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Episiotomia: cortinho ou cortão?

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No texto anterior, falei do meu medo da dor do parto e da episiotomia, mas conhecida como pique ou episio. Consiste em um corte no períneo da mulher na fase expulsiva do trabalho de parto. Quero falar um pouco mais sobre esse tal “cortinho”. Quando mais nova, eu tinha medo da dor do parto só de pensar que talvez pudesse doer mais que o corte. Recordo de pessoas próximas relatando sua experiência: “com a dor que você vai sentir (profecia das trevas essa kkk), não vai nem sentir cortarem”. Ou então: “é necessário, é para ajudar o bebê nascer”.

Eu não duvido que esta pessoa realmente tenha sentido tanta dor que nem considerou a dor do corte. Acredito que essa dor é real, mas não que ela seja oriunda das dores do parto, e sim pela junção da intensidade do trabalho de parto com outros fatores como: o ambiente desfavorável, a falta de incentivo, intervenções para acelerar o parto e muitas vezes ou na maioria das vezes, somado a violência obstétrica. Geralmente, a pessoa nem sabe que sofreu uma violência, e sem contar que nesse momento ela provavelmente estava vulnerável e não conseguiu separar o que era processo fisiológico do que foi uma violência ou intervenção.

Outro motivo para escrever sobre a episio, esse mais recente, um trabalho de parto que acompanhei em que o médico quis fazer a episiotomia logo de cara, e a gestante não foi consultada, mas, quando percebeu que ele estava preparando o material de corte, ela começou a gritar dizendo que não queria.  Ele disse que era necessário e ela continuou gritando dizendo que não. Em resumo, ele não fez a episio, mas “informou” que sendo assim, iria descer “rasgando” tudo e que seria bem pior.  O meu alívio por ele não fazer a episiotomia durou pouco, logo na sequência ele fez manobra de kristeller (consiste na aplicação de pressão na parte superior do útero com o objetivo de facilitar a saída do bebê), manobra que é proibida. Em um momento, logo após ele fazer a manobra ele esticou o braço para pegar a tesoura, mas desistiu. E eu sei, ele não ia pedir autorização para fazer. No final do parto, para lacrar as violências obstétricas, ele me olhou e disse: “falei que ia “arrebentar” tudo! Vem ver!”.  Era óbvio, teve laceração, mas por conta da manobra e da descida rápida do bebê forçada por ele.

Via: commons.wikimedia.org

Voltemos a episiotomia. É um procedimento (usada em maior escala a partir do século XX) e criado com o objetivo de evitar laceração perineal grave ou de terceiro grau (quando une anus e vagina). E o que vem a ser uma laceração? Quando acontece de forma natural, a laceração é um rompimento orgânico dos músculos perineais para permitir a passagem do bebê. Mas vale ressaltar que não são todas as mulheres que terão uma laceração, e quando tiverem na grande maioria será de grau 1 (pele superficial perineal ou mucosa vaginal) e grau 2 (vai além dos pequenos lábios, da pele perineal e mucosa vaginal para músculos perineais e fáscia (tecido fibroso na qual se fixam alguns músculos).

Outro motivo para o uso da episio (acredito que esse seja o verdadeiro motivo de muitas acontecerem) é acelerar o parto na fase expulsiva. Muitos, senão todos os obstetras humanizados não utilizam a episiotomia há anos. É o caso da médica em Ginecologia e Obstetrícia Melania Amorim, que em seu canal no youtube, mostrou em gráficos resultados positivos em não fazer episiotomia há treze anos, e salientou que uma forma de evitar laceração é não fazer episiotomia. Além dela, Braulio Zorzella publicou em seu blog um texto sobre o assunto onde afirma que acredita na extinção da prática e explica o motivo: “Há trabalhos que apontam para a extinção da episiotomia, que é em que eu acredito!
Isso porque existem registros de laceração em cerca de 30% das mulheres, mas a imensa maioria delas têm lesões menores do que a que seria causada pela própria episio – que por si só já seria uma laceração de categoria 2. A episio, portanto, não se justifica”

Infelizmente: episio nossa de cada dia

Via: medicodemim.wordpress.com/

Aqui no Brasil, a episiotomia é uma prática de rotina tão comum que em muitos casos não são nem citados no prontuário da parturiente, mesmo a Organização Mundial da Saúde não recomendando o uso deliberado. É importante saber que a episio não foi feita com base em evidências científicas, além do mais, toda e qualquer intervenção tem sua contra indicação e no caso da episiotomia são inúmeras, como: aumenta a chance de laceração grave e hemorragia,  dores e desconforto no pós-parto, vida sexual comprometida, maior chance de laceração em um segundo parto, baixa autoestima, entre outros. Porém, o motivo que mais me chama a atenção é que algumas mulheres desenvolvem o mesmo trauma que uma violência sexual, sentem rejeição pelo próprio corpo e dor emocional, sem falar na dor física. Algumas dessas mulheres relatam não terem recebido anestesia local para receber o procedimento.

Penso que a natureza é perfeita, carregamos o milagre da vida, conseguimos nutrir nossos bebês por meses não sendo necessário um copo de água sequer. Qual o motivo para não conseguir parir de maneira natural? Já não é novidade que essas intervenções aumentam a percepção de dor da mulher. É importante saber que a episiotomia sem autorização é violência obstétrica e, pode e deve ser denunciada. Somente a informação é capaz de prevenir que mais mulheres caiam na estatística das intervenções desnecessárias e que, quando essas intervenções sejam necessárias, que a mulher tenha o direito de ser consultada. Que nenhuma troca de plantão seja derradeira na invasão dos nossos corpos e que não paguemos pela falta de atualização profissional dos médicos.

Até breve,                                                                                                            Alê Menezes

Você pode ler mais em estudos científicos sobre. Essas foram minhas referências.

 

 

 

 

 

 

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Doula Alê Menezes (São Paulo-SP)

Doula, facilitadora do aleitamento materno, mãe do Heitor e parceira do Erê.

Uma mulher em construção que descobriu na maternidade e no parto verdadeiras paixões e grandes desafios. Apaixonada por parto desde que pari o Heitor de forma primitiva e calorosa, uma experiência que me tirou o folego, mudou o meu olhar para o mundo e em especial para as mulheres. Cada mulher que acompanho de certa forma mantém viva essa paixão e me permiti que o parir dela me dê um pouco desse abrir os olhos e renascer.

Atuo em São Paulo

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