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Uma lista de enxoval de bebê pró-amamentação

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Você é uma mulher que quer amamentar e está procurando uma lista de enxoval que não atrapalhe a amamentação? Talvez você tenha lido sobre como se preparar para amamentar e sobre a importância da pega correta e da livre demanda, e aí foi atrás de lista de enxoval e encontrou mamadeiras que imitam a mama, chupetas ortodônticas, conchas para preparar o bico, bico de silicone e não tem certeza se esses produtos ajudam ou atrapalham. Acertei?

O intuito deste post é falar sobre isso: o que você precisa e o que deve evitar para atingir a meta de aleitamento exclusivo nos primeiros seis meses de vida do bebê.

A coisa mais importante que você precisa saber para amamentar

Ok, essa frase é ousada, mas prometo que vai facilitar muito qualquer decisão de compra daqui para frente.

A principal informação sobre amamentação é que o seu corpo vem preparado (de fábrica!) para o aleitamento, mas amamentar não é instintivo, ou natural, e sim um ato cultural. Ou seja: a parte biológica e física está lá, mas condições culturais, sociais e psicológicas têm um impacto enorme nos índices de amamentação.

Isso significa que, grosso modo, você não precisa de NENHUM produto especial para amamentar tirando seus peitos (na verdade, um só basta) e o seu bebê.

Como assim, nenhum produto?

É claro que se fosse simples assim não teria tanta gente com dificuldades. Então vamos por partes.

Como era a amamentação em culturas pré-industriais

Chegamos a 7 bilhões de seres humanos no mundo e as alternativas seguras ao leite materno não têm nem cem anos. Isso significa que por centenas de milhares de anos, os bebês humanos mamavam no peito – de suas mães ou de outras mulheres.

Maternidade II, de Paul Gauguin, 1899.

E como funcionava? Primeiro, meninas cresciam vendo mães, tias, irmãs, colegas e vizinhas amamentando e não duvidavam muito de sua capacidade. Seus partos não eram cirúrgicos, então o recém-nascido mamava imediatamente. A nova mãe confiava que o bebê iria mamar quando tivesse fome. Como não existia bebê conforto, berço e nem um quartinho separado, ela geralmente estava por perto e atendia seus primeiros sinais de fome. Na verdade, mesmo quando ela sabia que o bebê não estava com fome, a forma mais simples de acalmá-lo era com o mamá.

E assim ela amamentava, em livre demanda, sem bicos artificiais, até o que era considerado “normal” na cultura dela (em geral quando a criança passava a se alimentar sozinha).

O que as mulheres precisam para amamentar

Para resumir, vamos listar o que existia naquele cenário de altos índices de amamentação.

  1. Normalidade. As mulheres amamentavam, viam outras amamentando e isso era tão corriqueiro quanto mulher dirigindo carro na nossa cultura.
  2. Um bebê a termo que amamenta  na primeira hora de vida. A mãe que não tiver isso consegue amamentar sim, mas estudos mostram que o parto natural e a hora dourada facilitam muito o início do processo.
  3. Contato pele a pele intensivo com o bebê. Quando a mulher precisava ou queria se locomover com o bebê, ela o levava no colo (talvez com apoio de uma tipoia ou pano).
  4. Confiança no bebê e no processo.
  5. Apoio da sociedade e de outras mulheres. Quando a mãe precisava de algo ou tinha dificuldade, ela contava com uma rede enorme para orientá-la.
Recém-nascido em contato pele a pele e mamando após uma cesárea intraparto.
Foto: Alê Rocha Fotografia

 

E o que NÃO existia?

  • Alternativa: não tinha leite artificial. Ou seja, tinha que dar certo.
  • Bicos artificiais: mamadeira, chupeta (existiam objetos para satisfazer a necessidade oral, mas não eram presos nos bodies dos bebês e inseridos na boca deles a todo momento).
  • “Preparadores de mama”: conchas, pomadas, bicos de silicone.
  • Relógio: para medir intervalos e duração de mamadas.
Até que enfim!


A essa altura, você deve estar cansada da parte antropológica e querendo entender o que isso tem a ver com você, certo?

Pronto, chegamos nessa parte.

O que você pode comprar ou consumir para ajudar na amamentação

  1. Informação de qualidade para entender o que é normal na amamentação. Leia relatos, veja vídeos, converse com amigas, entre em grupos pró-amamentação para ter expectativas realistas sobre a amamentação e os bebês pequenos. Spoiler: não é tão simples quanto naquelas sociedades em que não existe alternativa.
  2. Plano de parto. Pesquise sobre a importância do parto, do contato pele a pele, de dar a chance do seu bebê mamar logo quando nasce (se ele quiser) e do alojamento conjunto. Escreva isso num plano de parto e discuta com a equipe que estará lhe acompanhando, se possível.
  3. Considere comprar ou pegar emprestado um sling para facilitar o contato contínuo com o bebê. O wrap (aquela faixa longa que você amarra) ou o sling de argolas são indicados desde recém-nascido. Ter o bebê perto ajuda a perceber os primeiros sinais de fome e o sling facilita muito amamentar na rua, por exemplo.

    Para muitas mães, sling é sinônimo de liberdade e pode facilitar muito a amamentação. Foto: Maíra Matos Fotografia para Upa Slings

  4. Confiar no bebê e na amamentação é bem difícil na nossa sociedade, aquela que fala de “leite fraco”, “pouco leite”, que quer bebês gordinhos e pergunta “por que o peito não é transparente para eu ver o leite saindo?” Haja confiança para não se abalar!
    Para quem não consegue relaxar e precisa de algo para “medir”, uma boa ideia é comprar aquela fralda que avisa quando tem xixi e um bloquinho para anotar a quantidade de fraldas de xixi e de cocô. Um recém-nascido que faz xixi 4-6 vezes ao dia e cujo cocô muda de cor (de verde escuro para mostarda) dentro de 5-7 dias está ingerindo e digerindo leite. Observe o bebê mamando e tente perceber sinais de que ele está ordenhando e engolindo. Se ele larga o peito espontaneamente e fica relaxado, é um bom sinal. E se ele quer mamar dali a 40 minutos, então deixe ele mamar! Confie na capacidade dele de matar sua fome/sede mais do que na ficção de que “bebês mamam de 3 em 3 horas”.
  5. Aqui entra a questão do apoio. Infelizmente, na nossa sociedade, pouca gente consegue apoiar a amamentação de verdade. Até mesmo os pediatras mais humanizados não conseguem se atualizar em manejo da amamentação e quando encontram um problema, só sabem prescrever fórmula. Por isso, é importantíssimo que você tenha em mãos o telefone de um banco de leite ou de uma boa consultora de amamentação em caso de alguma dificuldade. Dica: dor é dificuldade. Se está doendo, tem algo de errado que precisa ser resolvido logo.
O que ajuda e o que atrapalha a amamentação. Os patinhos e brinquedos estão liberados.
Foto: Pixabay, editada no Canva.

Mamadeira, chupeta, bico de silicone e pomadas: por que não fazem parte do enxoval de bebê pró-amamentação

Mamadeira: sinto dizer, mas não existe nenhuma mamadeira que imita a mama. Isso é marketing. A mamadeira não imita o seio por uma questão anatômica – o bebê suga o leite, e não ordenha, como no peito – e também porque o fluxo, mesmo se o buraco for pequeno, sai continuamente, diferente do leite materno, que é ejetado num ritmo que lembra uma onda. Por conta disso, o uso da mamadeira causa confusão de bicos e confusão de fluxo e é um dos principais fatores responsáveis pelo desmame precoce (quando o bebê parece largar o peito espontaneamente, o que pode causar muito sofrimento para as mães).

Chupeta: é outra grande responsável pela confusão de bicos. Ela gera uma pega errada que, por sua vez, machuca a mama e causa sofrimento materno. No longo prazo também diminui a produção de leite. Explico: o que dá o sinal para o cérebro produzir leite é o esvaziamento da mama e se o bebê está pegando mal, ele extrai menos leite, e o corpo passa a produzir menos.

Concha de amamentação: lembra daquela história de que o peito já vem pronto? Não precisa usar concha para formar bico. A concha pode ferir o seio e a umidade que fica ali predispõe a candidíase.

Bico de silicone: é um equívoco achar que você precisa de um bico protruso para amamentar. Mesmo mulheres com bico mais plano ou invertido podem amamentar sem nenhum apetrecho ali no meio. Bicos de silicone pioram a pega e causam os mesmos problemas da chupeta.

Pomadas: não há necessidade de hidratar ou preparar a mama. As pomadas deixam o bico escorregadio, dificultando a pega. Se está doendo, a pega precisa ser ajustada! Se já feriu, chame uma consultora para ontem. Pomadas e bicos de silicone são intervenções e, quando inseridos, precisam ser acompanhadas por profissionais capacitadas; caso contrário, causam mais danos.

Acessórios que podem entrar no seu enxoval pró-amamentação (mas não são obrigatórios)

Uma almofada em formato de meia lua ou que faça o contorno do corpo, para deixar o bebê numa altura confortável.

Sutiãs ou tops que sustentem a mama e facilitam o acesso ao peito. É importante que eles não sejam muito apertados.
Um cantinho para você ficar muito tempo sentada ou deitada com conforto, alimento e entrenimento. Não precisa ser aquela poltrona de amamentação clássica. Um canto no sofá com controle remoto perto, carregador de celular, suas séries favoritas, uma garrafa com água (ou outra bebida da sua preferência) e lanchinhos que podem ser consumidos com uma mão. Divirta-se montando o seu cantinho!
Um óleo vegetal natural e com cheiro agradável para alguém fazer uma massagem nos seus ombros e pés. O toque prazeroso libera ocitocina, que ajuda na ejeção do leite.

Uma bomba de tirar leite pode ajudar você a deixar um estoque para saídas e para a volta ao trabalho. Você pode e deve aprender a fazer ordenha manual (a consultora e as enfermeiras do banco de leite ensinam), mas a bomba é um bom investimento para quem vai precisar deixar muito leite materno estocado.

Copinhos de pinga com a borda arredondada para ofertar o leite materno na sua ausência. Não é fácil aprender a dar o leite no copinho, mas é a forma menos prejudicial, e com boa vontade e paciência o cuidador que ficará com o bebê pode aprender. Outras alternativas são: a colher dosadora, a sonda no dedinho (“finger-feeding”) e o copinho 360 ou de bico rígido.

Não posso comprar nem uma chuquinha em caso de emergência?

A não ser que você more no meio do mato, não tem necessidade de ter lata de leite nem mamadeiras nem chupetas escondidas no armário “em caso de emergência”. Tenha o contato de uma ou duas consultoras ou de um banco de leite. Vai sair muito mais barato no longo prazo. E se por algum motivo você opte pela mamadeira (com leito materno ordenhado ou fórmula) ou chupeta – sem julgamentos por que só você sabe onde o calo aperta! – basta pedir para alguém ir numa farmácia. Não são objetos difíceis de encontrar para justificar uma compra com antecedência.

Um enxoval de bebê pró-amamentação deve priorizar itens que comprovadamente contribuem para o aleitamento: informação de qualidade para prevenir problemas, acolhimento para você acreditar no processo e no seu bebê e atendimento profissional baseado em evidências para resolver eventuais dificuldades. Amamentar não é “instintivo e natural”, mas se não atrapalharmos muito e buscarmos o apoio certo, tem tudo para dar certo.

 

Referências

Demography and Childcare in Preindustrial Socieities
http://anthro.vancouver.wsu.edu/media/PDF/demo_childcare.pdf

Tendências do aleitamento materno no Brasil em três décadas
http://www.scielo.br/pdf/rsp/v51/pt_0034-8910-rsp-S1518-87872017051000029.pdf

Randomized clinical trial of pacifier use and bottle-feeding or cupfeeding and their effect on breastfeeding
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12612229

The effects of early pacifier use on breastfeeding duration
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10049989

Amamentação e o desdesign da mamadeira, Cristine Nogueira Nunes (Editora PUC-Rio)

The politics of breastfeeding, Gabrielle Palmer (Pinter and Martin)

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Doula Clarissa Oliveira (Rio de Janeiro - RJ)

Sou antropóloga, editora de livros, facilitadora da amamentação, doula (de parto e pós-parto) e assessora Bebê no Pano. Antes de ser mãe, já era apaixonada pela humanização do parto. Tive um blog (A mãe que quero ser), frequentei grupos de apoio, estudei. Em 2014 engravidei com ajuda da tecnologia (FIV), mas sofri uma perda gestacional tardia. Apesar do luto, o universo da maternidade não perdeu seu encanto.

 

Acredito na força das mulheres (e nas evidências científicas!); meu propósito é apoiá-las para viverem o ciclo concepção, gravidez, parto e puerpério da forma mais autêntica possível. Ofereço consultas de educação perinatal e amamentação, acompanhamento no parto e pós-parto, e assessoria de babywearing.

 

Cidade de atuação: Rio de Janeiro-RJ (Zona Sul, Centro, Tijuca, Barra)

 

Instagram: @doula_clarissa

 

Contato: (21) 99484-4707; clarissa.o@gmail.com

 

I'm an anthropologist, book editor, breastfeeding consultant, birth and postpartum doula and babywearing consultant. I fell in love with birth before I got pregnant. I had a blog, went to birth support groups and did lots of reading. In 2014, after a long time TTC, I became pregnant through IVF. Sadly, Martin died days before his due date, but I had a respectful induction and birthed him on a birth stool. Despite my loss, I knew it was my mission to work with other moms. I believe in women, in our power (and also in evidence-based practices). My life's purpose is to support women going through pregnancy, birth and beyond, so they can have the most authentic and joyful experience. I offer consultations (in birth preparation and breastfeeding), support during and after birth, as well as babywearing classes.

View Comments

  • Adorei e convido às gestantes, seus acompanhantes e rede de apoio a participarem de uma oficina de amamentação que eu e minha dupla faremos em Botafogo na primeira semana de abril!
    Parabéns pelo texto Clarissa!

    • obrigada, Patricia! E sucesso na oficina. beijo, Clarissa

  • Parabéns pelo texto Clarissa! Vc é sempre uma inspiração! 💕😘

    • obrigada, Débora! Espero que o texto possa ajudar na prevenção de muitos problemas que você deve ver toda hora como consultora... beijo grande

  • Maravilhoso!!
    Aqui sigo com bebê de 32 dias a LM em LD. Nada de bicos 💪💪🏻

    • é isso aí, Gabriela! Parabéns :) Beijo, Clarissa

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