Oi, como assim? Os benefícios tudo bem, mas risco associado ao ultrassom? Assunto delicado né, ainda mais quando esse exame é rotina se tratando de gestação e geralmente é motivo de expectativas positivas por parte da futura mãe, afinal, é o momento em que se pode ver algo que apenas sentimos por devido aos sintomas e alterações físicas, é exatamente a materialização das expectativas da imaginação.
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Certa vez, conversando com um professor da universidade a respeito de um tipo de deficiência, dentre tantas coisas a frase: “hoje eu não deixaria minha esposa fazer ultrassom” me marcou. Naquele momento eu visualizei o processo e as possíveis interações e alterações físico-químicas que aquelas ondas poderiam promover no meio em que o bebê se desenvolve. Sai de lá refletindo: Poxa nunca tinha pensado nisso!
Algum tempo depois, estava eu lá, na ansiedade de uma secundigesta, com histórico de aborto espontâneo recente , no auge de surto de ZiKa vírus, ávida pelas consultas pré natais e um dos motivos era o exame ultrassom, afinal, eu iria ver se a bebê estava bem e iria ouvir as batidas do seu coração. Toda vez era um misto alívio com felicidade.
Nessa onda fiz vários ultrassons, tantos quanto a quantidade de consultas no primeiro e segundo trimestre e, adivinha? Nunca questionei e ainda pagava super satisfeita.
A ultrassonografia ou ecografia é uma técnica de diagnóstico que utiliza ondas sonoras de alta frequência para visualizar de partes internas do corpo em tempo real1. Essas ondas são transmitidas através do abdomem via um dispositivo denomidado transdutor2.
A imagem é produzida baseada na reflexão das ondas das estruturas do corpo pela leitura da amplitude do sinal da onda e o tempo que ela leva para viajar através do corpo fornecem as informações necessárias para produzir a imagem3.
O exame de ultrassom é realizado com escaneamento em tempo real via transabdominal, transvaginal ou ambos13.
Durante a gestação,o ultrassom pode ser usado para obter imagens do bebe, saco aminiótico, placenta e ovários. Frequentemente é utilizado como primeiro instrumento na avaliação das complicações da gestação, pois nesse exame geralmente são detectadas as principais anormalidades anatômicas ou defeitos congênitos2.
O exame de ultrassom em tempo real é necessário para confirmar a presença de vida fetal por meio da observação da atividade cardíaca e movimentos13.
O avanço no desenvolvimento da qualidade dos equipamentos de ultrassonografia melhora o aperfeiçoamento da resolução e possibilita a ampliação do número de diagnósticos realizados por esse exame de imagem. No entanto, o resultado do diagnóstico por esse método deve ser avaliado de forma sinérgica a outros exames, ou seja, as suspeitas reveladas pelo diagnóstico ultrassom devem ser confirmadas utilizando outros métodos 4.
O ultrassom tem se tornado cada vez mais popular entre as gestantes uma vez que é uma experiência fascinante para os futuros pais ver a imagem do bebê e ouvir o coração pulsando. Ainda mais com o advento da ultrassonografia 3D/4D, que possibilita uma definição maior das imagens , a procura por esse exame passou a ser ainda maior. 4.
A OMS (organização mundial da saúde) em seu documento endossado em 2016 , revisado e mantido em 2018, sobre recomendações nos cuidados pré natal para uma gravidez positiva 18 , preconiza apenas um exame ultrassom antes de 24 semanas gestacionais objetivando estimar:
Tais aspectos , segundo o documento, contribuem para reduzir a indução de trabalho de parto e melhorar a experiência gestacional da mulher.
O documento também relaciona outros fatores avaliados pelo escaneamento ultrassom:
O ultrassom obstétrico realizado para obtenção da biometria fetal, facilita a estimativa da idade gestacional no início da gestação. A avaliação exata desse parâmetro permite a realização intervenções e tratamentos adequados durante esse período, sobretudo as relacionadas a complicações como parto e nascimento prematuro e pré-eclampsia por exemplo.
A OMS, não recomenda ultrassom de rotina após 24 semanas gestacionais, no entanto se a gestante ainda não tiver realizado esse exame, poderá ser indicado para verificar o número de fetos, posição fetal e localização da placenta.
Ferlim, R. M.5 apresenta em seu trabalho, maiores detalhes a respeito de alguns aspectos do exame quando realizados em diferentes períodos gestacionais:
Ultrassonografia no primeiro trimestre: Primeiro Exame.
Estruturas avaliadas:
Principais causas de urgências/emergências obstétricas identificadas por ultrassom no primeiro trimestre:
Ultrassonografia terceiro trimestre
Bem como a OMS, a autora relaciona a principais limitações da técnica:
Para a avaliação dos benefícios e riscos do diagnóstico por ultrassom, inicialmente é necessário compreender as definições no contexto obstétrico . No geral, benefício é algo que promove ou melhora o bem estar e risco, pode ser definido como o efeito da incerteza sobre os objetivos segundo a norma ISO 31000 (2016)6 ou a provável frequência e magnitude de perda futura 7 . Sendo que, a frequência nesse contexto remete a um grau de probabilidade de algo ruim acontecer.
Desta forma, são avaliados os risco aplicado ao uso de instrumentos médicos , pela probabilidade de ocorrência, natureza e magnitude do dano8.
Segundo o guia publicado pelo American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG)9, o exame de ultrassom é um método baseado em evidências consistentes e preciso para determinar : a idade gestacional, número de fetos, a viabilidade, a localização da placenta e utilizado para o diagnostico das principais anomalias fetais . No entanto , a detecção de distúrbios do crescimento fetal e anormalidades no volume do líquido amniótico esse procedimento é baseado em limitada ou inconsistente evidência.
Dados da literatura correlacionam aspectos emocionais associado a melhora do vínculo entre a mãe ou os pais e o bebê devido a realização do exame, principalmente o ultrassom 3D e 4D 10. Além disso a OMS relaciona o ultrasson a melhora da experiência gestacional de uma mulher18.
O FDA (Food and Drug
Administration) define e relata que a ultrassonografia introduz energia dentro do corpo e, estudos laboratoriais, têm comprovado os efeitos físicos que as ondas do ultrassom pode produzir no tecido. Esses efeitos podem ser como térmicos e não termicos (ou mecanicos)11
No momento do exame, as ondas do ultrassom viajam através dos tecidos e perdem amplitude devido aos fenômenos físicos de absorção e espalhamento. Quando ocorre a absorção, a energia da onda é convertida em calor e promove o aumento da temperatura do tecido que esta sendo escaneado 12.
Isto apresenta potencial efeito deletério aos tecidos biológicos, visto que, o aquecimento pode resultar em modificações de processos fisiológicos como por exemplo alterações nas reações metabólicas, migração ou morte de células 13.
Já os efeitos não-térmicos estão relacionado a alteração de pressão e ligados a fenômenos de cavitação acústica, força de radiação e transmissão acústica. Tais fenômenos não são, a priori, uma preocupação no ultrassom obstétrico sob a perspectiva do feto, visto que, para se manifestem é necessário a presença de bolhas de ar, e o feto não contém essa característica(8,13). No entanto tais mecanismos podem ocorrer no útero mas não demonstram induzir efeitos adversos13
A sensibilidade do feto aos estímulos externos mudam durante os três trimestres de gestação. Segundo Eyal e Jacques12, a maior sensibilidade a estímulos ocorre no primeiro trismestre durante a organogênese, processo de desenvolvimento onde os primeiros tecidos embrionários vão se diferenciar e originar os orgãos e demais sistemas do organismo, assim este o principal efeito potencial adverso em embriões e fetos(8,12).
A absorção das ondas emitidas, pode elevar também a temperatura dos tecidos adjacentes . Segundo o trabalho publicado por CHURCH e seus colaboradores , esse efeito é potencializado próximo ao osso , sendo uma observação importante para os exames efetuados no segundo e terceiro trimestre, sobretudo na região craniana, onde os tecidos neurais são particularmente sensíveis ao calor 13.
Há também possibilidade de interações acústicas que podem produzir efeitos biológicos sem induzir um grau significativo de aquecimento são referidas como os mecanismos não-térmicos. Por exemplo, ultra-som diagnóstico pulsado pode aumentar a atividade fetal durante a exposição, aparentemente devido à estimulação da percepção auditiva por forças de radiação na cabeça fetal ou estruturas auditivas 13.
Além dos possíveis efeitos biológicos, segundo o trabalho publicado por Abramowicz 8 , existe outro risco associado ao ultrassom que é o erro de diagnóstico.
Os diagnósticos errados podem ocorrer durante a realização do exame ultrassom por problemas na aquisição, processamento ou exibição dos dados. Esses problemas podem gerar resultados falso positivos ( presença de falsas lesões) ou falso negativos, que ocorre quando uma anomalia não é visualizada ou apenas parcialmente identificada. Ambos erros podem levar a procedimentos terapêuticos inadequados ou ausência deles, como, por exemplo a interrupção da gestação no primeiro caso e a não identificação patologia na placenta (placenta prévia) no segundo caso. Além disso, podem ocorrer erro no relatório dos resultados como por exemplo diagnóstico equivocado de peso fetal estimado.
Apesar das questões colocadas, vale ressaltar que a disponibilidade de evidencias ainda é insuficiente para concluir qual a exata relação entre o diagnostico do ultrassom obstértrico e seus efeitos adversos sobre feto.
Calma, respira!
Como tudo na vida há a necessidade de pondera-
ção, informação e dialética são necessárias para realizarmos as escolhas. Quanto protagonistas da história, nós podemos perfeitamente discutir com o médico os motivos da necessidade dos exames e juntos chegarem a uma conclusão .
A OMS endossa o princípio de escolha informada no que diz respeito ao uso da tecnologia. Assim, os benefícios e limitações da ultrassonografia devem ser discutidos com todos os pacientes 18
Por isso os profissionais da saúde têm a responsabilidade de informar sobre o que é conhecido e o que ainda não está esclarecido sobre a ultra-sonografia durante a gestação, bem como informar a mulher, antes do exame, a indicação clínica , os benefício e os potenciais riscos 14 .
Uma recomendação geral é que o diagnóstico por ultrassom deve ser usado somente quando indicado e a exposição deve ser mais baixa o possível para obter imagens de diagnóstico8.
A Cochrane concluiu em sua revisão de 2015 , que o ultrassom de rotina na gestação após 24 semanas, para gestantes de baixo risco, não confere benefícios à mãe ou ao bebê. Não foi observado diferença nos resultados da mortalidade perinatal, nascimento prematuro (inferior a 37 semanas), na taxa de cesariana e indução no trabalho de parto para os grupos realizaram ultrassom versus os grupos que não realizaram. No entanto, segundo os organizadores, faltam dados para resultados primários como nascimento prematuro (menos de 34 semanas), efeitos psicológicos maternos e neurodesenvolvimento aos dois anos, o que reflete a escassez de pesquisa que discorrem sobre esses resultados15,16.
Eyal e seus colaboradores 12 concluíram que não há justificativa suficiente que estabeleça uma relação causal entre ultrassom e efeitos adversos reconhecidos nos seres humanos, no entanto, as mulheres grávidas devem ficar atentas a exposição exagerada ao exame, devendo considerar questões de segurança. Além disso, os autores relatam que são necessários esforços suplementares no domínio da educação e do treinamento para melhorar o conhecimento dos ecografistas quanto à operação do equipamento de ultrassom 12 .
Já o guia de orientações para obstetras e ginecologistas9, recomendaram baseados em consenso e opinião especializada (Nível C), que o momento ideal para o exame de ultrassom é de 18 a 20 semanas de gestação, na ausência de indicações específicas para exame no primeiro trimestre 9.
Diante do exposto, achei por bem descrever na íntegra o trecho em que , Michel Odent relata no livro “O renascimento do parto”, sua posição sobre o ultrassom: “ Em Pithiviers , é uma regra empregar esse tipo de exame suplementar somente quando eles propiciarem um efeito definitivo na decisão do médico ou gestante. Essa regra geral deixa com poucas indicações para se pedir uma ecografia. Fora o principio de manter as intervenções ao mínimo o uso do ultra-som. É importante lembrar que no momento, ainda não temos meios de saber como a exposição ao ultra-som, mesmo que por curtos períodos, pode afetar a mãe ou o feto. Apesar de muitos médicos e técnicos em ultra-som, acreditarem que esse procedimento é inócuo, estudos em grande escala estão em andamento, investigando seus efeitos na formação genética, desenvolvimento do feto, nas condições hematológicas e vasculares, no sistema imunológico e muito mais. Uma vez que essas pesquisas apenas começaram , ainda é cedo para conclusões definitivas. Podemos apenas esperar e ponderar sobre o que veremos a daqui quarenta anos, quando uma ou duas gerações tiverem sido, literalmente, sacudidas in útero por ondas sonoras.”17
Referências bibliográficas
[1] .Escaneamento ultrassom. disponível em ( https://www.nhs.uk/conditions/ultrasound-scan/). Acesso em 16/02/2018.
[2] Ultrassom pré-natal. Disponível em: (https://www.webmd.com/baby/ultrasound#1). Acesso em: 16/02/2018.
[3] Imagem de ultrassom.Disponível em https://www.fda.gov/radiation-emittingproducts/radiationemittingproductsandprocedures/medicalimaging/ucm115357.htm.Acesso em 15/02/2018.
[4] Ultrassonografia na gestação: riscos e benefícios. Disposnível em <http://parirenascer.blogspot.com.br/2014/10/ultrassonografia-na-gestacao-riscos-e.html> . Acesso em 16/02/2018.
[5] Ultrassom no pré natal. Disponível em: <www.saude.pr.gov.br/arquivos/File/ACS/ultrassom_pre_natal.pdf> Acesso em: 16/02/2018.
[6] Gestão de riscos. Disponível em: https://www.iso.org/standard/44651.html). Acesso em 15/2/2018.
[7] An Introduction to Factor Analysis of Information Risk. JONES, J. A.v. 1, n. 614[s.d].
[8]Benefits and risks of ultrasound in pregnancy. ABRAMOWICZ, J. S. v. 37, p. 295–300, 2013.
[9] Ultrasonography in
Pregnancy. Clinical management guidelines for obstetrician gynecologists.Vol. 113, N. 2, 1, 2009.
[10] Effects of ultrasound on maternal-fetal bonding: a comparison of two- and three- dimensional imaging. Ji.E.K et al. Ultrasound Obstet Gynecol. 25: 473–477,2005.
[11] Imagem de ultrassom. Disponível em: https://www.fda.gov/radiation-emittingproducts/radiationemittingproductsandprocedures/medicalimaging/ucm115357.htm . Acesso em: 15/02/2018.
[12] A Symposium on Obstetrical Ultrasound : Is All This Safe for the Fetus ? .S. Eyal ;AbramowiczJ.S.. v. 55, n. 1, p. 188–198, 2012.
[13] Quantification of risk from fetal exposure to diagnostic ultrasound.Church, C. C.; Miller, M. W. v. 93, p. 331–353, 2007.
[14]Ultrassonografia: Mais mal do que bem?. Disponível em (http://maternajapao.blogspot.com.br/2009/11/ultra-sonografia-mais-mal-do-que-bem.html). Acesso em: 15/02/2018.
[15] Routine ultrasound in late pregnancy (aſter 24 weeks’ gestation). Cochrane Database of System- atic Reviews, 2015.Bricker, L., Medley, N., & Pratt, J. J.
[16] Commentary on a Cochrane Review of Routine Ultrasound in Late Pregnancy. Newsom, C. T. p. 535–536, 2016.
[17] O Renascimento do Parto. Tradutor Roland B. Calheiros. Odent,M.Editora Sant Germaim,2002.
[18] WHO Recommendations on Antenatal Care for a Positive Pregnancy Experience: Ultrasound Examination
Highlights and Key Messages from the World Health Organization’s 2016, rev 2018. Disponível em: <http://www.who.int/reproductivehealth/publications/maternal_perinatal_health/anc-positive-pregnancy-experience/en/>. Acesso em : 14/02/2018.
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