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Carta a uma mãe no puerpério

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Puérpera e seu bebê. (imagem: flickr)

Já faz algum tempo que queria conversar com você mas o puerpério anda difícil né? Percebi que andas fugindo do assunto nas vezes que nos falamos e tudo bem.  Dá pra ver que ainda dói demais para você falar sobre o dia do seu parto. Você acabou de se tornar puérpera e quero te dizer que tá tudo bem se sentir assim.  Tô aqui para dizer que tudo que eu queria era te dar um abraço e dizer que vai ficar tudo bem um dia. Que essa dor pela frustração desse parto que não veio, pelo sonho que ficou pelo caminho e a esperança de finalmente sentir as dores e os amores de ter sua filha chegando ao mundo, como você sempre quis, uma hora vai acalmar.

Aquele bate papo com café 

Café com amor de doula (Imagem: Flickr)

Lembro do dia que nos conhecemos. Do brilho no olhar, da força que você tinha para lutar por esse parto. Era sua segunda gestação e você queria fazer do seu jeito, da melhor forma para vocês duas e tentar aquele VBAC (vaginal birth after C-section). Como doula, me senti orgulhosa e tranquila. Estava na minha frente uma mulher que sabia o que queria.  Você estava disposta a vencer céus e terra por esse parto. E seguimos juntas por esse caminho.

E ela sentou e ficou

Bebê sentado, bebê pélvico.

Os meses foram passando e a mocinha na sua barriga bateu o pé e sentou. E isso te deixou triste e desanimada. Eu esperei, observei suas reações e ouvi suas dúvidas e medos.  Enfrentar um parto pélvico não é mesmo para qualquer um e encontrar equipe que aceite acompanhar também não é lá tarefa muito fácil.
Os seus medos eram os meus também e eu entendia suas limitações em relação à eles. Vi o brilho do seus olhos murchando, vi o apoio que você tinha da família se esvaindo em cada tentativa de explicar que ainda dava tempo, para não perder as esperanças de que ela podia virar no último instante.
E nesse momento, temi também pelo seu puerpério.

A pressão

A pressão em torno da gestante é imensa. (Imagem: Flickr)

Até que a pressão tomou conta e  você não teve como resistir. Você me ligou triste, chorando, avisando que a cesariana estava marcada. Faltavam apenas alguns dias.
Eu estava com o coração na mão por você. Sabia como você estava se sentindo, pois havia passado por isso na primeira gestação.  O sentimento de derrota, de frustração, de nadar muito e morrer na praia.
Ah minha querida, eu só queria que tudo que você tinha sonhado virasse realidade. Rezei para ela virar, rezei para que o parto começasse do nada e fosse “à jato”, pedi por um milagre, mas o que estava escrito para esse momento era outra coisa. E assim foi…

Quando cheguei para te visitar, te abracei e ouvi tudo que você queria dizer. E sabia que tinha mais, muito mais ali, pronto para sair.  Enquanto seu companheiro estava no banho, ouvi seu relato, senti sua dor e vi você se calar quando ele retornou.  Assim como você, eu também fui uma puérpera que não encontrava apoio a minha volta. Não da forma que eu precisava. E me vi mais uma vez ali, partilhando da sua dor.
Lembro de ter tentado ser otimista, de ter tentado levantar seu espírito para a batalha do puerpério e da amamentação que viria logo a seguir.

Como uma doula fica por dentro quando ouve besteira

Nesse momento, entrou a pediatra – muito apressada – e já jogou um balde de água fria na sua cabeça. A vontade que eu tive era de gritar com ela. Não podia. Não deveria. Ou deveria? A gente se envolve muito nessas horas em que se ouve orientações erradas.  Esperei ela sair, conversei com você e notei os olhares que vinham do seu companheiro. E meu coração se entristeceu mais um pouco.  Você é uma guerreira mas batalhas não se vencem sozinhas. Há de se precisar de uma aldeia para ajudar uma mãe a criar seus filhos.  E muito acolhimento.

Não nos vimos mais depois desse dia. Eu ouvia  suas queixas e mágoas como puérpera pelo telefone, tentava te consolar e ajudar mesmo que à distância. Queria te ver, te abraçar. A vida ainda não permitiu ou a dor ainda tá grande demais ainda para fazer isso, eu não sei dizer.  Só queria te contar que você não fracassou, que  sua filha é linda e você é um baita mulherão. Que não foi dessa vez que o parto dos sonhos veio, mas que isso não te faz menos mãe ou mulher. Você lutou com as armas que tinha no momento e fez o melhor combate que  podia.  E isso por si só já é coisa pra caramba.

Você fez o seu melhor!

Você me inspirou a ser uma doula melhor. E por isso eu te agradeço imensamente. Te admiro muito, moça. De verdade. E estarei aqui por você sempre que precisar.

Referências:

Variables Associated with Successful Vaginal Birth after One Cesarean Section: A Proposed Vaginal Birth after Cesarean Section Score https://www.thieme-connect.com/products/ejournals/abstract/10.1055/s-2004-835961

Conduta Obstétrica na Apresentação Pélvica http://www.scielo.br/pdf/%0D/rbgo/v22n8/12068.pdf

Imagem em destaquehttps://www.flickr.com/photos/vanmachado76/8122158418/

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Doula Margot (Rio de Janeiro - RJ)

Fundadora do Amarternar, co-fundadora do Sagrado Nascer, artista plástica (UFRJ), fotógrafa de parto , mãe de duas meninas lindas e doula pelo Gama/Levatrice. Após passar por uma desnecesária,*  no nascimento da Val, fui em busca de informações sobre a humanização do parto e quando Flora veio ao mundo, pude vivenciar o parto dos meus sonhos.  Após ter passado por essas duas experiências, a doulagem me chamou com TUDO e hoje ajudo famílias como a sua a encontrar o caminho para o seu parto dos sonhos.

 

Cidades de atuação: Rio de Janeiro, Baixada, Niterói - zona sul e centro.

 

Tel: 21 99536-4461 (whatsapp)

 

Instagram: @margotdoula

 

e-mail: margotdoula@gmail.com

 

*termo comum usado quando uma cesariana é feita sem motivo real, baseado em evidencias científicas.

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