Toda gestante é cercada de verdades e mentiras sobre nascimentos. Hoje eu vou falar sobre as verdades e mentiras sobre a cesárea. No Brasil, mais de 50% dos nascimentos são por cesárea ( na rede particular chega a 80%) e nessa porcentagem estão as mulheres que precisaram da cirurgia, as que não precisaram, mas foram enganadas e as que realmente queriam uma cesárea.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), em até 15% dos nascimentos a cesárea pode ser necessária e bem indicada. E mais: em países com altos índices de cesárea as taxas de mortalidade e morbidade materna e neonatal não diminuíram, ou seja, não é porque cesáreas estão sendo feitas que elas estão ajudando na manutenção da saúde da família. Isso porque, apesar da cirurgia salvar vidas, ela também pode expor mulheres e bebês a condições desfavoráveis.
Segue lendo aqui pra entender 15 verdades e mentiras sobre a cesariana.
1. “A cesárea salva vidas que precisam ser salvas”. Verdade! E esse complemento é importante. Realmente, a cesárea salva as vidas, mas não é por isso que todas as vezes em que se faz uma cesariana ela é bem indicada. Atualmente, muitas mulheres são conduzidas a uma cesáreas sem indicação real (exemplos de motivos dados, mas que não são verdadeiros: “bebê passar do tempo”, “cordão enrolado no pescoço” ou “mulher sem dilatação”). As situações em que a cesárea é realmente uma indicação não negociável podem ser contadas nos dedos: placenta prévia, ruptura de vasa prévia, descolamento prematuro de placenta, bebê deitado durante o trabalho de parto, prolapso de cordão umbilical e herpes genital com lesão ativa no momento do trabalho de parto.
2. “Bebê sentado tem que ser cesárea”. Essa é conversável: quando se está com um bebê sentado (bebê pélvico) é possível ter um parto normal, desde que se tenha um profissional capacitado em parto normal pélvico. Se você não terá essa assistência no parto (seja o obstetra pré-natal ou plantonista), a melhor via de nascimento é a cesárea. Mas lembra: é possível tentar ajudar o bebê sentado a ficar cefálico (posição de cabeça para baixo) durante a gravidez, após a 34ª semana (leia mais sobre bebê pélvico aqui).
3. “Mecônio no líquido amniótico é indicação de cesárea” . Mentira. O mecônio é o primeiro cocô do bebê. As vezes o bebê faz cocô ainda no útero e as pessoas ficam bem preocupadas dizendo que o bebê está sofrendo. Na verdade, o mecônio e o sofrimento fetal são duas coisas diferentes. A preocupação é quando o sofrimento fetal vem acompanhado de mecônio. Só o fato de existir cocô no líquido amniótico não é indicação de cesárea. O que faz a cesárea ser bem indicada é o sofrimento fetal, que é apresentado pela alteração de batimentos cardíacos do bebê. Quando existe mecônio, mas os batimentos seguem bem, o parto normal é viável. Agora, quando existe alteração de batimentos cardíacos, com ou sem mecônio, a cesárea é a indicação correta.
4. “Gravidez de alto risco é cesárea na certa”! Não mesmo. O alto risco é uma classificação dada a gestação que serve como um alerta de “precisamos dar mais atenção para essa dupla (trio, quarteto…)”. Existem situações onde não é indicado a gestação passar das 40 semanas ou que o bebê precise nascer com 38 semanas. Há possibilidade de indução do parto normal sem prejudicar a saúde da mulher e do bebê – e nem ao menos colocar qualquer risco a um deles.
5. “Uma vez cesárea, sempre cesárea”. Essa é uma frase famosa e muito mentirosa. Independente do intervalo entre a cesárea e a nova gestação, o parto normal ainda é a via mais segura de nascer para o bebê. Apesar do simples fato de ter passado por uma cesárea já acrescentar um fator de risco para gestação seguinte, ainda assim, o parto normal é mais seguro.
6. “A cesárea tem uma recuperação mais lenta”. É verdade, mas é relativo. Isso porque cesariana é uma cirurgia. Após a chegada do bebê, independente da via de nascimento, o corpo precisará de um tempo pra se recuperar e voltar a forma “não-grávida”. Contudo, quando se passa pela cesárea, além dessa mudança normal, o corpo se recuperará de uma cirurgia de grande porte. É um corte profundo cicatrizando em vários níveis de profundidade. Porém, cada pessoa sente de um jeito.
7. “Existe cesárea na humanização”. É verdade. A humanização também tem espaço para a cesárea, pois ela é uma forma válida de nascer e bem indicada quando necessária. Chamamos de cesárea respeitosa (não cesárea humanizada). Nessas situações, os cuidados com a mulher, com o bebê e a família como um todo é essencial e igualmente possível de ser mantida. O contato pele a pele, amamentação durante a cirurgia e a permanência do bebê com a mãe e acompanhante no centro cirúrgico até a saída conjunta para o quarto.
8. “Esperar o trabalho de parto para fazer a cesárea é bom pro bebê e pra gestante”. Sim. É verdade. Esperar entrar em trabalho de parto para realizar a cesárea é benéfico pro bebê e pra gestante, porque os corpos recebem sinais hormonais de que está na hora do nascimento e os prepara para isso. O bebê nasce na hora dele, no tempo dele.
9. “Cesárea é mais segura que o parto normal”. Essa é a maior mentira contada e a mais divulgada. A cesárea é uma cirurgia de médio-grande porte e que, como toda cirurgia, apresenta riscos. As chances de complicações durante o nascimento e após ele é 5 vezes maior para a mulher e 3 vezes maior para o bebê. Entre as complicações estão desconforto respiratório para o bebê, prematuridade iatrogênica (quando você provoca a prematuridade do bebê por tirá-lo ainda imaturo do útero), hemorragia pós-parto para a mulher, entre outros.
10. “Cordão no pescoço é indicação de cesárea”. Não é, não. Circular de cordão não é indicação de cesárea, porque não apresenta risco de vida para mulher ou para o bebê. A circular de cordão é tirada pelo profissional de assistência assim que o bebê nasce – seja por cesárea, seja por parto normal. O cordão não estrangula o bebê. (leia mais sobre circular de cordão aqui, aqui, aqui e aqui)
11. “Bebê grande é indicação de cesárea”. Nesse ponto, a cesariana é facultativa. Quando o bebê é grande (estimativa de peso acima de 4,5kg ou 5kg), a cesárea e o parto normal são possibilidades. Bebês grandes assim podem apresentar maior possibilidade de desproporção céfalo-pélvica (quando a cabeça do bebê é grande para passar pela pelve da mãe), porém isso só é visto após a dilatação total, durante o trabalho de parto, depois de uma série de constatações e observações. (leia mais sobre bebê grande aqui e aqui)
12. “Não precisa agendar a cesárea”. Se você e o bebê não correm risco de vida, é verdade. A maioria das cesáreas eletivas (ou seja, que são escolhas pessoais da gestante) podem ser feitas após a entrada da mulher em trabalho de parto. Inclusive, essa é a forma mais indicada para se realizar uma cesárea, se for possível. Exceções existem.
13. “Existe cesárea eletiva (agendada) bem indicada”. Existe sim! São situações em que aguardar o avanço da gestação apresenta um risco real para mulher ou para o bebê. Normalmente, essas situações envolvem questões de saúde descobertas e acompanhadas minuciosamente durante o pré-natal.
14. “Fazer cesárea para fazer a laqueadura é bom”. Na verdade, não se recomenda que mulheres façam a laqueadura junto com a cesárea. Tem até uma lei dizendo isso. Segundo a lei 9.263/96, a laqueadura não pode ser feita nos períodos de parto ou aborto. Exceto em caso de necessidade, muito bem indicada, a esterilização junto da cesárea é bem aceita.
15. “Quem faz cesárea é ‘menos mãe’, viu?”. Jamais! Via de nascimento não é medidor de maternidade. Seja por escolha, por ilusão (achando que está salvando a si ou ao bebê) ou por necessidade real, a via de nascimento não define a qualidade do cuidar com o filho.
É importante ressaltar que saber a verdade sobre o próprio nascimento e o nascimento dos filhos é um diferencial na vida de todas as mulheres ao nosso redor. Quando nós sabemos e compartilhamos a verdade, estamos ajudando outras famílias a decidirem por si a forma que querem receber seus filhos.
Reconhecer que a via de nascimento foi uma escolha é importante, assim como reconhecer se foi enganada ou se foi necessário passar por aquela assistência. Nenhuma das situações diminui o amor pela criança ou a dedicação da mulher.
Na próxima semana leia também: Verdades e Mentiras sobre o Parto Normal (aqui) e na seguinte, Verdades e Mentiras sobre o Parto Domiciliar. Acompanhe meus textos clicando aqui.
Se você quer ter saber as taxas de cesárea e parto normal realizados pelo seu plano de saúde, acessa aqui o site da Agência Nacional de Saúde e confira! Olha o spoiler: é assustador.
Referência:
Declaração da OMS sobre Taxas de Cesáreas. Organização Mundial de Saúde. (Clique aqui)
Diretrizes de atenção a gestante: a operação cesariana. Ministério da Saúde. (Clique aqui)
É possível realizar a laqueadura durante o procedimento da cesariana? Qual a orientação?. Biblioteca Virtual em Saúde. (Clique aqui)
Humanização do parto: nascer com respeito. Ministério Público de Pernambuco. (Clique aqui)
Indicações reais e fictícias de cesariana. Melânia Amorim. (Clique aqui)
Lei 9.263/1996 – Lei da laqueadura. Brasil. (Clique aqui)
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