Contei anteriormente minha história resumida Aqui e agora sinto esse ímpeto de partilhar uma de minhas maiores dores e que venho buscando constantemente re-significar e converter em trabalho em prol das mulheres.
Ainda tenho sequelas físicas do parto. As emocionais… Essas não sei dimensionar. Mas, vamos por partes.
Nesse post você vai encontrar
Minha segunda filha foi uma gestação planejada, para a qual me preparei com exercícios físicos e alimentação saudável. Dessa vez eu estava me dedicando muito para ter uma experiência completamente diferente. Queria um parto natural, “hands off” (ou seja, que o médico não põe a mão).
Toda dúvida que eu tinha ou algo diferente que sentia a médica me encaminhava para um especialista. Eu confesso que ficava irritada, queria que ela mesma resolvesse tudo, mas depois percebi que era o correto a ser feito. Confiava nela.
Como foi uma gestação planejada eu estava atenta aos sinais do meu corpo, muito conectada. Sentia extremo cansaço e falta de ar e fui encaminhada a um cardiologista. Descobri uma leve arritmia cardíaca, congênita, sem maiores reflexos para minha saúde. Pediu apenas que eu me poupasse um pouco de esforço e estresse. Afinal, fabricar um ser humano já sobrecarrega o organismo.
Bem, o fato é: não era impeditivo para o parto normal. Aliás, a maior parte das cardiopatias não contraindica um parto normal, visto que uma cirurgia pode trazer ainda mais riscos. Em alguns casos é indicado um parto normal com analgesia e fórceps de alívio para reduzir o risco de sobrecarga do coração. Isso não havendo outros fatores a considerar, devendo individualizar a avaliação.
Outros fatores surgiram que demandaram alguma investigação, mas nada preocupante ou impeditivo para um parto normal.
Ainda assim, a médica dizia coisas como:
“Não precisa se preocupar com o parto!”
“Estando tudo bem, o parto normal é possível!”
“Não dá pra prever se vai precisar de alguma intervenção ou não.”
“Tem certeza que não vai querer analgesia? A maioria não aguenta!”
“As pacientes sempre falam que querem parto normal, mas depois desistem.”
“Plano de parto? Não vejo necessidade! Eu sei o que fazer!”
“Só dá pra saber na hora se vai ou não precisar de episiotomia, e você já tem uma anterior, então…”
Todos os sinais estavam ali, bem na minha frente. Sinais de médico acostumado a cesáreas ou partos normais cheios de intervenções de rotina.
Eu não conhecia nenhuma doula ou grupo de apoio na época. Não sabia como procurar outro médico. Como saber qual a melhor opção, qual médico ou de que forma poderia buscar a melhor opção que me permitisse ter meu parto respeitado.
Assim, prossegui com a mesma obstetra, confiando em meus estudos e nas orientações que passava para meu marido. Confiava que ele “brigaria” por mim se fosse necessário.
Tive uma fase latente do trabalho de parto (fase antes de “engrenar”, antes da fase ativa) longa. Uma ruptura alta de bolsa das águas que passou despercebida, mas que levou a contrações mais doloridas. Cerca de 36 horas de trabalho de parto (contando desde essa fase latente, mas em que as contrações já eram bastante dolorosas).
Dei entrada no hospital pouco mais de 22 horas. Marido ficou fazendo minha internação e fui levada sozinha para avaliação. Médica ainda não tinha chegado.
8 cm de dilatação! Desespero, dor, sozinha!
Disseram que iriam colocar um “sorinho” para hidratar. Ocitocina sintética. Dores ficaram bem piores! Sei porque depois pedi cópia de meu prontuário. Aliás, sabia disso? O prontuário é da mulher e o hospital pode cobrar somente o custo das fotocópias.
Pedi analgesia. Não estava aguentando. A bolsa completou seu rompimento. Me assustei quando senti. Ainda sozinha! Ninguém me encorajou ou me animou a lembrar que estava quase acabando. Também não fui orientada sobre os riscos da analgesia, especialmente quando mal aplicada como foi meu caso. Risco de atrapalhar o andamento do trabalho de parto, risco de passar para o bebê, perda de movimentos, etc.
Fui maltratada pelo anestesista que me mandava “ficar quieta” mesmo com contrações intensas. Aplicou. Foi um alívio (da dor)! Médica chegou. Disse que tinha que ir para o Centro Cirúrgico. Questionei. Disse que os bebês tinham que nascer lá obrigatoriamente.
Fui levada de maca. Não vi meu marido. Disseram que ele estava vindo. Briguei, tinha medo, queria vê-lo. Enfermeiras foram chamar e ele veio me avisar que ia se paramentar. Equipe me disse que assim que eu estivesse pronta ele poderia entrar. Pedi pelo amor de Deus para ele não me deixar sozinha e não deixar me operarem.
Tive um parto cheio de intervenções (que eu não queria). Quiseram amarrar minhas pernas e não deixei, ficaram me mandando fazer força comprida e foi feita uma episiotomia sem eu sequer ser informada a respeito. Minha filha nasceu às 23:50 e foi colocada em meu peito, mas logo foi levada. Estava molinha. Anestesia passou para ela. Só então a médica me informou que ia costurar porque precisou cortar.
Não existem palavras para descrever o que senti nesse momento.
Fui para o quarto sentindo muita coceira. Efeito colateral da anestesia do qual nunca fui informada, até acontecer. Não traziam minha filha para mamar. Eu ficava pedindo e não traziam. Só trouxeram ela cerca de 3 horas depois, quando ameacei que se não trouxessem eu iria buscá-la sozinha!
Minha filha teve conjuntivite química por conta do colírio. Levou cerca de 6 meses para curar.
Era um hospital “Amigo da Criança”!
Vai fazer 6 anos que isso aconteceu. Escrever essas palavras foi muito mais doloroso do que presumi que pudesse ser.
Depois disso ainda tive outro filho de parto natural humanizado, sem episiotomia, sem laceração.
Eu sentia muita culpa pelo que houve. Me considerava responsável. Os sinais estavam todos lá, por que eu não fiz algo? Hoje, racionalmente sei que não foi culpa minha, que todas as mulheres deveriam ter uma boa assistência sem precisar lutar tanto por isso. Convencer o coração…. Isso é diferente! Hoje preciso de tratamento para uma sequela daquela episiotomia. E isso é “só” a dor física.
As pessoas costumam perguntar “Quanto custa uma doula?”, se é barato, caro…
Para mim, o custo de não ter tido uma doula, que me orientasse, não só a mim, mas ao meu marido também; para que eu não ficasse sozinha, que tivesse apoio, encorajamento, informação… ainda é um custo que não consigo estimar, pelo qual ainda estou pagando:
Em moeda emocional;
em moeda física (desconforto, dor, etc);
em moeda financeira (tratamento).
https://www.cochrane.org/CD003766/PREG_continuous-support-women-during-childbirth
http://publicacoes.cardiol.br/consenso/1999/7203/7203.pdf
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