Minha história como doula começou lá atrás, em 2004, mas eu demorei pra perceber isso. Foi quando meu primeiro filho, João Octávio, nasceu em uma maternidade do SUS em um parto normal repleto de violência obstétrica.
Claro que eu também não sabia disso na época. Até então eu achava que parto normal era o normal e que cesárea só era feita em caso de necessidade. Achava que os médicos sabiam tudo e eu não poderia questioná-los.
Na consulta pós-parto, com o obstetra particular com quem fiz meu pré-natal, eu queria saber do tal do “pique” (episiotomia):
“Pra que isso, Doutor?”
“Pra ajudar o bebê a nascer.”
“Sim, mas por que?”
“É assim, sempre precisa fazer.”
“Mas por que, Doutor?”
“Porque sim!”
Parece que esse “porque sim” ecoa na minha mente até hoje!
Sempre fui questionadora, curiosa. Depois desse “porque sim” fui pesquisar que história de “pique” era essa e pela primeira vez vi as expressões “intervenções desnecessárias” e “parto humanizado”.
Mas não foi logo, não. Nos primeiros dias pós parto eu não queria mais saber de ter filhos: não queria passar por aquilo de novo, mas também não via sentido em fazer uma cesariana para evitar o parto normal. “Cirurgia é cirurgia” sempre foi meu pensamento.
Aqui a história dá um salto permeado por anos de estudo e pesquisas. Fiquei aficionada pelo temas parto normal e, depois, amamentação. Também fui mal orientada e não consegui seguir amamentando meu filho mais velho.
Nesse post você vai encontrar
Cerca de 8 anos depois veio a decisão do segundo filho. Aprofundei e intensifiquei os estudos. Na época eu não conhecia nenhuma doula ou grupo de apoio em minha cidade. Não sentia firmeza na minha obstetra, mas também não tinha coragem nem sabia como procurar outro. Me lembro de pensar: “tá, como eu faria? Saio agendando com todos os médicos? Em ordem alfabética? Faço ‘uni duni tê’?”
Acabei indo para o hospital já bem avançada, com 8 cm de dilatação, mas fiquei sozinha com a equipe enquanto marido fazia minha internação. Desesperei. Pedi analgesia. Aplicaram. Daí pra lá foi, de novo, uma sequência de intervenções e violências.
Caí no conto da GO “fofinha”!
Me senti culpada durante muito tempo. Eu estudei tanto, por que não consegui um parto normal respeitoso? Culpa por mim e por minha filha!
E assim descobri o alto custo de não ter uma doula, alguém que oriente, indique, ajude, fique do seu lado, te acalme…
A doula oferece suporte emocional e físico para a gestante pode contribuir para melhorar a participação das gestantes nos encontros de pré-natal.
Estudos indicam que o suporte contínuo oferecido por uma doula contribui para reduzir o tempo de duração do trabalho de parto, redução nos pedidos de analgesia farmacológica, redução nos índices de cirurgias cesarianas, maior satisfação com a experiência do parto e maior nota de APGAR nos recém-nascidos.
Além disso, a atuação da doula também resulta em melhores resultados no aleitamento materno, especialmente no período logo após o parto.
Alguns estudos também compararam o suporte oferecido pela doula com o suporte oferecido por outras figuras atuantes no parto (profissionais e acompanhantes) e os resultados positivos do suporte prestado pela doula superam os resultados sem sua atuação.
O desejo do 3º filho já crescia há tempos em meu coração. Veio o positivo e, com ele, o desespero. Já conhecia a equipe de doulas que viria a me atender e participava do Gesta sempre que possível.
Estava com outro obstetra, mas não confiava nele. O parto domiciliar não era opção, pois não tinha equipe. Dinheiro era um problema.
Com 20 semanas de gestação conheci uma nova equipe (médicos obstetras, enfermeiras obstétricas e pediatra) e marquei consulta. Encontrei o médico!
Fechei com as doulas, mas só poderia pagar o valor total lá com 38 semanas. Toparam!
Depois de muito estudar e sonhar, pude desfrutar de todos os benefícios de ter uma equipe de doulas. Passei a querer doula sempre, para tudo! Me beneficiei dos diferentes perfis de cada uma que fazia parte da equipe, criei um vínculo e um carinho especial e diferente com cada uma.
Neste parto fui resgatada, curada. De um dia para o outro entendi e conheci a potência de meu corpo, a potência de ser mulher, toda a minha capacidade produtiva e de criação. Resolvi minha sexualidade, fiz as pazes com meu corpo, meu ciclo e saí transformada, me sentindo capaz de, com o apoio correto, com o devido suporte, mudar o mundo! Nunca mais eu seria a mesma, jamais eu poderia deixar esse mundo sem fazer algo de bom por ele.
Descobri o quanto realmente vale uma doula. Descobri que na verdade não tem preço! Descobri que aquela mão que te resgata do olho do furacão não pode ser paga por nenhum valor monetário.
Descobri que toda a técnica que eu havia estudado era nada perto do olhar atento que com duas palavrinhas e um baita sorriso me disse tudo: “Que bom!”
Isso foi quando eu lá na “partolândia”, não tinha mais noção do que acontecia, achei que fosse desmaiar de exaustão, que não daria conta e foi isso, essas duas palavrinhas com um sorriso enorme, que ela me respondeu quando eu disse: “estou zonza!”. E ali eu entendi! Eu entendi aquele sorriso!
Ela não precisou explicar nada, me disse tudo que eu precisava ouvir e saber com aquele sorriso. E eu precisava, depois disso, retribuir!
Já que dinheiro não paga, queria ajudar outras mulheres. Essa seria minha forma de agradecer. Fui estudar, não pretendia ser doula, apenas ter mais ferramentas para contribuir.
Retorno à minha cidade natal, 99,4% de cesáreas na rede privada. Perto dos 80% no SUS. Nenhum profissional alinhado com o movimento do parto humanizado.
Muitas vezes fui dura com as palavras ao tentar mostrar o quanto essa realidade chegava a ser amoral. Me arrependo! Aprendi!
A cada diferente mulher que tive oportunidade de conhecer, com suas particularidades e diferentes realidades, aprendi a ter um olhar mais terno gentil. Ao mesmo tempo que vou construindo uma maior capacidade de empatia, também aprendo a olhar mais gentilmente para minha própria maternagem.
Um dia, na rede social, um post: parto normal com doula no principal hospital privado da cidade. Hesitei, mas chamei a pessoa para conversar de forma privada. Era a doula! Começamos a nos entrosar, fizemos ação em prol da amamentação juntas. Eu concluía o curso de doula e ela precisava de uma backup para um dia para a irmã dela que estava gestante.
Já falávamos sobre uma equipe na época, mas eu intencionava ficar como apoiadora.
Sobrinho dela escolheu aquele único dia de sua ausência para nascer.
Voltei para casa extasiada! Vai ter equipe de doulas sim!
Nasce a DOULARE – Doulas de Araçatuba e Região. Iniciamos do jeito que dava, insistindo, persistindo.
Parece que desde o início somo constantemente tentadas a desistir. Vivências que outras doulas há mais tempo na estrada às vezes não passaram, já vivenciamos.
Somos impelidas a amadurecer profissionalmente com muita rapidez. Nossa busca é constate! Seguimos estudando para melhor atuar, mas também buscando ferramentas e conhecimentos de suporte para que possamos desempenhar bem nosso papel.
A equipe cresceu, hoje somos três integrantes e seguimos com um único e verdadeiro propósito: “Bora humanizar?”
Para saber mais sobre a atuação da doula, seus benefícios e resultados devidamente comprovados, confira:
https://www.cochrane.org/CD003766/PREG_continuous-support-women-during-childbirth
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29855838
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Que história linda! Minha doula amada! 😍❤️🙏🏼👊🏼
Obrigada Cyana! Quem sabe não teremos mais uma doula surgindo aí da sua experiência! Novos frutos já temos!
Ainda bem que houve esse "porque sim", não é mesmo?!
Grata à Deus por lhe conhecer! 🙏
Quem diria que após anos iríamos nos encontrar novamente nesse contexto da vida 💕
Nossa! Emocionei Pri! Deus abençoe! Com ctz! A vida nos reserva gratas surpresas! Obrigada pelo privilégio de participar de um momento tão especial!
Nunca tinha ouvido falar em Doula. Tive 3 filhos de parto normal, e confesso que com a mais nova, foi o melhor parto porque (não deu tempo) foi sem anestesia. Apgar 10! Será que fui Doula de mim mesma?
Sabendo disso posso afirmar que gostaria de ter tido essa orientação, porém em cada parto houve uma evolução.
Parabéns DoulaJandi!!
Rsrsrs Muito obrigada, Rosa!
Sem dúvida cada um é um novo aprendizado!