O que é a placenta, para que serve e como funciona: um guia completo!

Compartilhe:

Tenho certeza que você já ouviu falar em placenta muitas e muitas vezes. Mas será que você sabe tudo sobre ela? Vem comigo que te explico no caminho.

O que é a placenta?

A placenta é um órgão bastante peculiar, pois se desenvolve apenas durante a gestação num trabalho conjunto entre mãe e bebê. É por isso que ela é considerada um órgão fetomaterno, que é expelido juntamente com o bebê ao nascer. A cada nova gestação uma nova placenta é formada no útero daquela mulher. O nome é de origem grega “plakuos” e significa bolo achatado. Ao final da gestação ela tem em média 20 cm de diâmetro, 3 cm de espessura e pesa 500 g, é de coloração vermelha bem escura e facilmente se vêem os vasos sanguíneos que a formam.

Olá, eu sou uma placenta humana! Fonte: Wikimedia Commons

Função da placenta

Sua função é atuar como um mediador entre o corpo da mãe e o corpo do bebê, porque não há contato direto entre o sangue dos dois. Essa separação é feita pela membrana placentária e é ali onde ocorrem as trocas gasosas e de nutrientes entre ambos. A mãe envia para o feto oxigênio, água, hormônios, anticorpos e nutrientes como lipídios, vitaminas, aminoácidos, carboidratos, ferro, anticorpos. O feto devolve para a mãe o dióxido de carbono, uréia, ácido úrico, bilirrubina, hormônios e hemácias.

Esquema mostrando o interior de uma placenta. Retirado do livro Obstetrícia de Williams, 24ª edição

Outras substâncias também são capazes de atravessar essa barreira como o álcool e outras drogas, princípio ativos de medicamentos e agentes infecciosos como vírus (rubéola, citomegalovírus), bactérias (sífilis) e parasitas (Toxoplasma spp.). Além dessa função, a placenta também é responsável pelo metabolismo (produção) de glicogênio, colesterol e ácidos graxos que são usados como fonte de energia para o embrião bem no início da gestação.

A última função é a secreção de hormônios importantes para o processo de gestação:

  • gonadotropina coriônica humana (hCG – utilizado nos testes de detecção de gravidez),
  • somatomamotropina coriônica humana ou lactogênio placentário humano (hCS),
  • tireotropina coriônica humana (hCT),
  • corticotropina coriônica humana (hCACTH),
  • progesterona,
  • estrogênio.
A Dra Camille Saroyan também se cansou com essa lista cheia de nomes compridos!

UFA! Bastante coisa, não é mesmo? Fique tranquila que você não precisa guardar todos esses nomes, mas saber que eles existem podem facilitar a sua vida na hora de conversar com seu médico ou buscar informações.

Como a placenta é formada

A placenta começa a se formar a partir da nidação que é quando o embrião (blastocisto) se fixa ao útero materno ali em torno do 6º dia. Aos poucos, surgem microvilosidades no embrião que o prendem firmemente ao endométrio e a partir daí se forma a placenta. Ela se fixa na parte posterior do útero, originando assim o local onde ocorrerão as trocas que expliquei anteriormente.

Embrião em desenvolvimento mostrando o tecido placentário e seus vasos em formação. Também são mostrados os anexos placentários: cordão, saco vitelínico e saco amniótico. Fonte: UNSW Embriology

Ela apresenta duas faces: a materna e a fetal. A primeira tem origem no endométrio materno (decídua basal) e a segunda de parte do saco coriônico embrionário (córion viloso). Todo um novo sistema vascular é criado para que a placenta exerça a sua função. São cerca de 150 artérias uterinas, em formato de espiral, que se localizam na placa basal da placenta. Seguindo em direção ao feto, essas artérias se ramificam e diminuem de tamanho para atingir o interior da placenta. É nesse interior onde ocorrem as trocas gasosas e de nutrientes. O transporte até o feto é feito pelo cordão umbilical (vamos falar dele melhor mais pra frente). A área onde ocorrem as trocas tem área equivalente a 11m²!!!!! Esse é o tamanho de um quarto pequeno!

A face fetal da placenta, que é o lado de onde sai o cordão umbilical, é recoberto pela membrana amniótica. Essa membrana é contínua aos sacos amniótico e coriônico, que são as membranas que envolvem o bebê, separando-o do útero materno. Essas duas membranas formam o saco amniótico (ou bolsa amniótica) onde o bebê se desenvolve durante os 9 meses. É dentro dessa bolsa que está o líquido amniótico, que envolve o bebê.

As suas funções são:

  • amortecer contra traumas físicos,
  • permitir o crescimento fetal sem restrições das estruturas adjacentes,
  • estabilidade e conforto térmico,
  • ajudar no desenvolvimento gastrointestinal e respiratório,
  • ajudar a prevenir infecções,
  • fonte de nutrientes e fluidos por curto período de tempo.

Envelhecimento da placenta

Durante a gestação a placenta também cresce e próximo ao final ela atinge o seu ápice morfofisiológico. Durante esse período ocorre um processo natural de calcificação e esse fenômeno é chamado de “envelhecimento”. A calcificação é medida em graus: 0, 1, 2 e 3, sendo este último o “mais avançado”.

Uma das indicações falsas de cesárea é a detecção da placenta em grau 3. Essa informação sozinha não quer dizer absolutamente nada e ela deve ser analisada juntamente a outros parâmetros: tamanho e curva de crescimento do feto, sinais vitais, oxigenação, fluxo sanguíneo no cordão umbilical. A justificativa para tal indicação é a de que há insuficiência placentária, ou seja, que a placenta já não consegue suprir o bebê de suas necessidades. Embora isso possa ocorrer, é um evento raro e que não é detectado apenas pelo grau da placenta. Placenta grau 3 antes da 34ª semana pode necessitar um acompanhamento mais frequente do crescimento fetal.

Fique atenta: placenta grau 3 NÃO É INDICAÇÃO DE CESÁREA.

Aretha Franklin alerta: indicação fictícia de cesárea!

Cordão umbilical

Visão ventral de um embrião mostrando a região umbilical. Fonte: Museum für Naturkunde, Leibniz Institute for Research on Evolution and Biodiversity

Não podemos falar sobre placenta sem falar também sobre o cordão umbilical, que é o responsável por esse vai-e-vem de nutrientes e gases, mantendo o bebê nutrido por todo o período gestacional. Ele é formado por duas artérias e uma veia, que estão ligadas ao bebê pelo umbigo e mede em média entre 50 e 60 cm. As artérias carregam o sangue pobre em oxigênio do bebê para a placenta e a veia leva o sangue rico em oxigênio para o bebê. Envolvendo os vasos sanguíneos está a geléia de Wharton, uma substância gelatinosa que recobre todo o cordão, impedindo que ocorram danos mecânicos como rompimento, entrelaçamento e compressão.

 

A geléia de Wharton (o nome técnico dela é substantia gelatinea funiculi umbilicalis) é formada por uma substância amorfa (sem forma) composta por glicosaminoglicanos, proteoglicanos e ácido hialurônico. Nela existem células parecidas com as células de músculo liso (como as do coração) que permitem a função contrátil, capaz de manter o fluxo sanguíneo em caso de compressão do cordão durante a gestação e parto.

Corte transversal de um cordão umbilical mostrando a geléia de Wharton. Fonte: UNSW Embriology

É normal que durante a movimentação do bebê o cordão se enrole em torno de seu pescoço e membros, a famosa circular de cordão, mas sem afetar o fluxo sanguíneo. O nó verdadeiro ocorre entre 1 e 2 % de todas as gestações e na maior parte dos casos não apresenta riscos para o feto. Por isso a presença de circular e de nó NÃO SÃO INDICAÇÕES DE CESÁREA, até porque ambas as situações só são detectadas durante o trabalho de parto. Ademais, não há risco de sufocamento do bebê pela circular de cordão, uma vez que seu aporte de oxigênio é feito através do próprio cordão.

A circular no pescoço não pode sufocar o bebê porque ele respira pelo cordão. Pense nisso!

O motivo pelo qual bebês nascem roxinhos é a baixa oxigenação do ambiente onde estavam. Conforme a transição respiratória ocorre, o bebê vai voltando à cor normal. É possível perceber quando ela termina, pois o cordão para de pulsar e fica branco, indicando que todo o sangue do bebê que estava na placenta já foi transferido para ele. O volume sanguíneo varia entre 100 e 150 mL, o que significa até ⅓ do volume total de sangue. Esse aporte é fundamental para evitar anemias e problemas respiratórios no início da vida. Então, já sabe: espere o cordão parar de pulsar, são minutos importantes para a saúde do seu bebê.

Anormalidades da placenta

Existem algumas anormalidades na formação da placenta e que podem ocasionar riscos para o feto, a mãe ou ambos. Elas podem ser anatômicas associadas à local e grau de implantação, estruturais e funcionais e muitas vezes não é possível saber ao certo o que ocasionou essa anormalidade, embora algumas tenham relação com o desenvolvimento de diabetes e hipertensão gestacional. Vamos então à lista com uma breve explicação sobre cada uma delas.

Placenta circunvalada: tem o formato normal, mas a face fetal é menor, diminuindo a área de inserção das membranas que protegem o bebê. É como se as bordas estivessem dobradas para trás. Ela pode acarretar em crescimento mais lento e tamanho diminuto do feto. Não costuma apresentar problemas para o parto, apenas acompanhamento mais frequente do crescimento fetal.

Placenta membranosa: ocorrência rara onde toda ou parte da membrana fetal está coberta por vilos, com risco aumentado de hemorragia grave por associação a placenta prévia.

Placenta sucenturiada ou lobada: apresentação de dois, três ou mais lobos placentários independentes de tamanhos semelhantes. Os vasos atravessam as membranas que conectam os lobos. Pode ocorrer retenção de um ou mais lobos no útero após o parto e por isso é fundamental que a equipe certifique-se que toda a placenta foi expelida para evitar hemorragia materna. De maneira geral não ocasiona problemas para o parto, a menos que os vasos estejam localizados próximo ao colo uterino (vasa prévia).

Placenta acreta, increta, percreta: são anormalidades na inserção da placenta no tecido uterino. A ocorrência é maior em mulheres que já fizeram cesárea devido à cicatriz gerada pela cirurgia e são mais frequentes em casos de placenta prévia. Tendem a provocar hemorragias e nos casos mais graves (placenta percreta) pode ser necessário a retirada do útero (histerectomia).

Placenta abrupta ou descolamento prematuro de placenta: quando a placenta se separa da parede uterina antes do parto, pode acontecer próximo à 25ª semana. Pode ocorrer o descolamento total ou parcial e deve ser acompanhado pelo médico. As intervenções necessárias devem ser decididas de acordo com a gravidade da situação, que vai de repouso até a cesárea de emergência.

Placenta prévia: ocorre quando a placenta está inserida próximo ou em cima do colo uterino, fechando o canal de parto. Pode ocasionar sangramentos durante a gestação. Ocorre em 1 a cada 200 gravidezes. A indicação de cesárea neste caso é CORRETA.

Vasa prévia: é uma anormalidade do cordão umbilical e está associada à ocorrência de placenta prévia, é bastante rara, 1 a cada 5 mil gravidezes. É quando os vasos sanguíneos fetais ficam muito próximos ao colo uterino ou sobre ele. A localização entre o colo e o feto deixa os vasos vulneráveis à compressão e laceração. O rompimento dos vasos resulta em hemorragia que quase sempre é fatal para o bebê. O diagnóstico pode ser feito por imagens durante a gestação, embora algumas vezes seja impossível diagnosticá-lo até o momento do parto. Quando a vasa prévia é diagnosticada, a indicação da cesárea também é CORRETA.

Corioangioma: tumor vascular benigno que ocorre em 1% das gestações. Quando pequeno (menor que 5 cm) é assintomático e não oferece complicações para a gestação e parto. Tumores maiores que 5 cm podem acarretar em insuficiência venosa, anemia fetal, restrição ao crescimento fetal, anormalidades no líquido amniótico, hemorragia e parto prematuro.

A placenta também nasce!

A terceira e última fase do trabalho de parto é o nascimento da placenta. Esse processo é fisiológico e recebe o nome de dequitação. Ele ocorre espontaneamente cerca de 30 minutos depois do nascimento do bebê. O útero continua se contraindo e aos poucos a placenta se descola da parede uterina. Tanto o contato pele a pele mãe e bebê, como a amamentação na primeira hora de vida favorecem a saída espontânea da placenta. Caso isso não ocorra, há intervenções que podem ser utilizadas, como massagem no fundo do útero e injeção de ocitocina. Nos casos em que a placenta não é expelida fisiologicamente dentro do período de uma hora, é necessário outras intervenções que envolvem a retirada manual ou cirúrgica da placenta.

É importante que a placenta seja inspecionada após o parto, para detectar possíveis anomalias e verificar sua integridade. A retenção de pedaços de placenta são fontes de infecções e hemorragias no período do pós parto.

Cada um desses tópicos daria um outro texto completo, porque são muitas informações disponíveis. Ficou com alguma dúvida? Deixe aqui seu comentário ou me manda um email. Vai ser um prazer te ajudar 🙂

Referências:

Indicações reais e fictícias de cesariana: http://estudamelania.blogspot.com/2012/08/indicacoes-reais-e-ficticias-de.html?q=placenta

Membranas fetais: http://professor.ufrgs.br/simonemarcuzzo/files/membranas_fetais.pdf

Placenta: https://pt.wikipedia.org/wiki/Placenta

Hill, M.A. (2019, February 24) Embryology P: https://embryology.med.unsw.edu.au/embryology/index.php/P#placenta

Hill, M.A. (2019, February 24) Embryology Placenta – Cord: https://embryology.med.unsw.edu.au/embryology/index.php/Placenta_-_Cord

Hill, M.A. (2019, February 24) Embryology Placenta Development: https://embryology.med.unsw.edu.au/embryology/index.php/Placenta_Development

Hill, M.A. (2019, February 24) Embryology Placenta Development – Lecture: https://embryology.med.unsw.edu.au/embryology/index.php/Lecture_-_Placenta_Development

Hill, M.A. (2019, February 24) Embryology Placenta – Abnormalities: https://embryology.med.unsw.edu.au/embryology/index.php/Placenta_-_Abnormalities

Hill, M.A. (2019, February 24) Embryology Endocrine – Placenta Development: https://embryology.med.unsw.edu.au/embryology/index.php/Endocrine_-_Placenta_Development

Aging of the placenta: https://fn.bmj.com/content/77/3/F171

Examination of the placenta: https://www.aafp.org/afp/1998/0301/p1045.html

Velamentous cord insertion in a singleton pregnancy: An obscure cause of emergency cesarean – A case report: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3517836/

Obstetrícia de Williams 24ª edição, McGraw Hill Brasil, 1 de março de 2016 – 1376 páginas. Gary Cunningham, Kenneth J. Leveno, Steven L. Bloom, Catherine Y. Spong, Jodi S. Dashe, Barbara L. Hoffman, Brian M. Casey, Jeanne S. Sheffield.

Compartilhe:

7 respostas para “O que é a placenta, para que serve e como funciona: um guia completo!”

    1. Olá Pamella, fico feliz que tenha gostado do texto.
      Abraço!

  1. Toca aqui quem está chorando de emoção desde o primeiro parágrafo 😂😂😂 placentinha linda e amada, muito obrigada! A minha e do caê está de baixo de um pé de acerola cabocla ♡

    1. Que legal saber disso, Marilia! Espero que esse pé de acerola cabocla honre com muitos frutos saborosos a sua placenta.
      Abraço!

  2. Estou com 33semanas de gestação,fiz ultrassom e diagnosticou placenta bilobada.Queria saber se no parto normal a segunda placenta sai espontaneamente ou tem que ter alguma intervenção?

    1. Oi Natália, tudo bom? A placenta bilobada é apenas uma placenta que se dividiu em dois pedaços. Esses dois pedaços continuam conectados entre si pelas membranas. O nascimento da placenta pode ocorrer de maneira espontânea nesse caso sim, mas caso haja necessidade, é possível que você mesma a retire de forma ativa (você pode puxar a placenta pelo cordão, caso sinta-se confortável) ou um dos profissionais da assistência pode massagear seu útero para que ela saia. Você pode conversar com sua obstetra para esclarecer outras dúvidas e para poder montar o seu plano de parto.
      Abraço!

  3. Fui diagnóstica com placenta sucenturiada com inserção do cordão velamentosa em porção anterior. Estou preocupada me ajuda.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.