Dando à luz uma Doula.

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Olá, eu sou a Giulia e hoje vou contar para vocês como me tornei Doula… E que interessante, é a primeira vez que conto essa história pra mim também! rs. Desde que me entendo por gente, todo dia 19 de abril quando completo minhas 365 voltas ao sol, minha mãe conta todo o processo de como cheguei nesse mundão com grande ênfase em quão maravilhoso foi vivenciar o trabalho de parto e parir naturalmente. E como toda boa criança naquela curiosidade maravilhosa, tudo o que eu mais queria era assistir como uma criança chegava ao mundo através da vagina da mamãe! Essa curiosidade nunca saiu de dentro de mim, mesmo que durante meu desenvolvimento eu tenha escolhido direcionar minha formação na Dança a princípio.

Mantendo sempre meus estudos pessoais, fui direcionada a vivenciar um processo muito interno que me levou a um contato direto com o resgate de uma sabedoria da minha linhagem: A Parteria! SIM… Minhas bisavós eram  parteiras tradicionais da vila onde moravam e trabalhavam juntas atendendo todas as mulheres da comunidade e da família. Eu não me lembrava de saber dessa história até então e ao saber, foi como reascender uma grande chama dentro de mim. E dessa vez não pude deixar de atender ao chamado!

O surgimento da primeira doulanda.

Faziam três meses que eu tinha acabado de voltar ao Brasil, mais especificamente à minha cidade natal (Santos-SP), onde eu já não morava há seis anos e estava tentando me entender novamente naquele lugar…

Um belo dia minha mãe querida que atende algumas gestantes dentro do seu campo de trabalho, chegou em casa dizendo que tinha dado o meu cartão de visita para uma gestante que estava procurando uma Doula. Ela tinha 28 anos e estava gestando seu segundo filho, um ano e nove meses após ter dado à luz sua primeira filha.

Até então eu ainda não tinha a formação de Doula e a informei no nosso primeiro encontro, mas me disponibilizei a atende-la da melhor maneira possível dentro do que poderia proporcionar com as terapias complementares com as quais eu já trabalhava (Reiki, Massagem Thai, Do- In e Aromaterapia), que trariam muito conforto e alívio para o finalzinho da gestação e também durante o TP.

Ela e o marido são de outro Estado e não tinham familiares por perto para auxiliar nos cuidados com a bebê quando chegasse o grande momento e por isso ela estava a procura de uma Doula… Afinal, que mulher quer estar sozinha em um hospital para parir?

Dando à luz uma Doula. 

Eram por volta de 17h quando recebi a mensagem dizendo que as contrações  estavam fortes e que achavam melhor ir para o hospital. Eu rapidamente me troquei, peguei minha mala que estava semi-pronta com algumas coisas que achei serem essenciais para aquele momento, pedi as bençãos para minhas bisas e fui na coragem!

Assim que cheguei, fiz meu cadastro como acompanhante dela e entre caminhadas, contrações e protocolos pré-internação rolavam conversas, massagens e muito encorajamento de ambas as partes. Apesar de termos nos encontrado durante a semana que antecedeu o início do TP, era naquele momento que nossa aproximação estava se aprofundando.

Quando finalmente subimos para a sala de PPP vi o cenário mudar completamente. O ambiente hospitalar é frio e me trouxe uma sensação de vazio. E apesar de estarmos em um hospital referência em humanização na baixata santista, hospitais  no geral, definitivamente não são ambientes receptivos à chegada de uma nova vida.

Minha dupla inspiradora. Arquivo pessoal. Reprodução não autorizada.

Nós tivemos a sorte de passar a madrugada inteira sozinhas e isso contribuiu muito para que aos poucos eu fosse me moldando às necessidades dela.

Eu não conhecia técnicamente as fases de um TP e ia observando com muita presença a transformação durante as transições. E é muito interessante observar que em muitos momentos era só o que bastava. A presença silenciosa de uma mulher à serviço dessa natureza incrivelmente perfeita que é o TP. E la se vai madrugada à dentro, vivenciando a magia e intensidade do momento…

Amanheceu e com a troca de plantão a Enfermeira que assumiu passou no quarto para falar conosco e examina-la. A primeira pergunta que ela me fez foi se eu era a Doula dela e naquele momento ficou claro que eu tinha uma posição muito política ali. A Enfermeira mudou o tom, o cuidado e a maneira como explicou para ela que a dilatação do colo não tinha evoluído desde o último toque e que  entrar com a ocitocina poderia ajudar na progressão da dilatação.

Pausa para observações: O trabalho de parto estava fluindo e progredindo até então. Era uma noite de troca de lua (para quem acredita), maternidade cheia e até a troca de plantão acontecer oito cesáreas já haviam sido feitas… Já deu pra entender né?

A minha única função naquele momento era garantir que minha doulanda tivesse a escolha respeitada. E foi isso o que aconteceu. Ela optou por prosseguir fazendo o uso da ocitocina e do momento em que eles fizeram a primeira dose  do medicamento até o nascimento do bebê foram duas horas…

Foi muito marcante a transformação que aconteceu à partir da primeira dosagem de ocitocina que foi colocada. A dor não mais cessava entre uma contração e outra. Hoje após ter acompanhado outros partos, tive a confirmação de que a resposta do corpo à dor é realmente muito maior com  o uso da ocitocina sintética.  

Quando a bolsa rompeu, o bebê coroou e a Enfermeira foi chamada:  – Ai meu Deus!!!  Toda a calma que eu estava durante toda a madrugada foi inundada pela emoção de estar presenciando aquele momento (que lembrem, era um sonho de infância rs).

E de mãos dadas, no ritmo das contrações que vinham o bebê foi dando o ar da graça. Com um choro leve e tranquilo foi colocado nos braços da Super Mãe. Enquanto eu, claro, chorava de felicidade.

Eu estava estasiada, ocitocinada, grata e todos os adjetivos maravilhosos que possam ser usados. Naquela manhã nascera também uma Doula! E uma amizade muito carinhosa que se mantém até hoje.

Sou extremamente grata à essa família e a confiança que eles tiveram em mim e no meu trabalho. Também sou extremamente grata aos processos que me conduziram até esse momento e às minhas bisas que de perto me guiam.

Do hospital à parteria tradicional.

Antes de ter sido contatada pela gestante eu tinha me inscrito para participar de uma vivência que seria facilitada na Casa Angela (SP), pela Mama Ekos com Parteiras Indígenas e Ribeirinhas da tradição Sateré-Mawé (AM).  Por incrível que pareça esse dia caiu exatamente um dia depois de eu ter assistido a potência de uma mulher dando à luz.

Lá estava eu ainda ocitocinada (êta efeito duradouro), cheia de curiosidades, dúvidas e certezas… Certeza de que esse seria o início de um caminho de descobertas, reencontros e muito trabalho.

As parteiras compartilhavam nas mais simples palavras, toda sabedoria à respeito da arte do partejar… Do tempo certo de cada bebê, da individualidade e beleza que é o TP de cada mulher, do respeito, do carinho e da atenção que as mulheres merecem não só durante o parto (elas costumam fazer visitas pós-parto por pelo menos uma semana para prestarem o cuidado necessário com a mãe e com o bebê). E a gente aqui na cidade discutindo o que é ter um parto humanizado né? Rs.

Pontuaram muito à respeito de como a vida e a rotina na cidade afetam a saúde emocional da gestante e do bebê e o quanto isso somado ao ambiente hospitalar influencia no momento de parir…

Dona Edna, parteira na tradição Sateré-Mawé. Arquivo pessoal. Reprodução não autorizada.

Teve receitas de cuidados naturais, métodos não farmacológicos para alívio da dor, chás, massagens e a técnica que elas mais usam para assistir aos partos: Respeito ao tempo e desejo de cada mulher associados ao dom e sabedoria que é passada de mãe pra filha.

Depois de tudo o que vivi durante todo o final de semana não me restavam dúvidas! Foi realmente um divisor de águas na minha jornada.

Precisei de um tempo para conseguir assimilar tudo o que tinha acontecido e apesar da certeza de que era esse serviço integrado que eu gostaria de prestar às minhas doulandas, eu ainda não sabia por onde começar. Foi então que…

Formação é bom e a gente gosta.

Formação de Doulas em Santos-SP. Arquivo pessoal. Reprodução não autorizada.

Dois meses depois, no primeiro Curso de Doulas que aconteceu em Santos-SP, fui me capacitar e descobrir o Grande Universo que é a Doulagem. Que une a empatia, o amor e a sabedoria, com muito estudo, informações baseadas em evidências e posicionamento político. Quero mais o que?

Cada Doula tem o seu processo de nascimento e é muito forte e profundo o que motivou cada mulher a buscar e assumir esse lugar. E essa é a história do meu grande nascimento como Doula. É uma honra compor essa grande teia!

Namastê.

Referências

Armadilhas da Nova Era: Natureza e Maternidade no Ideário da Humanização ao Parto http://www.scielo.br/pdf/ref/v10n2/14972

Os benefícios das terapias complementares para o cuidado no período
gestacional https://www.riuni.unisul.br/handle/12345/5470

O papel da doula na assistência à parturiente http://www.reme.org.br/artigo/detalhes/380

Dados epidemiológicos, evidências e reflexões
sobre a indicação de cesariana no Brasil http://files.bvs.br/upload/S/1413-9979/2009/v14n4/a133-137.pdf

Ocitocina sintética e a aceleração do parto: Reflexões sobre a síntese e o início do uso da ocitocina em obstetrícia no Brasil http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v25n4/0104-5970-hcsm-25-04-0979.pdf

Métodos não farmacológicos para alívio da dor no trabalho de parto http://reme.org.br/artigo/detalhes/942

 

 

 

 

 

 

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