Gabriella. Feminista e pisciana. Contadora de histórias no passado. Faladora de poesias para sempre. Já lecionou literatura para jovens e adultos. Não viajou o suficiente pelo mundo (ainda). Casou no alto de uma montanha com o poeta dos seus sonhos. E há três anos ganhou a companhia de Olívia, um bebê que já chegou desconstruindo tudo que até então Gabriella havia planejado e tudo que ela sabia sobre a vida e sobre o amor.
(Não havia imaginado o quão difícil era falar de mim mesma. Me pareceu uma boa saída utilizar a terceira pessoa do discurso pra isso…rs. Pelo menos para começar. Agora que vocês já sabem um pouquinho de mim, vou mandar o papo reto, na primeira pessoa mesmo.)
Nesse post você vai encontrar
Em 2014, durante a gestação de minha filha Olívia, descobri o que era uma doula e todo um mundo de ações que visam o respeito às escolhas da mulher sobre sua vida reprodutiva, gestação, parto, pós-parto e amamentação, para o qual dão o nome de humanização. A Política Nacional de Humanização da atenção e da gestão no SUS (PNH) foi criada em 2003, mas até hoje é desconhecida pela maioria das mulheres e atores envolvidos na atenção obstétrica no Brasil. Quer saber mais sobre isso? Dá uma olhada aqui no Caderno Humaniza SUS
A gente acha que ter filho de forma natural é fácil, mas em um país em que 55,5% dos nascimentos são via cirurgias cesarianas, conforme últimos dados do Portal da Saúde – beirando os 80% se focarmos apenas na rede privada de saúde – isso se torna uma batalha das grandes! Não que a doula faça tudo acontecer, longe disso. Ela é um dos recursos facilitadores que a mulher/gestante pode querer presentes no seu parto. Ou não. Para mim, a doula foi aquela pessoa que me fez tirar a venda dos olhos.
Até então eu achava que tinha grandes chances de parir com respeito indo para emergência de uma maternidade de luxo. Ela não disse que eu não conseguiria. Não me trouxe respostas, e sim um monte de “Mas, e se?” “E nisso, você pensou?” “Tem certeza sobre essa conduta?” e alguns dados e estudos para eu ler. Colocou aquela pulga atrás da minha orelha que me fez procurar saber tudo com detalhes.
Os benefícios de ter o apoio de uma doula já foram comprovados em alguns estudos científicos e a partir deles se conclui que, de uma forma geral, os resultados deste tipo de suporte são muito favoráveis, já que há uma redução da taxa de cesarianas, do uso de recursos farmacológicos para alívio da dor, da duração do trabalho de parto e há também um grande aumento na satisfação materna com a experiência vivida. Este artigo aqui traz um resumo de alguns desses estudos.
Ter uma doula fez muita diferença na minha gestação e faz diferença até hoje na minha maternagem. Saí daquele piloto automático no qual a gente monta porque um monte de outras pessoas (outras mães, médicos, parentes, mídia) afirmam, ainda que implicitamente, já terem pensando em tudo por nós. Eu tomei as rédeas daquela situação. E mergulhei fundo em busca de um parto e de uma assistência respeitosos.
Não pari. Minha filha apresentou batimentos cardíacos não tranquilizadores após eliminação de mecônio e uma cesariana foi essencial para trazê-la com vida ao mundo. Mesmo assim, teve muitas complicações e vivemos os primeiros 73 dias na Unidade de Terapia Intensiva.
O início da amamentação de Olívia foi bem difícil por conta disso. Quando você é mãe de UTI seu emocional tá uma bagunça, seu foco são aqueles monitores que não param de apitar e sua vida é ficar colada naquela incubadora conversando com seu bebê e pedindo infinitamente a Deus pelo seu milagre. Nesse contexto muitas vezes a amamentação não acontece. Mas não é apenas por conta da situação desafiadora de estar dia e noite numa UTI que muitas mulheres acabam não amamentando. Não. É pela falta de apoio e orientação também. Não foi o meu caso.
Principalmente da minha doula, que, para além das minhas expectativas, se manteve ao meu lado – não dizendo que tudo ia ficar bem porque ninguém sabia se realmente iria ficar tudo bem – mas me fazendo olhar mais pra frente. Havia chances de tudo dar certo. Eu ainda poderia amamentá-la se quisesse. Orientou-me a procurar a sala de ordenha da maternidade, me estimulou a ordenhar nas madrugadas (mas também entendeu quando eu não o fazia porque tudo que eu queria era descansar), me deu mil dicas para tentar manter a produção de leite. Fui doulada em todo o meu puerpério. E, com 30 dias de nascida, Olívia foi ao peito pela primeira vez e nele ficou até completar 3 anos de vida.
Esse foi o início da minha história de amor com a doulagem. Mesmo com todos os percalços, vivenciei o que era o resultado do trabalho de uma doula. Me senti acolhida, fortalecida, segura e respeitada. E me apaixonei pela possibilidade de viver fazendo isso. De estar junto, de apoiar e amparar mulheres durante momentos tão especiais.
Uma amiga querida me presenteou com o curso básico de doula (obrigada, Bianca ❤) em Março de 2016. Logo depois, em Julho de 2016, fiz o curso avançado e em seguida o curso de Educadora Perinatal, todos pelo Grupo de Apoio à Maternidade Ativa (GAMA)/Levatrice, no Rio de Janeiro. Além do trabalho como doula, faço parte do coletivo de educadoras perinatais Mãe Possível, que promove cursos, workshops e rodas de conversa sobre temas inerentes à maternagem. Atuo em toda a região metropolitana do Rio de Janeiro.
Comecei a atuar como doula em Outubro de 2016. Como dizem, a primeira vez a gente nunca esquece! No momento em que vi aquela mulher em trabalho de parto fiquei completamente alerta. Alerta às suas necessidades e aos seus desejos. Quando a galera vai fazer texto explicando o que é uma doula normalmente recorre para etimologia e vai lá no grego resgatar a origem do termo e sua tradução que seria “escrava” ou “aquela que serve”. Não acho que essa descrição dê conta do que eu faço. Eu fiquei sim a serviço daquela mulher, mas o que nos envolvia não era apenas a empatia que tínhamos em comum, um contrato ou o estar a serviço. Era o privilégio de presenciar a chegança de uma vida, a força feminina em forma de geração e o quanto aquele momento fez eu mesma me sentir viva como nunca. Viciei na ocitocina. 😉
Gabriella Santoro
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Referências que basearam meu texto:
Frequência de cesarianas na América do Sul: Villar J, Valladares E, Wojdyla D, Zavaleta N, Carroli G, Velazco A, Shah A, Campodónico L, Bataglia V, Faundes A, Langer A, Narváez A, Donner A, Romero M, Reynoso S, de Pádua KS, Giordano D, Kublickas M, Acosta A;
WHO 2005 global survey on maternal and perinatal health research group.
Caesarean delivery rates and pregnancy outcomes: the 2005 WHO global survey on maternal and perinatal health in Latin America. Lancet 2006; 367:1819-29.
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