O parto idealizado x O parto como ele realmente é

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Quando a gente finalmente faz a matrícula na faculdade, a expectativa de todo novato é que, “vou chegar chegando e vou sair daqui uma profissional tão boa que as empresas farão fila para me contratar!”. Só que quando você passa pelo primeiro mês de faculdade, começa a cair a ficha que não é bem assim.

Falta grana pro xerox, livros e cantina e tem que se contentar com a água do bebedouro. Você quase morre de não dormir, por causa dos seminários, trabalhos e provas. Tem muito choro, raiva, frustrações, desespero e muitas surpresas boas também. Quando vê, já está preparando o discurso para a formatura e alugando seu vestido para o baile!! Acabou o suplício!!

faculdade
Por que ninguém conta nada pra gente? Fonte: giphy.com

O caminho trilhado foi completamente diferente daquele que você imaginou, não foi?

O mesmo acontece com o parto!

Muitas vezes, o parto idealizado não é bem da forma como ele é, como ele realmente acontece!

“Oh meu Deus, e agora? Como saberei como será meu parto?”

Calma, continue comigo nesse texto que vamos descobrir juntas 😀

Idealização do parto: dois lados de uma mesma moeda

Quando a gente lê relatos, assiste documentários e participa de grupos virtuais ou presenciais de gestantes, a gente começa imaginar o que queremos e o que não queremos no nosso parto:

“Huumm, quero um parto na água, com pétalas de flores e num hospital, com Backstreet Boys tocando ao fundo (Kevin seu lindo!!)”

Ao som de Backstreet Boys
Tell me whyyyyyy… (8) fonte: giphy.com

“De cócoras certamente é o melhor para mim, na minha casa!”

“Vish, não dispensarei a presença da minha doula nem que a vaca tussa!”

“AAhh, se meu parto for a noite, eu tenho certeza que eu ficarei muito mais tranquila!”

Obviamente que não há problema algum a gente sonhar com o parto ideal, aquele que ficamos imaginando a gestação inteira, como deveria ser legal! Ainda mais se essa ideia exigir a busca por uma equipe preparada, uma doula, um hospital ou maternidade que atendam as diretrizes do Parto adequado ou, pelo menos (pra quem depende da rede pública, como eu dependi), caminhos que permitam um parto com menos intervenções e maiores possibilidades de um parto satisfatório.

O único problema é idealizar o parto SEM PENSAR NAS POSSIBILIDADES DE MUDANÇAS DE CENÁRIO QUE PODEM OCORRER. Aí temos tudo planejado de uma única maneira na nossa cabeça e, de repente, PAAHH!! Tudo acontece e muda de um segundo para ou outro, e ficamos completamente perdidas no nosso próprio cenário, que imaginamos, sonhamos, idealizamos.

Tem que levar tudo em conta!
Huumm… eu… realmente não tinha pensado nisso! Fonte: giphy.com

O parto ideal e seus reais desfechos

Vou comparar a trajetória do parto com uma viagem realizada pela minha irmã, em 2012, para fins de estudo.

Era domingo. O vôo sairia às 6h de Guarulhos para o Peru e seguiria para Los Angeles pouco depois, com previsão de chegada por volta das 21h. Ok!

Ao embarcar, a escada de acesso (um caminhãozinho), bateu na turbina do avião. Foi acionada a equipe de manutenção, que acionou depois a equipe de engenheiros. O vôo partiu com umas duas ou três horas de atraso, o suficiente para perder a conexão no Peru.

Ao chegar, só tinham duas alternativas: Um vôo para o México e de lá, para Los Angeles, ou aguardar o dia seguinte para o vôo direto. Todos optaram em ir para o México. O vôo sairia em algumas horas e, para o desespero geral, esse também atrasou e, obviamente, ao chegarem no México, o vôo para Los Angeles já tinha partido.

Eles tinham novamente duas opções: Esperar 15 horas para um vôo direto ou pegar dali poucas horas um vôo para Huston e de lá, teriam várias opções de vôos para Los Angeles. E foi o que fizeram.

viagem com várias escalas
Essa linda é minha irmã, que está desbravando o Canadá no momento, em sua primeira viagem fora de casa! Foto: arquivo pessoal, montagem autorizada por ela mesma!

O que era pra ela chegar num domingo a noite em Los Angeles, chegou na segunda feira, depois do almoço, perdendo o primeiro dia de aula.

E obviamente que durante esse percurso todo, choro de raiva, de medo e assombro não faltaram.

O que eu quero dizer com tudo isso?

Que sim, a gente deve planejar, pensar, sonhar, idealizar nosso parto, MAAAAAAAAAS, pensar nas diversas possibilidades de acontecimentos que circundam o evento.

Como era a primeira vez na vida que minha irmã estava indo viajar  pra fora, de avião, jamais imaginaria que isso pudesse acontecer. Hoje, já mais experiente, ela não deixa pra fazer um vôo num prazo tão apertado para inicio de aulas ou do trabalho, por exemplo. Aprendeu com a experiência.

Um parto domiciliar pode virar uma transferência para um hospital, num parto normal com analgesia ou mesmo uma cesariana necessária.

Um parto planejado com equipe hospitalar, pode se transformar num parto a jato dentro de um taxi.

Uma cesariana eletiva pode se transformar num parto tranquilo, sem analgesia, numa sala PPP (sala pré parto, parto, pós parto) bem tranquila.

Uma conhecida minha foi fazer avaliação de rotina no hospital (após 39 semanas). Estava tranquila, conversando, rindo… e estava já com 5cm de dilatação. Ela tinha contrações e não sentia nada. Ficou internada e chamou as pressas seu companheiro (que estava em outra cidade). Ficou boa parte do TP sem acompanhante, porque não estava preparada para ficar ali, internada. Seu companheiro chegou no início do expulsivo. Ela sentiu dor apenas no círculo de fogo!! Impressionante, não??

No meu segundo parto, idealizei um parto domiciliar a noite, no silêncio do meu apartamento, onde o TP transcorreria de forma tão suave que não incomodaria meus vizinhos, com a equipe que me acompanhou toda ali, a doula, meu marido do meu lado e minha filha dormindo tranquilamente no quarto dela. Entrei em TP ativo às 9h30 da manhã, de uma sexta feira extremamente quente, dia de aula da minha filha mais velha, já com 5cm de dilatação e, as 10h45, minha bebê chega de sopetão, com contrações ultra potentes, super desreguladas na fase ativa, regulando só no expusivo, onde minha vocalização alertou o prédio inteiro que eu estava em TP no apartamento (minhas vizinhas fofas, tão solicitas e preocupadas, se dispuseram a chamar o SAMU se precisassem rsrs! Gratidão eterna meninas – pelo interfone meu marido as tranquilizou e disse que estávamos com equipe lá). E assim, com a bebê nos braços, só pensei: “Eita… e agora? Acabou? Que que eu faço agora?” – Meu relato de parto está aqui!!

Parto domiciliar planejado
Meu parto domiciliar, com as obstetrizes da equipe Ópis – Ana Luisa e Jeanne -, a Doula Lidiane e minha família, que veio algumas horas depois. Fotos: arquivo pessoal

O parto que eu idealizei foi o domiciliar e, claro, eu tinha na minha mente algumas coisas que eu sonhava que acontecessem… mas, mesmo eu sendo doula, tendo acompanhado vários TPs e lido milhares de relatos, não cogitei a possibilidade de um parto a jato. Fiquei, por meses depois do parto, me perguntando “Porque isso aconteceu desse jeito?”, “Eu podia ter feito x, y, z”, “meeeu, que loucura, só tinha uma obstetriz aqui… que rapidez foi essa, que não deu tempo de chegar ninguém… porque isso aconteceu?”, era o que eu mais repetia e não achava resposta!

O meu parto ideal, meu idealizado, era um. Meu parto real, foi outro! E sim, isso pode acontecer com qualquer pessoa, mesmo com uma doula :p

(E sim, foi a experiência mais maravilhosa da minha vida, mesmo não sendo o idealizado).

O que posso fazer pra não me decepcionar / me assustar com o meu parto?

Ouvir e compartilhar experiências é um dos melhores caminhos para melhor preparo para o parto, sem sombra de dúvida! Frequentar grupos de gestantes, grupos de apoio, grupos de UBS é essencial para o preparo desse caminho. Nos ajuda a ficar mais tranquilas, pois saberemos o que podemos pegar pela frente.

Grupo de apoio a gestante
Fotos da Roda Bebêdubem, que acontecem em Jacareí, sob a coordenação da doula Janaina Lacerda. Foto: arquivo pessoal, cedida pela Janaina.

Quando a gente se prepara para um parto domiciliar, conversar com a equipe sobre as diversas situações que podem ocorrer e o que esperar de cada uma delas. Uma conversa aberta, sincera e franca, ajuda a se preparar adequadamente para toda situação que pode aparecer!

Quando a gente se prepara para um parto hospitalar, com equipe particular, convênio ou mesmo SUS, é imprescindível visitar o local, conhecer a realidade de protocolos do hospital / maternidade (por exemplo, algumas maternidades até aceitam doulas no centro de parto, mas estão proibidas de entrar no centro cirúrgico, na necessidade de uma cesariana) e procurar conhecer as práticas médicas na hora do parto, se estão adequadas às diretrizes do Parto Adequado.

Se houver a eletividade por uma cesariana, é indispensável conhecer os riscos envolvidos para mãe e bebê nessa cirurgia; e pode ter certeza, não são poucas e não são simples. Informação adequada para a escolha consciente ajuda a evitar surpresas desagradáveis por desfechos ruins (e, infelizmente, não são tão incomuns, mas são mascaradas). Esse inclusive é um assunto para um próximo post.

Quando a gente conhece o que vai enfrentar, criamos estratégias e facilita aproveitarmos os bons momentos da situação.

Quando a gente vai viajar, olhamos o GPS, o Google Maps, o Weeze, mentalizamos o melhor trajeto e traçamos planos para eventuais engarrafamentos, xixis e por do sol que possamos ter pelo caminho. Com o parto, é essencial fazermos o mesmo!

 

Como planejar uma viagem, planejar o parto!
Isso… esse aqui e aquele ali também!! Pensando em tudo! Fonte: giphy.com

Buscar informação, conhecer histórias, ler relatos e compartilhar experiências, principalmente em grupos de gestante e contando com a companhia de um doula amiga, pode ter certeza que sua experiência com o parto será um dos momentos mais incríveis que você viverá!!

Bora começar?

 

 

Referências Bibliográficas

Expectativas sobre a assistência ao parto de mulheres usuárias de uma maternidade pública do Rio de Janeiro, Brasil: os desafios de uma política pública de humanização da assistência

Patients’ expectations concerning childbirth care at a public maternity hospital in Rio de Janeiro, Brazil: challenges for the humanization of obstetric care

Marcos Augusto Bastos Dias; Suely Ferreira Deslandes

Instituto Fernandes Figueira, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil

http://www.scielo.br/pdf/csp/v22n12/13.pdf

 

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http://www.scielo.br/pdf/bioet/v21n3/a15n21v3.pdf

 

 

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http://www.scielo.br/pdf/prc/v18n2/27476.pdf

 

 

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http://www.scielo.br/pdf/physis/v26n4/1809-4481-physis-26-04-01293.pdf

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