7 Procedimentos no recém nascido para o seu Plano de Parto

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O primeiro encontro, a sensação de sentir o corpo quente do recém nascido perto do coração pela primeira vez. O primeiro toque, os primeiros sons, o primeiro olhar, o primeiro colo que conforta o bebê da sensação traumatizante do nascimento, tudo isso é o que vem logo após o parto. A maneira como o recém-nascido é recepcionado é muito importante para que a conexão entre mãe e bebê se estabeleça de maneira profunda e prazerosa, proporcionando a liberação de altas doses de hormônios de amor e carinho no corpo da mãe que são fundamentais para o sucesso da amamentação, para a saúde emocional da mulher no puerpério, e para saúde de ambos como um todo.

Em fevereiro deste ano a Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou novas diretrizes para a assistência de saúde às mulheres e recém-nascidos no parto. Se passaram mais de 20 anos desde a última publicação técnica da entidade Care in normal birth: a practical guide, de 1996, que se se tornou referência técnica no Brasil para as instituições do programa Rede Cegonha no âmbito do Ministério da Saúde. Apesar de ainda não ter sido expressamente referenciado pelo MS, qualquer documento da OMS é capaz de fixar parâmetros legais mínimos de qualidade da assistência e do direito humano e fundamental ao mais alto nível de saúde.

Neste artigo estarão compiladas as principais disposições relativas aos procedimentos no recém-nascido contidas no documento WHO Recommendations: Intrapartum care for a positive childbirth experience, de 2018, em comparação a normativas do Ministério da Saúde já vigentes. No geral, as recomendações da OMS são semelhantes ao conteúdo de três portarias do Ministério da Saúde:

1) Portaria nº 371, de 7 de maio de 2014 SAS/MS, que instituiu as diretrizes para a atenção integral e humanizada ao recém-nascido; (portaria de atenção ao RN)

2) Portaria nº 2.068, de 21 de outubro de 2016 GM/MS, que instituiu diretrizes para a organização do alojamento conjunto; (portaria do alojamento conjunto)

3) Portaria nº 353, de 14 de fevereiro de 2017 SAS/MS, que aprovou as Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal (Diretrizes Nacionais).

Essa comparação servirá para você pai ou mãe interessada em uma recepção amorosa e humanizada ao bebê.

1. Clampeamento tardio do cordão umbilical

Não se deve ter pressa em interromper o fluxo sanguíneo do cordão umbilical, pois durante os primeiros minutos de vida ele continua pulsando para levar ao bebê um aporte de sangue importante para a sua saúde, além do oxigênio necessário para uma transição respiratória suave. Quando o cordão é clampeado imediatamente após o nascimento, o bebê deixa de receber o sangue oxigenado de sua mãe e é obrigado a respirar imediatamente, o que é doloroso para os seus pulmões que respiram pela primeira vez. Como na assistência humanizada não existe pressa em cortar o cordão, a transição é tão mais suave que muitas vezes não há qualquer choro do bebê.

O que diz a OMS: A Recomendação 44 do documento da OMS estabelece que o cordão não deve ser clampeado antes de passado pelo menos 1 minuto após o parto, para melhores desfechos materno e neonatal de saúde e nutrição, inclusive no caso de mulheres com HIV.

O que diz o Ministério da Saúde: Tanto a portaria de atenção ao RN, quanto as Diretrizes Nacionais dizem que se deve pelo menos esperar a cessação da pulsação do cordão umbilical (1 a 5 minutos), exceto se houver alguma contra indicação ou a necessidade de reanimação neonatal. Inclusive, o ponto 200 das Diretrizes dispõe que a equipe poderá adotar uma conduta expectante e aguardar que o clampeamento aconteça de maneira fisiológica. O ponto 155 coloca que se uma mulher solicitar o clampeamento do cordão após 5 minutos, a equipe de saúde deverá apoiá-la em sua escolha.

2. Aspiração das vias aéreas superiores

A aspiração das vias aéreas superiores (boca e nariz) é bastante incômoda e invasiva para um bebê que acabou de nascer, por isso ela não deve ser realizada como rotina no hospital. Apenas bebês que precisam de ajuda para iniciar a respiração ou que tenham nascido de um líquido amniótico contendo mecônio (o cocô do bebê) podem se beneficiar dessa prática.

O que a OMS diz: Na recomendação 47 a OMS coloca que um bebê nascido de líquido amniótico claro (sem mecônio) e que inicia a respiração por si só não deve ter a boca e nariz aspirados.

O que diz o Ministério da Saúde: o ponto 198 das Diretrizes Nacionais não recomenda a aspiração orofaringeana e nem nasofaringeana sistemática do recém-nascido saudável.

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Foto: Ernest F

3. Contato pele-a-pele com o recém nascido

Seja no parto normal ou na cesárea, os protocolos hospitalares de pesar, medir, limpar, empacotar, injetar vitaminas e aplicar (muitas vezes sem necessidade) colírio nos olhos do bebê devem ser adiados em pelo menos uma hora após o nascimento. O bebê que nasce saudável deve sair do útero da mãe e ir diretamente para o seu colo em contato pele-a-pele, sem panos entre os dois, e permanecer lá durante a primeira hora de vida.

A primeira hora após o parto, também chamada hora de ouro ou golden hour, permanece para sempre no inconsciente da criança. Permitir que o calor da mãe aqueça o bebê, e aguardar o estabelecimento do primeiro olhar amoroso entre os dois, o imprinting, favorece a liberação em larga escala de hormônios fundamentais para a amamentação e é importante para a saúde física e mental da mãe e bebê como um todo.

O que diz a OMS: Na recomendação 48 está disposto que recém-nascidos sem complicações devem ser mantidos em contato pele-a-pele com suas mães durante a primeira hora depois do parto para prevenir a perda de calor neonatal e promover a amamentação.

O que diz o Ministério da Saúde: Tanto a portaria de atenção ao RN quanto as Diretrizes Nacionais (pontos 219 a 221) recomendam que os procedimentos de rotina sejam adiados em uma hora após o nascimento para garantir a vinculação entre mãe e bebê nesse período, em contato pele-a-pele imediato. A portaria de atenção ao RN adicionalmente recomenda que o bebê seja colocado de bruços sobre o abdômen ou tórax da mãe, de acordo com a sua vontade (como em um abraço), e que a temperatura do ambiente esteja em torno de 26 graus para evitar a perda de calor. Já as diretrizes não mencionam a temperatura ambiente, apenas a necessidade de cobrir a criança para mantê-la aquecida.

4. Amamentação na primeira hora de vida

É na primeira hora após o nascimento que o reflexo de sucção do bebê é mais forte, o bebê está mais atento e procura o seio materno com mais vigor. A sucção da mama estimula a liberação do hormônio prolactina que, por sua vez, estimula a produção do leite pelas glândulas mamárias. Passado um tempo após o parto o bebê se torna sonolento e a primeira amamentação pode não ser tão efetiva como teria sido na primeira hora de vida.

O que diz a OMS: A recomendação 49 diz que todos os recém-nascidos que tenham capacidade de mamar, inclusive aqueles com baixo peso ao nascer, devem ser colocados no colo da mãe assim que estejam clinicamente estáveis e mãe e bebê estejam prontos.

O que diz o Ministério da Saúde: A portaria de atenção ao RN e o ponto 222 das Diretrizes Nacionais estimulam o aleitamento materno tão logo o bebê nasça, preferencialmente na primeira hora de vida.

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Foto: Tom Adriaenssen

5. Vitamina K

A vitamina K é importante nas primeiras semanas de vida do bebê para prevenir hemorragia. Ela tem uma capacidade limitada de atravessar a barreira da placenta e, por isso, será através da ingestão oral (leia-se: amamentação) que o bebê irá receber essa vitamina. Como a descida do leite e a presença de vitamina K no leite materno é variável, pode-se fazer o uso dela de forma oral ou injetável no bebê como medida profilática contra hemorragia. A vitamina K pode ser facilmente suplementada através da amamentação, desde que a mãe não tenha nenhuma deficiência dessa vitamina em seu organismo.

O que a OMS diz: A recomendação de número 50 do documento aconselha o uso de forma intramuscular de 1mg de vitamina K passada a primeira hora de vida.

O que diz o Ministério da Saúde: Os pontos 204 a 208 das Diretrizes Nacionais recomendam que todos os recém-nascidos recebam vitamina K para a profilaxia da doença hemorrágica. O método padrão adotado é o mesmo da OMS: 1mg por via intramuscular em dose única, mas caso seja da preferência dos pais, a vitamina K poderá ser oferecida por via oral em múltiplas doses de 2mg: uma logo após o nascimento, outra entre o 4º e o 7º dia de vida e, para bebês em aleitamento materno exclusivo, após 4ª a 7ª semanas de vida.

6. Colírio para profilaxia conjuntivite por gonorréia e clamídia

O colírio credé (nitrato de prata) serve para proteger a conjuntiva do bebê da bactéria da gonorréia, que no bebê causa a oftalmia gonocócica do recém-nascido. O bebê seria contaminado a partir do contato direto com as secreções do canal de parto na hora do nascimento; mesmo quando o nascimento é pela via cesariana, existiria risco de contaminação por infecção bacteriana ascendente após rompimento da bolsa.

O problema do colírio é que ele é cáustico, causando incômodo no bebê e conjuntivite química em 20% dos casos; ele é aplicado de forma rotineira independentemente da verificação da bactéria na mãe (geralmente o exame para gonorreia não é pedido durante o pré-natal). O credé precisa ser aplicado na primeira hora de vida, muitas vezes atrapalhando o primeiro olhar entre mãe e bebê, além de não ser efetivo para o combate de outras bactérias atualmente mais comuns como a clamídia.

Muitas instituições já fazem o uso de outros tipos de substâncias menos agressivas para conjuntiva do bebê, como o PVPI (iodopovidona), a eritromicina e a tetraciclina, que também apresentam a vantagem de proteger o bebê de mais bactérias além da gonorreia, como clamídia, e podem ser aplicados em até 4 horas após o nascimento. Caso a mulher não queira que o procedimento seja realizado em seu bebê, é interessante que peça os exames necessários para verificar se tem resultado positivo para as bactérias próximo ao período do nascimento.

O que diz a OMS: O documento da OMS não faz menção à profilaxia para conjuntivite bacteriana nas recomendações sobre os cuidados com o recém-nascido.

O que diz o Ministério da Saúde: Nos pontos 201 a 203, as Diretrizes Nacionais colocam a profilaxia da oftalmia neonatal como procedimento de rotina nos cuidados com o recém-nascido, sendo recomendada a utilização da pomada de eritromicina e, como alternativa, tetraciclina; o nitrato de prata (credé) apenas deve ser usado em caso de falta das substâncias anteriores. O tempo de administração da profilaxia da oftalmia neonatal pode ser ampliado em até 4 horas após o nascimento. De toda forma, as Diretrizes Nacionais no ponto 225 colocam que qualquer exame, intervenção ou tratamento da criança seja realizado com o consentimento dos pais e também na sua presença ou, se isso não for possível, com o seu conhecimento.

7. Alojamento conjunto e o primeiro banho do recém nascido

Durante toda a estada no hospital, mãe e bebê devem estar 24 horas juntos, é o que se chama alojamento conjunto. Essa prática favorece a amamentação, aumenta a interação entre a família e o bebê, diminui os riscos de infecção no bebê oriundos da assistência de saúde, proporciona um cuidado de saúde mais atencioso à mãe e permite ações educativas durante a internação sobre cuidados com o recém-nascido , tornando o retorno da família à casa mais seguro e confortável. Não é necessário aquecer artificialmente um bebê cuja mãe tem calor corporal para oferecer (mais um argumento a favor do contato pele-a-pele), muito menos deixar um bebê saudável no berçário longe de sua mãe. Os berçários são um setor do hospital que poderia ser abolido pelo bem das mães e bebês.

É desnecessário e prejudicial dar banho no bebê nas primeiras 24 horas de vida. Os bebês nascem com uma substância branca na pele, o vérnix, que tem a função de hidratar e proteger a pele do bebê de agentes nocivos e é absorvida naturalmente pela pele da criança. O primeiro banho pode ser dado pelos próprios pais com instruções da equipe de saúde no sistema de alojamento conjunto.

O que diz a OMS: A recomendação 51 diz que o primeiro banho deve ser adiado em até 24 horas após o parto, se isso não for possível devido a razões culturais, deve-se aguardar por pelo menos 6 horas. A mãe e o bebê não devem ser separados e devem permanecer no mesmo quarto 24 horas por dia.

O que diz o Ministério da Saúde: A portaria do alojamento conjunto disciplina esses serviços no âmbito nacional; segundo a normativa, bebês saudáveis devem permanecer 24 horas no mesmo cômodo que a mãe, com assistência adequada para ambos. A portaria de atenção ao RN coloca que o banho do recém-nascido deve ser dado na cuba de seu próprio berço ou banheira, assegurada a limpeza e a desinfecção entre o uso; os pais devem ser incentivados a participar do banho da criança e orientados nos cuidados necessários para a prevenção de hipotermia.

“Para mudar o mundo, é preciso mudar a forma de nascer.” (Michel Odent)

É isso queridas, curtam o seu bebê e procurem se precaver com estratégias para que seus direitos sejam respeitados. Infelizmente, nosso sistema médico anda desatualizado e, muitas vezes, é resistente em adotar novas práticas. Então estudem, elaborem seus Planos de Parto, e tentem encontrar uma equipe ou hospital que adote práticas humanizadas na assistência ao parto e nascimento. Lembrem-se que qualquer exame, intervenção ou tratamento da criança, sempre que possível, deverá ser realizado com o consentimento dos pais; caso você se sinta desrespeitada em seus direitos, procure a assistência de uma advogada com capacitação para o enfrentamento à violência obstétrica.

Referências

Portaria nº 371, de 7 de maio de 2014 – Institui diretrizes para a organização da atenção integral e humanizada ao recém-nascido (RN) no Sistema Único de Saúde (SUS): http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2014/prt0371_07_05_2014.html

Portaria nº 2.068, de 21 de outubro de 2016 – Institui diretrizes para a organização da atenção integral e humanizada à mulher e ao recém-nascido no Alojamento Conjunto: bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2016/prt2068_21_10_2016.html

Portaria nº 353, de 14 de fevereiro de 2017, que aprova as Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal: bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_nacionais_assistencia_parto_normal.pdf

Recomendações da OMS 2018. WHO Recommendations: Intrapartum care for a positive childbirth experience:
http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/260178/9789241550215-eng.pdf;jsessionid=7B26A8AD00FE73C75861A2B77EE63B72?sequence=1

Vitamina K para Bebês – Por que? Como? Qual? – Levatrice: www.levatrice.com/vitamina-k

Tudo que você precisa saber sobre o Crede – SOS Pediatria: https://www.facebook.com/sospediatraonline/photos/a.734486866573082.1073741827.734268303261605/797003170321451/?type=3&theater&ifg=1

Livros

Parto Ativo: Guia Prático para o Parto Natural. Janet Balaskas, 2017.

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7 respostas para “7 Procedimentos no recém nascido para o seu Plano de Parto”

  1. Comecei a pesquisar a respeito de parto humanizado a partir do filme O Renascimento do Parto. Estou gestante de 33 semanas do meu 2º filho. Seu artigo foi muito esclarecedor. Obrigada

  2. Meu parto vai ser em uma maternidade pelo sus, mas quero parto normal.Você sabe me dizer se sus aceita plano de parto? Se tenho esse direito?

    1. O certo seria que toda maternidade recebesse plano de parto, mas na prática isso vai ser mais ou menos provável dependendo do costume da instituição e de eventuais leis municipais ou estaduais que tutelem esse direito. Você pode visitar a instituição e perguntar, além de procurar relatos em grupos virtuais e presenciais de apoio ao parto. Qual sua cidade?

    2. O certo seria que toda maternidade recebesse plano de parto, mas na prática isso vai ser mais ou menos provável dependendo do costume da instituição e de eventuais leis municipais ou estaduais que tutelem esse direito. Você pode visitar a instituição e perguntar, além de procurar relatos em grupos virtuais e presenciais de apoio ao parto. Qual sua cidade?

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