Dilatação: a importância de respeitar o trabalho de parto

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Eu tenho certeza que você já ouviu algumas mulheres dizerem que fizeram cesárea porque “não tiveram dilatação suficiente” ou porque “não entraram em trabalho de parto”. Bom, tendo em vista o atual panorama brasileiro, podemos dizer com certeza que essas mulheres foram levadas a acreditar em uma ou ambas as afirmações. Mas você sabe como funciona o trabalho de parto? Se ainda não tem muita ideia, pode começar lendo esses textos do blog aqui e aqui. Vai lá que fico aqui te esperando.

Pronto! Agora que você já domina o assunto, vamos ao tema central: a dilatação e seu acompanhamento pelo partograma. Por muito tempo houve a crença de que a fase ativa do trabalho de parto normal seria aquela em que a mulher tivesse uma dilatação de 1 cm/hora. Se a dilatação total é de 10 cm, então o trabalho de parto não poderia ou deveria ultrapassar 10 horas de duração. “Ué, mas os textos ali em cima não falam em durações diferentes para cada fase do trabalho de parto?”. Sim, e é justamente por esse motivo que ano passado a Organização Mundial da Saúde (OMS) reviu essa recomendação.

Partograma com linhas de alerta e ação. Fonte: Ministério da Saúde

 

O partograma foi criado por Emanuel Friedman em 1951 a partir de um estudo com primíparas (mulheres que deram à luz pela primeira vez), onde fez a relação entre tempo de trabalho de parto e dilatação. Colocando as informações num gráfico, obteve uma curva da velocidade média de dilatação por hora (1 cm/hora) e que chamou de partograma. Apesar de já existir há bastante tempo, foi apenas em 1994 que a OMS passou a recomendar o seu uso rotineiro. No Brasil, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) recomenda seu uso desde 1998, mas foi só em 2015 que seu uso se tornou obrigatório por determinação do Ministério da Saúde.

Afinal, para que serve o partograma?

O partograma é uma excelente ferramenta para acompanhar a progressão do parto, pois nele se colocam muitas informações: a evolução da dilatação, a apresentação fetal, intervalo de ocorrência e duração das contrações, o uso de medicamentos, as intercorrências e intervenções. Além disso, ao final, fornece o quadro geral de como o parto daquela mulher evoluiu. Por trás da sua aplicação, está o objetivo principal de documentar adequadamente o trabalho de parto e auxiliar na tomada de decisões, a fim de diminuir as intervenções desnecessárias. No entanto, pelo padrão estabelecido, muitos partos evoluíam para as áreas de “alerta” e tomada de ação”, onde então os médicos optavam por iniciar intervenções e indicar a cesárea intraparto. Sabemos que intervenções e cesáreas intraparto são procedimentos que salvam vidas quando bem indicados, do contrário, apresentam mais riscos do que benefícios.

 

 

colo do útero e dilatação
Sequência da dilatação do colo do útero e descida do bebê. De Oxorn, H. [1986]. Oxorn-Foote human labor and birth [5th ed., p. 119]. New York: Appleton & Lange.

Partos são momentos únicos

Baseado em diversos novos estudos a OMS publicou em Fevereiro de 2018 um novo guia com 56 recomendações baseadas em evidências científicas sobre o cuidado com o binômio mãe-bebê durante e imediatamente após o trabalho de parto. A principal novidade é reconhecer que cada mulher é única e portanto, cada trabalho de parto também o é e progredirá de maneira diferente para cada uma delas.

No aconchego da mãe após o nascimento. Fonte: Pixabay

Se tratando de um evento fisiológico que varia de mulher pra mulher, a taxa anteriormente aceita de 1 cm/hora para dilatação não corresponde à realidade e não deve ser usada como única medida para avaliar possíveis riscos durante o trabalho de parto. Vários fatores devem ser levados em conta e nenhuma intervenção é necessária enquanto mãe e bebê estiverem em boas condições. Ou seja, não existe necessidade de que o parto seja acelerado.

Além disso, a OMS acredita que uma boa experiência de parto não se resume apenas à saúde do bebê que nasceu. A parturiente precisa se sentir capaz de dar à luz, a acreditar e confiar no seu corpo e em seus instintos, sendo sempre o centro das atenções da equipe. Ela deve ser informada sobre o andamento do processo e ter suas opiniões ouvidas e respeitadas, independente de seu status social, origem, ou de estar em uma maternidade pública ou privada. É importante que a mulher se sinta importante na tomada das decisões de seu parto, para que o que vier depois dele seja mais tranquilo e prazeroso.

A OMS reconhece que outros fatores externos também podem interferir no trabalho de parto, como o ambiente onde a parturiente se encontra, a temperatura, a presença de acompanhante e doula, se ela se sente segura e se pode se movimentar. Por isso é muito importante que você se informe, lendo ou conversando com outras mães, gestantes ou profissionais. Converse com a equipe que escolheu, faça perguntas e também leve as informações que você obteve. É seu direito ser respeitada. Conheça e respeite seu corpo, ele foi feito para o parto.

Referências:

OMS publica novas diretrizes para reduzir intervenções médicas desnecessárias no parto: https://nacoesunidas.org/oms-publica-novas-diretrizes-para-reduzir-intervencoes-medicas-desnecessarias-no-parto/

Diretrizes nacionais de assistência ao parto normal: versão resumida (recurso eletrônico): http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_nacionais_assistencia_parto_normal.pdf Brasília, Ministério da Saúde 2017. ISBN 978-85-334-2477-7

Parto, aborto e puerpério: assistência humanizada à mulher: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd04_13.pdf

WHO recommendations: Intrapartum carefor a positive childbirth experience: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/260178/9789241550215-eng.pdf;jsessionid=D2D35637E40ABCC05FA3DC0C2ACF4C2F?sequence=1 ISBN 978-92-4-155021-5

Individualized, supportive care key to positive childbirth experience, says WHO: https://www.who.int/mediacentre/news/releases/2018/positive-childbirth-experience/en/

Entenda o que é o partograma: http://www.ebc.com.br/infantil/para-pais/2015/01/gfjghj

 

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6 respostas para “Dilatação: a importância de respeitar o trabalho de parto”

  1. Bibi, parabéns pelo artigo. Muito interessante, importante e educativo para o público em geral e, não apenas para as mulheres. Continue escrevendo! Um beijo!

  2. Menina que texto lindo. Corroborando com seu texto, tive um parto domiciliar com bolsa rota e que durou 48h. Nenhuma intervenção desnecessária foi realizada, apenas acolhimento e suporte. Detalhe, tive meu parto com uma parteira, no protocolo delas não há toque, então foi na observação que ela conduziu o parto, com muito conhecimento e carinho. Ao contrário do que muitos acham, o protocolo das parteiras existe e é embasado no científico e animal.❤️

    1. Kátia, tudo bem? Eu sou médica , residente em ginecologia e obstetrícia. Fico muito feliz que seu parto deu tudo certo, mas pelo o que você contou, você correu sérios riscos e deu bebê também. Bolsa rota acima de 18 horas é indicação de início de antibióticoterapia,na maioria dos casos, devido ao fato que aumenta muito o risco de bactérias ascenderem do canal vaginal e contaminar o ambiente intraútero (causando corioamnionite) e também contaminar o neném, causando uma infecção muito exacerbada.
      A criança não tem anticorpos suficientes para lidar com uma infecção, e uma infecção nesse período é gravíssima( o termo é sepse precose), em torno de 40% de mortalidade neonatal. Isso é protocolo em todos os serviços de obstetrícia do mundo, e é algo consistentemente embasado na literatura. Fundamentado com estudos que possuem um modelo estatísticao mais elevada de todos, a metanálise. Por favor pesquise sobre modelos de estudo estáticos em medicina.

      Uma outra coisa que eu achei interessante no seu relato, é sobre a ausência de toques. Isso é absolutamente ilógico e irresponsável. O toque é fundamental para o médico avaliar os diâmetros da bacia da mulher e se há condições de o parto progredir. Existem mulheres que têm os “estreitos da pelve” ,que seria como se fossem o diâmetro da pelvez inferior ao necessário para a criança passar. A única forma de avaliar isso , é pelo toque. Quando o trabalho de parto se inicia, a velocidade de dilatação do colo do útero e de descida da criança é avaliada pelo toque. Não existe nenhum outro método para avaliar. Uma dilatação muito rápida ou muito lenta, pode trazer problema tanto para a parturiente como para a criança.
      Existem certos “encaixes” que a cabeça da criança da criança faz na pelve materna , que é impossível ela descer por via baixa ( ter o parto vaginal), sendo indicação de cesariana.
      Não coloque a vida do seu bebê em risco, com o risco de ele sofrer uma falta de oxigênio (anóxia) e ficar sequelado a vida toda, como muitos e muitos casos eu já vi. Tome cuidado , procure um profissional que realmente tenha conhecimento. Você comentou de “protocolo das parteiras”, isso não existe.

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