conhecimento preciso e absoluto. Nas observações, a entidade enfatiza que “é uma ciência inexata” e que “uma mulher pode sentir o desejo de fazer força antes da dilatação completa ou pode ainda não sentir esse impulso no momento em que a dilatação completa é diagnosticada”. Ou seja: quando se constata a dilatação total por meio de toque vaginal, não é possível saber há quanto tempo está assim; e, nem sempre, a mulher sentirá os “puxos” ao chegar em 10cm.

Quanto tempo é seguro esperar?

Agora que sabemos que a média de espera recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para o expulsivo varia de duas a três horas, podemos ressaltar outro item do documento: a individualização do parto/nascimento. No vídeo acima, “Parto Humanizado Hospitalar – O nascimento de Isabella”, produzido por Cristiane Pereira, da “Amor em Foco Fotografia”, podemos nos surpreender. O trabalho de parto ativo (a partir de 6cm) durou mais de 12 horas, das quais sete horas com dilatação total (10cm).

Neste momento, você pode argumentar: “Ah, mas a equipe não obedeceu aos ‘Cuidados intraparto para uma experiência positiva para o parto’, porque esperou mais de três horas entre a dilatação completa e o nascimento”. Pelo Contrário. Como a própria OMS afirma, é preciso avaliar o contexto, individualizar cada caso. Não basta estipular um limite/prazo. Cabe à equipe monitorar a vitalidade fetal e as condições físicas da mãe. A decisão sobre intervir ou esperar deve ser tomada em conjunto com a família.

“Uma decisão sobre a redução da segunda etapa do trabalho deve basear-se na vigilância da condição materna e fetal e no progresso do trabalho. Quando a condição da mulher é satisfatória, o feto está em boas condições e há evidências de progresso na descida da cabeça fetal, não há motivos para a intervenção. No entanto, quando o segundo estágio se estendeu para além das durações padrão acima mencionadas, a chance de nascimento espontâneo num prazo razoável diminui e a intervenção para acelerar o parto deve ser considerada.”

Partograma é um documento oficial utilizado em todo o mundo para avaliar a evolução do trabalho de parto de cada mulher (Organização Pan Americana de Saúde, via flickr)

Avaliação e diagnósticos

Antes de tomar uma decisão sobre a real necessidade de intervir com métodos para acelerar o segundo estágio, os profissionais da obstetrícia que acompanham o trabalho de parto devem se atentar aos seguintes fatores da Medicina Baseada em Evidências (MBE):

1. Vitalidade do bebê: É a “bússola” principal para direcionar o “caminho” mais seguro; e avaliada somente por meio dos batimentos cardiofetais (BCF). Para isso, o monitoramento deve ser feito a cada cinco minutos durante o expulsivo, seguindo as diretrizes das principais entidades da área, como a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (Figo) e a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) – mais referências ao final do texto. Se houver batimentos cardíacos não tranqüilizadores (o popular “sofrimento fetal”), é necessário intervir.

Posição do bebê pode influenciar na demora do segundo estágio e necessitar te intervenção da equipe (Autoria: Eura Martins Lage e Naoli Vinaver, via slideplayer)

2. Posição do bebê:

a) Desproporção cefalopélvica (DCP): quando o polo cefálico (a cabeça) do bebê está mal posicionado; é uma das indicações de cesárea mais comum no Brasil, porém, nem sempre diagnosticada corretamente. É necessário estar com a dilatação completa (10cm) para avaliação conjunta com o partograma; corriqueiramente, muitos médicos indicam a cirurgia antes mesmo de a mulher entrar em trabalho de parto, com a desculpa da “falta de passagem”, sem qualquer embasamento científico.

“A pelvimetria não deve ser mais estimulada por não predizer a falha da progressão do trabalho de parto, mesmo quando realizada por tomografia computadorizada ou ressonância magnética, não sendo recomendada pelo NICE [sigla em inglês de Instituto Nacional para Saúde e Cuidados de Excelência] para decisão da via do nascimento. Da mesma forma, o peso materno e a estimativa de peso fetal pela ultrassonografia apresentam baixa acurácia para predição da macrossomia e da desproporção cefalopélvica, não sendo recomendadas com essa finalidade.” (Indicações de cesariana baseadas em evidências: parte I)

Tabela mostra intervalo de ausculta de bebês durante o trabalho de parto preconizado por diferentes entidades internacionais (Revista de Parteria da Saúde da Mulher)

Ainda de acordo com o mesmo artigo científico – que revisou os bancos de dados MedLine/PubMed, LILACS/SciELO, biblioteca Cochrane e Scopus – em caso de não haver sucesso na tentativa de corrigir a distócia, a cirurgia é indicada para evitar “um parto instrumental traumático”.

“Se o parto não ocorrer com essas medidas, deve-se considerar algum fator mecânico envolvido, como uma desproporção cefalopélvica por um mau posicionamento do polo cefálico. Algumas más posições da cabeça fetal podem ser corrigidas durante a assistência ao parto vaginal, particularmente se a dilatação está completa, porém muitas pacientes necessitam de cesariana.”

b) Má posição fetal ou apresentação de face: quando o bebê está em uma posição desfavorável para concluir a rotação antes da saída, ou quando o rosto do bebê está na “direção errada”. Ambos não são indicações absolutas de cesariana, mas podem carecer de ajuda. É possível utilizar manobras específicas realizadas somente por profissionais atualizados/qualificados. “Dessa forma, a cesariana estaria indicada nessa situação apenas quando a rotação digital não fosse bem sucedida.” Outras técnicas para “ajeitar” o bebê antes ou durante o trabalho de parto são exercícios com rebozo e/ou spinning babies

Apoio de uma equipe qualificada é fundamental para a mãe na hora de tomar decisões de prosseguir ou não com o parto natural, normal ou partir para a cirurgia (Kuara Fotografia)

3. Desejo da mãe: mesmo com o bebê em perfeitas condições de nascer via vaginal, sem intercorrências, a mãe precisa ter apoio. Desfrutar de um ambiente tranquilo e favorável é fundamental para evitar que o relógio vença o sonho de parir. Para isso, a mulher deve ter direito às seguintes recomendações da OMS apresentadas no documento “Cuidados intraparto para uma experiência positiva para o parto”:

a) Estar hidratada e comer alimentos leves: “Para as mulheres de baixo risco, recomenda-se o consumo oral de líquidos e alimentos durante o trabalho de parto”;

b) Ter liberdade para escolher posições que facilitem a rotação/descida do bebê: “É importante que qualquer posição específica não seja forçada na mulher e que ela seja encorajada e apoiada para adotar qualquer posição que ela ache mais confortável.”;

c) Disponibilizar analgesia (explicando prós e contras) e métodos não farmacológicos para alívio da dor: 

“Os opióides parenterais, como o fentanil, a diamorfina e a petidina, são opções recomendadas para mulheres grávidas saudáveis ​​que solicitam alívio da dor durante o trabalho de parto, dependendo das preferências da mulher. […] Técnicas manuais, como massagem ou aplicação de compressas quentes, são recomendadas para mulheres grávidas saudáveis ​​que solicitam alívio da dor durante o trabalho de parto, dependendo das preferências de uma mulher.”

d) Porém, isso só é possível com a assistência de uma equipe capacitada para explicar tudo o que está acontecendo e atender às escolhas dela.

“As mulheres geralmente colocam um alto valor na duração total do trabalho de parto, embora a importância relativa de quanto tempo ou quão curto seja a dependência do contexto. As evidências de outros estudos sugerem que as mulheres são menos prováveis (do que os prestadores de cuidados de saúde) para reconhecer as fases de trabalho definidas e ligadas ao tempo, e sua capacidade de lidar é mais provável que seja dependente de uma variedade de fatores inter-relacionados, incluindo o nível de dor experimentada, a natureza do meio ambiente e seu nível de apoio percebido.” (Recomendações da OMS: Cuidados intraparto para uma experiência positiva para o parto)

Cirurgia pode ser indicada em caso de batimentos cardíacos não tranquilizadores do feto (‘sofrimento fetal’) ou para evitar um parto instrumental traumático (Kuara Fotografia)

4. Condutas banidas e/ou não recomendadas pela OMS: entre as “soluções” tomadas no momento de desespero de médicos e/ou enfermeiros para o “bebê nascer mais rápido” estão a episiotomia (corte do períneo) e Manobra de Kristeller (empurrar a barriga) – comprovadamente maléficas, traumáticas e consideradas violência obstétrica.

“O uso rotineiro ou liberal de episiotomia não é recomendado para mulheres submetidas a parto vaginal espontâneo. […] Não é recomendada a aplicação de pressão manual para facilitar o parto durante o segundo estágio de parto.”

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E os riscos de um expulsivo longo?

Um estudo de grupo baseado incluindo 42.539 mulheres que pariram bebês nascidos a partir de 37 semanas de gestação, de 2008 a 2013, afirma que é necessária uma pesquisa mais detalhada sobre os riscos relativos de complicações relacionadas à duração prolongada do segundo estágio do trabalho de parto. Realizado pela Coesão de Obstetrícia de Estocolmo-Suécia, em parceria com o Registro Sueco de Qualidade Neonatal, ressalta a importância do monitoramento correto do BCF – como citado anteriormente.

“Conclusão: Duração prolongada do segundo estágio de trabalho e empurrão está associada ao aumento dos riscos relativos de resultados neonatais adversos. A avaliação clínica do bem-estar fetal é essencial quando as durações do segundo estágio e a pressão aumentam.” (Durações do segundo estágio do trabalho e do empurrão, e resultados neonatais adversos: um estudo de grupo baseado em população, Jornal de Perinatologia, Volume 37, Ano 2017, páginas 236-242)

Monitoração da vitalidade fetal deve ser prioridade durante todo o trabalho de parto, principalmente, no segundo estágio, no período ‘expulsivo’ (Kuara Fotografia)

Abaixo, para completar, temos as conclusões de mais dois artigos científicos sobre o segundo estágio do trabalho de parto (expulsivo) publicados na Revista Americana de Obstetrícia e Ginecologia (Ajog, sigla em inglês), em Janeiro de 2017, Volume 216, Número 1, Páginas S508-S509.

(Artigo 890) “Resultados maternos e neonatais por paridade e duração do trabalho no segundo estágio”: “Apesar do aumento das taxas primárias de parto por cesariana com maior duração do trabalho de parto no segundo estágio, aproximadamente dois terços das mulheres tiveram partos vaginais seguros, mesmo após 4 horas. Independentemente da paridade, o segundo estágio prolongado do trabalho de parto não parece aumentar significativamente a morbidade neonatal.”

(Artigo 891) “Ângulo de progressão e sua associação com o modo de parto e a duração do segundo estágio”: “O ângulo de progressão prevê o modo de parto e a duração do segundo estágio que são úteis no aconselhamento dos pacientes e no gerenciamento da segunda etapa do trabalho.”

Adotar uma posição vertical favorece a saída do bebê durante o segundo estágio do trabalho de parto e ajuda a evitar lacerações graves no períneo (Estúdio Erica Melo)

Resumo do que aprendemos hoje:

  • E expulsivo espontâneo pode demorar uma média de 2h ate 3h conforme recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS);
  • A equipe deve ser atualizada em Medicina Baseada em Evidências (MBE) para saber lidar com um expulsivo longo;
  • A decisão de intervir deve ter respaldo do monitoramento adequado da vitalidade fetal e avaliação do contexto para diagnosticar possíveis distocias;
  • Opções de técnicas e manobras para auxiliar em caso de mau posicionamento do bebê devem ser oferecidas à mulher, assim como métodos para alívio da dor (farmacológicos ou não);
  • Em caso de não obter resultados favoráveis ao nascimento via vaginal, há indicação de cesárea.

Lista com todas as referências para leitura/pesquisa:

Diferenças entre parto normal, natural e humanizado

Explicação fisiológica de como acontece o parto normal

“Recomendações da OMS 2018: Cuidados intraparto para uma experiência positiva para o parto”

Sobre o medo da dor no período expulsivo

Saiba se existe “hora certa” para fazer força durante o trabalho de parto

“Orientações de Consenso Sobre Monitorização Fetal Intraparto” da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (Figo)

“Assistência ao parto”, com transcrição e apresentação por Eura Martins Lage e Naoli Vinaver, na Faculdade de Medicina da UFMG

O que é um partograma?

Desmistificando a “falta de passagem” para o parto normal

“Indicações de cesariana baseadas em evidências: parte I”

“Auscultação intermitente para a vigilância do ritmo cardíaco fetal intraparto”

Conheça a técnica mexicana do rebozo

Método e exercícios spinning babies

Saiba as práticas mais comuns de violência obstétrica;

Entenda o que é episiotomia e porque recusar o procedimento;

“Durações do segundo estágio do trabalho e do empurrão, e resultados neonatais adversos: um estudo de grupo baseado em população”

(Artigo 890) “Resultados maternos e neonatais por paridade e duração do trabalho no segundo estágio” e (Artigo 891) “Ângulo de progressão e sua associação com o modo de parto e a duração do segundo estágio”

Foto em destaque: Kuara Fotografia

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Doula Natalia Araújo (SP)

Jornalista (desde 2005) e Doula (desde 2016), mergulhei na humanização do parto e nascimento no final de 2012, quando descobri a arte de doular e me apaixonei!

Sou a favor de que todas as mães tenham o direito de receber seus bebês em um ambiente respeitoso e aconchegante, com atendimento focado na Medicina Baseada em Evidências (MBE).

Cidade de atuação: São Paulo (Zona Norte)

Instagram: @doulanatalia

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