Há diversas formas de violência, e engana-se quem acha que uma violência é apenas aquela agressão física, explícita e descarada. Na gestação e parto existe a violência obstétrica, e nela há um mundo de agressões, onde, muitas vezes, a própria mulher agredida não sabe pelo o que passou.
Isso se deve ao fato de que a percepção da nossa sociedade sobre o parto é aquela onde um parto satisfatório é aquele rápido, que bebê nasce bem e a mulher não sente dor. Bem, se fosse apenas isso, uma cesariana eletiva seria o melhor dos “partos”, e nem precisaríamos discutir. Não é mesmo?
Neste texto explicarei como surgiram as violências obstétricas, como elas são praticadas, por que são praticadas e o que você pode fazer, para evitar sofrer alguma.
Para quem é de vídeo, segue o vídeo:
Antigamente, as mulheres pariam em casa. Isso não é nenhuma novidade. Porém, no século passado, os partos começaram a ser feitos em massa, realizados em hospitais, e o volume de mulheres nestas instituições só aumentou desde então. Com isso, surgiu a necessidade de uma rotatividade maior dos leitos, para assim conseguir atender todas num menor período de tempo.
Nessa época começaram a ser praticadas, rotineiramente, intervenções que aceleravam o trabalho de parto: Medicações eram ministradas para o aumento de contrações; episiotomias eram realizadas como regra; e a cesariana era a alternativa mais rápida e eficaz para se “resolver” um parto.
Vale ressaltar, que até a década de 90, a maioria dos procedimentos eram empíricos, ou seja, não haviam estudos em cima deles. Não era sabido se alguma medicação ou procedimento faria mal a gestante e bebê, simplesmente eram feitos com base em práticas de outros profissionais.
A partir deste cenário, alguns bons profissionais começaram a olhar tudo isso de outra perspectiva, e, então, iniciou-se a atuação da obstetrícia nas evidências científicas. (coro celestial tocando ao fundo).
Saber um pouquinho dessa história já nos abre a mente para pensarmos um pouquinho mais sobre a formação dos médicos responsáveis pela assistência ao parto.
Ainda em 1900 (e guaraná com rolha), e não muito diferente do que é hoje, as faculdades médicas usam das mulheres, em trabalho de parto e parto, como material de estudo. Um lugar onde seria para ter acolhimento e aconchego, na hora de um ser humano chegar ao mundo, se tornou uma aula de laboratório.
Médico é formado para resolver patologias. Parto é algo fisiológico e natural. Salvo algumas exceções onde se precisa intervir, ele deveria ocorrer plenamente entre mulher e bebê, e só!
Olha o tamanho do absurdo: Um estudante de medicina aprende todas as suas técnicas de intervenções, (que deveriam ser usadas apenas quando acontecesse algo), em uma mulher saudável, enquanto seu parto fluía de forma natural. Usa-se partos normais, onde nenhuma intercorrência acontece, para se treinar praticas médicas que deveria ser feitas em casos de emergência. Sem contar que, deste modo, o médico nunca saberá acompanhar uma mulher que está parindo naturalmente. Sempre verá a necessidade de intervir, de uma forma ou de outra, para colocar-se numa zona de conforto. Isso, infelizmente, significa, muitas vezes, cirurgia…
Incopetência médica
Que foi citada acima. O médico aprende tanto a intervir em sua formação, que o sentido natural de partejar uma mulher, já parindo naturalmente, passa longe.
Ele não sabe ACOMPANHAR um parto, ele FAZ o parto.
Conveniência Médica
Já começo falando que não há nada mais prático para um obstetra do que poder saber o dia e a hora que um bebê vai nascer. Assim ele pode organizar sua agenda de escritório, planejar sua rotina semanal e afins. Sem estresse. Sem precisar se preocupar em “parar” sua vida para ir a um parto “do nada”.
Também é inegável que, quando se trata de hospital, a rotatividade de leitos é de extrema importância, como já dito anteriormente. Seja em hospital público ou particular, quanto maior a entrada e saída de pessoas ocupando leitos, maior o lucro que aquela instituição terá.
Então como que você conseguirá deixar uma mulher parir naturalmente, sendo que esse processo pode levar horas e até dias?
Não é a toa que muitas maternidades já internam a paciente com a prescrição de algum tipo de indução do parto. Seja um soro com ocitocina, uma rotura de bolsa das águas, descolamento de membranas… Pois se, ao menor sinal de que aquela indução não dará certo, uma cesariana já é “indicada” e a mulher desocupa o leito, entrando outra, e a RODA GIRA!
Como dito na introdução deste texto, a violência obstétrica pode ocorrer de várias formas. Tanto físicas como verbais.
Aqui abaixo vou citar as violências obstétricas físicas que NUNCA possuem indicação, mas mesmo assim acontecem com muita frequência:
–Manobra de Kristeller (empurrar a barriga da mulher na hora do expulsivo)
–Episiotomia (corte realizado no músculo do períneo)
– Tricotomia (raspagem dos pelos pubianos)
–Litotomia (posição ginecológica, horizontalizada para o parto)
–Enema (lavagem intestinal)
–Restrição da alimentação
–Bloqueio do acompanhante escolhido pela mulher
Ainda temos algumas intervenções médicas que existem para serem utilizadas quando necessário, porém, em sua maioria, são realizadas com o único intuito de “acelerar” o trabalho de parto e parto.
–Indução do parto (com comprimidos vaginais, ocitocina sintética ou descolamento das membranas)
–Fórceps (ferramenta para auxiliar a saída do bebê)
–Amniotomia (ruptura artificial da bolsa das águas)
-Toque vaginal (toque para avaliar colo do útero)
Não podemos deixar de mencionar as violências verbais na hora do parto.
Se referir à mulher com insultos, críticas, ou opressão é uma forma de violência tão pesada quanto as físicas.
Frases como: “na hora de fazer não gritou”; “gorda deste jeito não dá nem para saber que está grávida”; “ela não precisa de analgesia” (referindo-se a uma mulher negra), são absurdas e ouvidas por várias mulheres todos os dias.
Sem falar, então, quando se direcionam a uma mulher em trabalho de parto de mãezinha. Affão!
Um outro fato que devemos considerar como violência também é a distorção de informações.
Não explicar um exame para a paciente, ou omitir informações sobre o seus resultados.
Disseminar mitos sobre o parto, como se fossem verdades, para assustar e induzir a mulher a escolher um tipo ou via de nascimento que não é o que ela quer.
Aqui, no Brasil, infelizmente, não temos uma lei que tipifique todas as formas de violência obstétrica. Então, quando há a necessidade de denunciar um profissional ou instituição, tudo é muito complicado. O juiz que julgará o caso ouvirá um médico, e este médico pode considerar o que você chama de violência como prática médica legal. (sim, uma merd*).
Mas você pode fazer algumas coisas para caminhar no sentido oposto da violência obstétrica.
–Plano de parto.
É um documento onde você, gestante, descreve tudo o que permite e não permite com você e seu bebê no trabalho de parto, parto e pós parto.
Há locais que o respeitam mais, e outros menos. Mas é de extrema importância o fazer, para que cada vez mais este documento esteja presente entre os profissionais médicos e, assim, virar uma rotina para eles lerem e seguirem o que ali está descrito.
–Contratar uma equipe humanizada.
Se você vai planejar a sua gravidez, já faça um planejamento financeiro para o parto. Busque equipes que são realmente humanizadas e prestam uma assistência baseada em evidência cientifica. Nem sempre aquele médico caro é um bom profissional, não se deixe enganar. Busque relatos de outras mulheres!
Mas, sabendo na pele, como é a nossa realidade econômica, sei que nem tudo é tão simples, e contratar uma equipe pode estar um pouco distante das suas possibilidades. Então se entregue ao sus e busque pela rede mais humanizada da sua cidade. Tenha uma doula para te ajudar nesta busca!
–Informe-se!
Não é só ouvir o seu médico do convênio que te atende desde os 15 anos. É buscar informação real. Ter uma doula, participar de rodas de gestantes, seguir perfis de profissionais humanizados, ler relatos de grupos de apoio ao parto normal. Ler artigos e sites com informações embasadas nas evidências.
E saiba…
Para falar sobre parto, sobre o que você quer, ou não; o que aceita, e o que não aceita, não precisa ser médico. Basta estudar, empoderar-se sobre seu próprio corpo e decisões que você já terá tudo!
Um beijo, e até o próximo texto ?
Referências bibliográficas:
O “corte por cima” e o “corte por baixo”: o abuso de cesáreas e episiotomias em São Paulo. Autores: Simone G. Diniz e Alessandra S. Chacham
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Muito bom, me ajudou de certa forma. Sofri violência obstétrica há dois meses atrás e hoje me sinto um nada, penso em me matar várias vezes ao dia não sei mais o que fazer, mas foi bom saber que não sou a única.