Anos atrás, uma gestante estava em trabalho de parto no hospital, recebendo sua primeira filha, muito desejada.
Enquanto isso, em outra parte da cidade, eu, muito antes de decidir ser mãe, recebia uma mensagem de texto de seu marido, meu amigo desde a escola:
– Taty, pra você, é cesárea.
Quando perguntei a razão, recebi a resposta de que eu não aguentaria a dor.
– A x é super resistente e está sofrendo pra caramba.1
Uma pessoa normal se conformaria e aceitaria o conselho, pois quem quer sofrer, não é mesmo? Mas eu não sou uma pessoa normal (não sei se isso é bom ou ruim) e tomei esse conselho como um desafio.
“Ah é? Eu não aguento? Então eu vou ser a pessoa mais parideira e aguentadora de dor do mundo.”
Eu nem sabia, mas naquele momento nascia a Taty ativista do parto. E eu ainda nem pensava em filhos!
Nesse post você vai encontrar
Comecei a estudar. Descobri então a realidade obstétrica do Brasil. Nossos recordes mundiais de cesárea.2 A violência obstétrica dos partos vaginais.3 Entendi o porquê de eu ter nascido de cesárea. Porque meus 3 irmãos chegaram pelo mesmo caminho.
No meu caso, os médicos disseram pra minha mãe que eu “passei do tempo”, não queria nascer e a cesárea era necessária.4 Já tenho fama de preguiçosa desde o útero.
Obrigada por isso medicina intervencionista.
Considerando que eu nasci nos anos 80, no boom da cesárea, é fácil estimar que meu “passar do tempo” não foi pós 42 semanas, mais provável que eu nem tenha passado das 40, talvez nem das 38. E isso já era considerado muito, lembrando que até hoje as pessoas acham que a data provável de parto é o limite pro bebê nascer sem riscos.
Nem posso reclamar que eu teria a chance de não nascer em gêmeos se esperassem minha hora já que nasci nos primeiros dias do signo, mas poderia ter me poupado de ter dois ascendentes, libra e virgem. Já viram uma perfeccionista indecisa? É o inferno na terra.
A cesárea da minha irmã veio pela falácia do “uma vez cesárea, sempre cesárea”. Meu irmão teve um motivo a mais, a famosa cesárea pra laqueadura. Ué Taty? Laqueadura? Mas não eram 3 irmãos?
Como todo método anticoncepcional, a laqueadura também tem taxa de falha e no caso da minha mãe… FALHOOOOU! (“só engravida quem quer” mandou abraços).5 E lá veio a quarta cesárea da minha mãe.
Ninguém falou pra ela dos riscos.6 E até hoje, ninguém fala.
As gestantes que “escolhem” cesárea vão de olhos vendados. Já os riscos do parto normal, esses sim, são espalhados aos ventos, pelas mídias e no boca a boca, com a fala pronta pra sair assim que sabe de alguém que tenha a ousadia de querer parir no Brasil.
Estudar abriu a minha caixa de Pandora, conheci esse lado obscuro da obstetrícia, mas também me permitiu descobrir uma coisa incrível, um tal de parto humanizado!7
Descobri que em pleno século 20, as pessoas podem parir em casa, em um tal de parto domiciliar! Descobri um ser mítico que ajuda a gestante durante o trabalho de parto, uma tal de doula!8
Foi aí que decidi que não somente eu ia parir, mas que eu ia parir em casa.9 E pasmem, não somente eu queria uma doula me acompanhando no parto, mas eu ia ser doula!
Queria eu também poder ajudar aquelas que, como eu, querem ter sua fisiologia respeitada, esperar o tempo do seu bebê (hipotético ainda, lembram?) e não serem submetidas a uma cirurgia de grande porte desnecessariamente.
Tudo muito lindo, mas e como faz? Por onde começar?
Com meu bom combo zodiacal horroroso, só poderia começar com muita pesquisa, comparação entre cursos, tabelas e muitas, muitas dúvidas. Foi então que outra amiga linda engravidou e surgiu a oportunidade de doular ela.
Corri atrás de cursos que pudesse fazer antes do nascimento, conciliando com meu trabalho. Não rolou (óbvio), mas fizemos juntas um curso de preparação para o parto e, na tentativa de ajudar com a dor, fiz um curso de massagem para gestação, parto e pós parto.10
Como o universo era brincalhão, a doula que daria a parte do parto teve que sair para um… PARTO! Uma amostrinha de como a vida de doula, acima de tudo, é imprevisível!
Por sua vez, minha amiga foi do seu plano A – casa de parto, pro B – hospital (que àquela época não aceitava doulas), para um C – cesária super indicada. Mostrando que partos, acima de qualquer coisa, também são imprevisíveis. No fim, doulei o pai, acalmando ele e guardando as malas até estar tudo bem e eles irem para o quarto. Nada como imaginei que minha estreia na doulagem seria, mas mesmo assim, como tinha que ser.)
Mas o universo também dá umas dicas boas do caminho a se seguir. A doula que deu as outras partes do curso de massagem falou sobre um outro curso, de doula pós parto. Me tornar doula de pós parto antes de ser de parto? Cadê lógica senhor?! Mas quem disse que trabalhar com parto tem que ter lógica, né? E me entreguei. E foi incrível e mudou minha vida.
Eu já vinha planejando engravidar. Tinha tudo certo:
exames ✔
berço ✔
bebê conforto ✔
carrinho ✔
ácido fólico e vitaminas ✔
parar método anticoncepcional…
Em uma das atividades de autoconhecimento do curso, que visava olhar para si antes de olhar para os outros, eu vi o rosto de um bebê. Naquele momento, decidi: se for pra ser, vai ser, se não for, não vai e está tudo bem.
…parar método anticoncepcional ✔
O curso terminou em um domingo. Três domingos depois, eu estava olhando para dois risquinhos rosas. Eu era mãe.
Quando foi criado o curso de doula do grupo que me acompanharia no parto, não pensei duas vezes e me entreguei também, mesmo sabendo que estaria super grávida ao fim dele. O curso de doula pós parto me ajudou a levar uma gestação leve, então pensei, porque não?
O curso terminou em um sábado. Dois sábados depois, na madrugada pro domingo, minha bolsa estourava. Carina chegou debaixo d’água, na nossa sala, depois de um trabalho de parto rápido, numa manhã de domingo.
Quatro meses depois eu pedia demissão, dava adeus ao mundo corporativo e olá ao mundo dos partos. Minha exterogestação chegava ao fim, era hora de doular.
Quer conhecer mais sobre meu trabalho ou falar comigo? Clique aqui!
1 Sobre a dor do parto
Lowe, N. (1996), The Pain and Discomfort of Labor and Birth. Journal of Obstetric, Gynecologic & Neonatal Nursing, v. 25, n. 1, 82 – 92.
Cook, A. and Wilcox, G. (1997), Pressuring Pain: alternative therapies for labor pain management. AWHONN Lifelines, v. 1, 36-41.
Kaviani, M., Maghbool, S., Azima, S., & Tabaei, M. H. (2014). Comparison of the effect of aromatherapy with Jasminum officinale and Salvia officinale on pain severity and labor outcome in nulliparous women. Iranian journal of nursing and midwifery research, v. 19(6), 666–672.
Barbieri, M. et al. (2013), Banho quente de aspersão, exercícios perineais com bola suíça e dor no trabalho de parto. Acta paul. enferm., v. 26, n. 5, 478-484.
Borges, O. et al. (2014), Avaliação da efetividade de métodos não farmacológicos no alívio da dor do parto. Revista da Rede de Enfermagem do Nordeste, v. 15, n. 1, 174-184
Anim‐Somuah, M. et al. (2018), Epidural versus non‐epidural or no analgesia for pain management in labour.. Cochrane Database of Systematic Reviews, V. 5.
2 Sobre as taxas de cesária
Tesser, C.D. et al. (2011), Os médicos e o excesso de cesárias no Brasil. Sau. & Transf. Soc., v.2, n.1, 04-12.
Barros, A.J.D. et al. (2011), Patterns of deliveries in a Brazilian birth cohort: almost universal cesarean sections for the better-off.. Rev. Saúde Pública, v.45, n.4, 635-643.
Boerma, T. et al. (2018), Global epidemiology of use of and disparities in caesarean sections. The Lancet, V. 392, N. 10155, 1341-1348.
Organização Mundial de Saúde: Declaração da OMS sobre Taxas de Cesáreas
3 Sobre violência obstétrica
Palharini, L.A. (2017), Autonomia para quem? O discurso médico hegemônico sobre a violência obstétrica no Brasil. Cadernos Pagu, n.49, e174907.
Estumano, V.K.C. et al. (2017), Violência obstétrica no Brasil: casos cada vez mais frequentes. Revista Científica de Enfermagem, v. 7, n. 19, 83-91.
4 Sobre razões reais e fictícias de cesária
Souza A.S.R., Amorim M.M.R., Porto A.M.F. (2010), Indicações de cesariana baseadas em evidências: parte I. FEMINA, v. 38, n. 8, 415-422.
Souza A.S.R., Amorim M.M.R., Porto A.M.F. (2010), Indicações de cesariana baseadas em evidências: parte II. FEMINA, v. 38, n. 9, 459-468.
Souza A.S.R., Amorim M.M.R., Porto A.M.F. (2010), Condições frequentemente associadas com cesariana, sem respaldo científico. FEMINA, v. 38, n. 10, 505-516.
5 Sobre taxa de sucesso dos métodos anticoncepcionais
Poli, M.E.H., et al. (2009), Manual de anticoncepção da FEBRASGO. . FEMINA, v. 37, n. 9, 459-492.
6 Sobre riscos da cesária e do parto normal
Souza, J. et al. (2010) Caesarean section without medical indications is associated with an increased risk of adverse short-term maternal outcomes: the 2004-2008 WHO Global Survey on Maternal and Perinatal Health. BMC Med 8, 71.
7 Sobre parto humanizado
Moura, F. M. J. S. P. et al. (2007), A humanização e a assistência de enfermagem ao parto normal. Revista brasileira de enfermagem, v.60, n.4, 452-455.
8 Sobre doulas
Romero, A.S. (2017), Conhecimento do papel da doula na fase da gestação, parto e pós-parto. Trabalho de conclusão de curso (licenciatura – Pedagogia) – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Instituto de Biociências (Campus de Rio Claro).
Barbosa, M.B.B. et al. (2018), Doulas como dispositivos para humanização do parto hospitalar: do voluntariado à mercantilização. Saúde Debate, v. 42, n. 117, 420-429.
9 Sobre parto domiciliar planejado
Koettker, J.G. et al. (2013), Partos domiciliares planejados assistidos por enfermeiras obstétricas: transferências maternas e neonatais. Rev Esc Enferm USP, v. 47(1), 15-21.
Frank, T.C. & Pello, S.M. (2013). A percepção dos profissionais sobre a assistência ao parto domiciliar planejado. Rev Gaúcha Enferm., v.34(1), 22-29.
9 Sobre os cursos que fiz
Massagem na gestação, parto e pós parto – GAMA
Curso de Doula Pós Parto – Commadre
Formação de Consultora em Aleitamento Materno – Commadre
Workshops diversos de rebozo, aromaterapia, acupressão, aleitamento, massagem – Siaparto
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